sábado, 23 de agosto de 2008

Noah's Arc por Patrik-Ian Polk


Falar sobre negritude homossexual (ou seria homossexualidade negra?!) na mídia é ao mesmo tempo fomentar o debate sobre invisibilidade. As formas de opressão a estes sujeitos gays negros ficam implícitas, pois o mundo gay construído é arraigado em padrões heteronormativos brancos. Não digo que não exista gays negros na mídia, eles existem e o outro post prova isto, mas o processo de aparecimento/desaparecimento é distinto perante ao mundo gay branco que tem mais ênfase dentro da mídia.
Por exemplo: Assistir Queer as Folk a procura de uma representação negra dentro da série é um bom exercício à paciência! O seriado (que já acabou faz algum tempo, mas ainda é referência no mundo inteiro) tem seus atrativos, um bom roteiro, bons atores, ótimos diálogos, cenas realistas que flertam com o fantástico jogado vez por outra em alguns episódios. Também tem a seu favor a quebra da “narrativa da revelação” que aprisionava muitos filmes/séries que passavam pela temática gay de alguma forma. Trata-se do processo de saída do armário e de como este gay enfrenta este estágio da vida. De regra, com a temática, vem o dramalhão, construindo as relações homossexuais a partir do sofrimento da descoberta sobre si mesmo. Queer também tem seu personagem que sai do armário, mas seu principal foco é de uma sexualidade homossexual bem resolvida e não que ainda é construída com vergonha e receio.

Mas mesmo fugindo da premissa da revelação o seriado acaba entregando ao seu público alvo uma nova normatividade. Ao apresentar a comunidade gay a partir de um só esquema (o branco!) exclui outras formas de percepção e identidades. Não existe homossexualidade e sim homossexualidade(s). O travesti, a lésbica, o gay, a trans, as drag queens ou kings, andrógenos, efeminados, durinhos, com suas raças diferentes, tem de tudo neste mundo. E estes sujeitos, apesar de diferentes, por conta de todo preconceito arraigado na sociedade vivem às vezes nos mesmos espaços em uma sociabilidade comum.
Queer as folk cumpre o seu papel, de transgredir, mas estaciona... Mas como parece efeito da "branquidade" somente se enxergar e não ao outro, isso é quase uma normalidade... Tanto que para compor uma outra parcela da população gay (masculina) foi criada a curta (somente duas temporadas!) Noah's Arc, com gays negros. Noa também não escapa de alguns defeitos vistos em Queer... os mundos são separados. Brancos de um lado e negros do outro. Sim, sabemos que estamos falando dos EUA, mas as relações racistas entre brancos e negros gays se dão em um aspecto um pouco diferente dos heterossexuais. O aspecto sexual e o fetiche ganham contornos únicos no mundo gay e estas relações são postas nas séries, mas não são problematizadas a fundo. Brancos e negros, mesmo dentro de uma sociedade racista, se relacionam. Além disso, a comunidade gay é vista com um novo modelo a ser seguido: um padrão homossexual!

Um outro ponto, trazido desta vez por um amigo meu, é o fato das series darem ao espectador a ilusão de que está tudo quase 100% para os gays de todo mundo. Sabemos o quanto à mídia pode ser universalizada e não necessariamente todo espectador sabe que aquilo dali é exclusivamente fantasia ou somente acontece naquele lugar onde se passa a história. Os gays de Queer e de Noa se beijam na rua e as pessoas ao redor não dizem nada! Não fazem nada na maioria das vezes! Nos EUA em alguns lugares dá para fazer isso! Mas e o que acontece aqui no Brasil?... Óbvio que aqui não dá nem pro gasto! E ai vem à ducha de água fria. Aquilo somente acontece lá e não aqui! Claro que tem gente que enfrenta, que está de saco cheio para a homofobia e “dá de frente com ela!”, mas ainda não vivemos em um mundo igual a séries americanas que contam historias sobre o mundo gay masculino formulado a partir de conceitos estadunidenses.
As identidades homossexuais são múltiplas! A comunidade é diferente, sofre e se alegra de maneira distinta, mas vive na maioria das vezes nos mesmos ambientes, pois a homofobia acaba colocando estes sujeitos em espaços cada vez mais restritos da sociedade “comum”, já que para a heteronormatividade a homossexualidade é única, sabendo da existência de sujeitos diferentes, mas não os reconhecendo!
Padrões homossexuais, padrões heterossexuais... Somente personagens brancos, somente negros... A mídia está cheia deles, ela precisa ser dirigida e dirigir através desses padrões para maior controle do público. Já que um público igual, com as mesmas idéias é bem mais fácil satisfazer que um múltiplo, cheio de exigências diferentes e consumo exclusivos. Estabelecidos os padrões, os que fazem à fantasia estão tranquilos... Não haveria contraste, nem confrontos. Ou seriam os feitores da ilusão?