Crônicas de Um Mundo Negro...

domingo, 20 de março de 2011

A Promiscuidade Academica e Sua "Revolução" Fingida...


“E se fosse homem diria que estou de saco cheio dos políticos de eleição, dos estudantes de faculdade que vem aqui para ganhar nota de português vendo a gente falar errado, dos artistas que representam a vida da gente. ma sou mulher e para não ficar quieta escrevo estes pensamentos.” Carolina Maria de Jesus.
Descobri dias atrás uma escritora, presente faz tempo na literatura nacional, na grande literatura aliás, mas novinha em folha dentro da minha estante. Carolina Maria de Jesus está me despertando – como toda mulher que escreve – a enxergar outros sentidos. Esta frase, presente em uma revista com reportagem sobre sua vida, onde estavam escritos alguns de seus provérbios, me chamou atenção em meio a tanta coisa bem escrita sob a motivação da indignação e da fúria.
No trecho fica óbvio o desabafo. Mas dentro dele está algo que me chama atenção pelo momento que estou passando; “dos estudantes de faculdade que vem aqui para ganhar nota de português vendo a gente falar errado”. Algo que não é novidade para ninguém, este movimento que a academia tem de sempre estudar distante os movimentos que sem eles ela não existiria.
Isso me revolta. Quantos e quantos trabalhos sobre quilombos, desde – ou até antes – da lei que obriga o ensino de cultura afro brasileira, quantos trabalhos sobre favelas, e negros nas favelas, ou associações de negros... Inúmeros. Graças a Deus! Os negros na academia, que sempre foram estudados pelos brancos de forma “imparcial”, nos últimos anos, tiveram incentivos para que a pesquisa sobre seu povo fosse comandada por negros. Isso tem diferença? Sim tem. Todos nós sabemos disso, que há diferença do olhar. Um olhar antes marginalizado que passa a ser sujeito e não só objeto.
Mas, existe outro movimento. Universitários que fazem das tripas coração para montar trabalho sobre determinada célula da cultura negra (quilombos e favelas são o principal alvo), fazem seu trabalho, tiram fotos, convivem com a comunidade e depois que sua nota está linda no quadro de notas, ADEUS! Vi este movimento dentro da universidade inúmeras vezes. O romance universitário dura tempo suficiente para que sua fama dentro da academia aumente e que seu currículo lattes seja enaltecido pelo resto das instituições. Ele traveste seu estudo de “compromisso social”, já que vai estudar uma camada da sociedade “carente/marginalizada/não valorizada/afastada” da sociedade, convence a si mesmo que está “dando voz!” (clichê na boca de inúmeros universitários!) ao sujeito que encabeça sua pesquisa, faz o seu trabalho de pesquisa – se surpreendendo com a forma de vida do seu objeto de pesquisa (“Nossa, olha como eles vivem.” “Nossa, olha como eles comem!”) e no fim dá um belo pé na bunda nele. Aconteceu da parte dos brancos para os negros nas últimas décadas do século XX e atualmente acontece de nós para nós mesmos...
Afinal de contas a gente concebe direitinho o que o branco colonizador faz. E como diz a escritora Carolina, eu estou de saco cheio. Essa promiscuidade acadêmica muitas vezes me enoja. O estudo de vários temas não é o problema, mas a forma como a hipocrisia da revolução é formada isso sim desequilibra. Escrevo hipocrisia da revolução, pois a maioria dos universitários que estudam os marginalizados convencem que seu trabalho vai realmente mudar a forma como as pessoas vêem determinada camada da sociedade, ou que estes sujeitos serão ouvidos e seus gritos vão finalmente ser levados a sério. Alguns POUCOS conseguem algo relevante. Mas a maioria? Tem seus trabalhos presos dentro de uma biblioteca universitária junto a camadas e camadas de poeira de outros tantos trabalhos.
Não nego que a academia tenha feito muito pela sociedade. Seria covardia de minha parte não reconhecer isso. Mas para cada profissional que surge com esta visão, inúmeros estão em suas costas, sendo levados pelo fácil, pelo cômodo. Não mudam, representam. Não progridem, repetem! Inúmeras bolsas – com muito ou pouco dinheiro – “pipocam” nas universidades atrás de estudos revolucionários. Colocam o objeto de estudo em evidencia, vão para campo e depois o destino é sempre o mesmo.
Eu mesmo, até considero isso que estou escrevendo clichê. Ou melhor, um clichê dentro de outro. Estou falando de algo que uma escritora da década de 50/60 já desabafava! No seu contexto o acontecimento surgia de outra forma, com outros sujeitos, mas agora a construção é quase a mesma e os sujeitos são diferentes... Essa repercussão do afastamento que nós negros universitários sempre condenamos, acabamos readaptando a um contexto interno. Somos sujeitos e objeto da historia, mas será que concebemos a historia de uma forma mais intima? Estudantes universitários negros urbanos vão desembocar em quilombos afastados da urbanidade louca do dia a dia para estudar seu modo de vida, a forma como vivem e sobrevivem. São negros, mas são iguais? Não! Complexidades que só da para alcançar, entendendo as bifurcações e armadilhas que a diáspora negra nos trouxe.
Conversando com um antigo professor, acabamos concordando em uma critica ao sistema de cotas, que graças ao meu bom Deus está sendo mudada. Antes – su parte da primeira turma de cotistas da UNEB – as cotas “garantia” seu lugar lá dentro, mas e depois? Como seria sua vida lá? E o que voce ofereceria em troca da cultura e do movimento que lutaram para voce estar lá dentro junto ao seu esforço?... Os estudantes entravam e se esqueciam que uma coletividade foi responsável por ele estar ali. Sou negro, cheguei até aqui e... Ele era engolido pelo individualismo do mérito branco tão famoso nas últimas décadas. E o seu trabalho não vai voltar para a sociedade? Alguns até tinham esta consciência, mas o discurso universitário é que “ele volta o seu trabalho como uma ajuda para a comunidade”. É bom entender que não é ajuda, é obrigação! A universidade pública tem que deixar o viés politicamente correto do empadrianhamento, para o total engajamento da responsabilidade com os seus.
A academia eurocentrada achou durante anos de vitimizar os nossos e na minha opinião estamos indo por um caminho parecido. É preciso um quilombo sempre distante, uma favela desorganizada, um mendigo pitoresco para ser estudado, uma roda de samba com uma tradição não reconhecida... Não reconhecida por quem? Pela obviedade da academia que só consegue se enxergar, mesmo estudando fenômenos que nunca precisaram da ajuda dela para existir... Eu realmente tô de saco cheio do eurocentrismo, dos brancos e seus estudos epistemológicos há anos, mas também começo a ficar cansado com uma circulação de certas camadas do meu próprio povo...

quarta-feira, 9 de março de 2011

Salvador ou... Gringolandia????

É de praxe. Quando acaba o carnaval, estouram em todos os lugares depoimentos de gente revoltosa com a maior festa popular do planeta. São pessoas que das duas uma: ou não gostam do carnaval e esculhambam mesmo não tendo motivo, ou outras que tem motivo de sobra, pois brincam e acabam vendo coisas que não gostariam de ver. Na festa deste ano – que aqui em Salvador começou na quarta-feira – em uma era dominada pelo you tube e seus vídeos sem fim, os depoimentos começaram muito antes do Carnaval terminar.
Circulou nos últimos dias, um vídeo da jornalista Raquel Sherazade, da Paraíba, jogando na parede sua opiniao sobre o carnaval, outro que agora ronda o facebook de quase todo mundo é o do cantor Marcio Vitor desabafando em pleno circuito da folia contra um homem branco que o chamou de “preto, pobre” e disse que sua música incita a violencia em um camarote aqui em Salvador. Um outro mostra flashs das “melhores” brigas do carnaval 2011...
A verdade é que o Carnaval de Salvador – nunca experimentei o de outros lugares – é uma festa de inúmeras contradições. Primeiro que a cidade devia mudar o nome para Gringolandia... Foi divulgada recentemente – terça-feira, 25/02/2011 – que a maioria da população soteropolitana faz questão de escapar do Carnaval. Sao 77,9%, sendo que 60,5% passam o carnaval em casa, o restante viaja. É quando a população de Salvador – em sua maioria negra – sai seja para o interior do estado, seja para as ilhas e os turistas invadem a cidade. É perceptivel, no Canraval, a população branca de SSA aumenta consideravelmente e nestes tempo de alta do dólar os gringos fazem a festa. Há algum problema nisso? Até então não. Mas basta um olhar mais atento para ver que as coisas não sao tao simples quanto parecem...
Primeiro, Salvador é uma cidade que tem uma cultura “paga pau” pra turista. Gringo aqui faz o que quiser. E isso não é balela! Os que vêm de fora são mais bem tratados que os nativos. Tem-se uma cultura de que o turista é alguém poderoso, que com seu dinheiro gasto na diversão pela diversão ele sustenta a cidade e por conta disso tem que ser tratado de forma completamente diferente. Então vai aí um colar pro gringo, junto com a melhor mesa no restaurante pra ele comer aquela moqueca suculenta, acompanhado de uma pretinha básica que serve a ele como guia turístico e depósito de sêmen a noite – ou na hora que ele quiser e entender.
Segundo, o turista trata de formas distintas o nativo branco e o negro. Até por que quando voce, de fora, imagina a Bahia, não coloca na sua cabeça a imagem de gente loira de olhos azuis, apesar que aqui em Salvador tem muitos. Mas o negro, na época da alta estação, é o alvo preferido do apetite sexual do turista. Ouvi esta temporada, que durou insuportáveis três meses, “Eu quero ver o que o baiano tem” (pretensa falta de criatividade, quase todo turista que vem de fora diz isso...), ou “Eu quero um corpo negro! Um pau enorme dentro de mim!”, “Eu quero ver a negona mexer. Mexe negona!”. Mas do outro lado também existem pérolas... “A cidade tá cheia de gringo! Vou hoje pra TAL BAR, pois lá tem mais turista.”. O problema alastra quando essa erotização, que não chega a irritar muitos passa para o caminho da marginalidade. Por que pra transar todo preto serve, mas para a convivência nem tanto... “Sim, tem carnaval na Liberdade, em Cajazeiras... ainda bem que os marginais não vem pra cá”. Não adianta a prefeitura querer convencer as pessoas do contrario, pois os turistas já compreenderam direitinho seu real plano.
Terceiro, o gringo faz e acontece aqui, mas por que será que ele vem fazendo isso durante tanto tempo e não pára? Por que nós não deixamos parar... Sim, o gringo é o vilão? Não exatamente. É de conhecimento de todos, das campanhas que o governo fazia sobre a Bahia para gringo ver, mulheres negras, quase peladas, se oferecendo que nem loucas com sorriso no rosto a todo homem de fora que visse pela frente. Mas não é culpa totalmente dos que nos governam não. Deixamos tudo acontecer sem problema algum. O soteropolitano se oferece, recebe bem o turista, quase que doa seu tempo a ele para mostrar a cidade nos seus mínimos detalhes. São nossas escolhas que acabam dando ao gringo a visão estereotipada que ele tanto tem sobre nós. Ele na maioria das vezes não nos estupra, estamos lá na cama do gringo (ou da gringa) de boa, mostrando para ele os melhores lugares, ou uma outra cidade que está fora dos circuitos turísticos e cá para nós é bem mais interessante.
É pecado então se entregar? Não! Temos que manter sempre uma postura radical? Não! Se entregue a quem você quiser, mas saiba o que o outro pode pensar sobre você... O problema real é quando nós exotizamos nossa existência a favor do pensamento nefasto do outro. salvador vira Gringolandia por que nós queremos. Abrimos as pernas conscientes, não adianta reclamar depois!...
Um forte exemplo do que falo é o tal vídeo do cantor Marcio Vitor... Ele foi chamado aos berros por um homem que ele era “preto, pobre” e que sua música incitava a violência. Aí o cantor ficou p da vida, deu um piti no circuito, fazendo um discurso a favor da periferia e... SÓ!... Não prestou queixa, não falou sobre o assunto até agora, não colocou o miserável racista na cadeia. E olha que ele tem a mídia a seu favor para fazer isso. Além disso, ele tem uma lei que salvaguarda o direito dele como cidadão negro em ser respeitado. Ouvi do cantor em vídeo postado no You Tube, “Respeite meu povo!”. Mas o cara vai continuar não respeitando. Ele não sofreu nada por conta da atitude nefasta que proclamou. Nada! Nem a cara dele apareceu.
É por conta disso que tenho certeza que não adianta só ter dinheiro, é preciso mais que isso. Marcio deve ter seus motivos bem estruturados para fazer o que fez, ou não fazer... Mas e o resto da população negra que é agredida todo dia?... Eu aprendo a ficar de braços cruzados, eu aprendo a sustentar o outro com o fruto do meu suor, eu aprendo a ficar quieto, eu aprendo que racismo é uma coisa feia e... distante de mim, eu aprendo a deixar o outro fazer o que quiser comigo. E principalmente, aprendo a baixar a cabeça!... Nesta quarta-feira de cinzas, fico me perguntando quando nós vamos deixar de nos iludir com algumas palavrinhas ditas no ouvido, bem de leve, de um cara que vem de fora... Reclamar depois, se fazendo de vítima não adianta mais...

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

E quando o racismo vem de dentro de casa?

Quando tive os meus primeiros contatos com referências que para mim hoje parecem tão comuns como Fanon, Sudbury, Abdias do Nascimento, Ari Lima entre outros, comecei a me relacionar com um novo mundo negro. Neste mundo eu me olhava no espelho e sentia orgulho de mim mesmo. Olhava para meu cabelo e reparava que o que antes achava feio agora belo era arquitetado na minha cabeça. Por dentro, as mudanças também continuavam, sorria mais, passei a não dar valor aos meus medos, descobri dentro de mim um curioso que há tempos havia perdido, pois o mundo que vivia era chato demais... Além de achar meu cabelo, minha pele, meu nariz, belos, de descobrir minha cultura, eu por dentro hoje sou outro, devido aos autores que descobri e por algumas pessoas que encontrei pelo caminho.
Esses encontros, além de servirem como reformulação do meu ser, possibilitaram também me defender do mundo e de sua opressão. Não estou querendo pronunciar o meu papel de vitima na sociedade, mas sei que o racismo formulado/inventado por brancos séculos atrás – e ainda usado por estes no século atual – tem força hoje e sua extinção é um trabalho de anos e de complicado aparato. Todo negro precisa se defender contra o racismo! Conhecer a si mesmo é o primeiro caminho. Não adianta querer fazer revolução lá fora se dentro de casa está tudo virado de cabeça pra baixo. O racismo não só tira seu emprego. O racismo enlouquece, humilha, ridiculariza, afasta voce de si mesmo... É uma invenção poderosa, inteligente e que todos nós negros precisamos ganhar algum tempo do nosso dia-a-dia aprendendo a nos defender.
E com o tempo e a experiência acabamos ganhando esta auto confiança e informações valiosíssimas contra o racismo. Ficamos fortes, com orgulho maior que nosso cabelo, ele agora cresce sem problemas e dentro de uma auto estima consciente. O mundo pode vir quente, a gente não se importa. Aos poucos, nos preparamos para saber onde meter o nosso pé, com quem andar, o que falar na hora em que ouvir certos tipos de absurdo. O racismo não vai deixar de existir por que voce está preparado, ele vem bem mais forte que voce pensa, mas as armas estão perto, as referências estão aí, para que você as use e se defenda.
Mas isso é com o mundo! E o outro mundo? O de dentro de casa? Quando o racismo te atinge dentro de casa? Com seus irmãos, seu pai, sua mãe, seus primos, tias, enfim sua família? O que você faz? Carrega a metralhadora e sai atirando para todos os lados com os argumentos intensos para os de fora, que são estranhos, estão presente em congressos, onde você disputa retórica, ou processa por discriminação? O povo de casa é tratado por você como o povo da rua?
Comigo não. Para mim o caso dentro de casa é extremamente diferente. Primeiro que não estou lhe dando com um estranho, é alguém que cuidou de mim, que me dá carinho, que briga comigo pelo meu bem e que tem a seu favor todo arcabouço da cultura “familiar” construída em torno de séculos e séculos ao seu lado. “Respeite seu pai!” ou “Com família a gente não faz assim desse jeito...”. Não é militância, é dentro de casa. Não é seu colega racista no trabalho, é seu irmão com signos racistas contra você. E ai, vai sair metendo a porra em todo mundo?...
Venho de uma família negra, com suas várias tonalidades de peles escuras, mas com alma ferozmente colonizada. Aliás, ferozmente só não. Como o racismo aprende subterfúgios para existir plenamente, acaba sendo “evidenciado” através de brincadeiras, sorrisos, no meio daquele churrasco de Domingo familiar. E é um tal de rir do seu cabelo, de abrir debate no meio do almoço sobre o crescimento do cabelo de fulano e beltrano, de chamar filho de macaco, ou de “vermelhinho cor de formiga”, de brincar com o nariz do outro, de não aceitar o namorado da irmã que é mais escuro que ela. Muita dessas coisas aconteceram na minha família e pode acontecer/aconteceu na sua e na de muitos outros negros...
O racismo para mim é inteligente por conta deste ponto; ele não precisa do outro para ser efetivado! Ele não precisa do branco, nós mesmos aprendemos com os valores coloniais, anos e anos atrás, a nos violentar e passar isso de geração em geração. Até chegar na sala de jantar de sua casa com sua tia dando um valor danado ao namorado branco que sua irmã arranjou, falando dos olhos deles, do porte, da beleza e distinguindo, de forma peculiar, a sua namorada com aquele cabelo diferente... “Por que ela não corta? Ela é tão bonita!...”
Neste ponto não adianta. As referencias que voce leu, releu, na hora não servem para nada. Por que o nervoso ataca. Como compreender que as pessoas que vivem contigo e te amam acabam dizendo frases do tipo “Voce agora só fala de negro” te transformando em um chato ininterrupto, ou “Tá na moda usar essa desgraça desse cabelo assim dessa forma né?”, “Vem macaco comer!”... E por aí vai. Nós negros aprendemos a nos estraçalhar e fazer isso vez por outra na esportiva... Com brilho nos olhos... A violência entra como um vampiro na sua casa e logo lá onde você pode se recuperar das atrocidades do mundo externo, voce é violentado também.
É preciso muita paciência! MUITA PACIENCIA! Pois este contato, das festas, da alegria, da reunião, do amor, que é próprio da cultura negra, de dar valor extremo ao coletivo, pode estar em jogo nestas horas. Toda família negra faz práticas que são próprias da cultura herdada dos valores africanos. Muitas e muitas vezes faz isso sem a mínima consciência, sem conhecimento de onde aquele gesto vem etc. O valor tão preciso e único de conhecer a si mesmo, que chamei atenção lá em cima, aqui faz uma diferença enorme. Como um tio seu que acha o cabelo dele ruim, horrível, - por que aprendeu isso – pode achar bonito o seu cabelo? Como ele vai compreender, ele não é neto de escravo e sim de negros escravizados? Como?
Conheço um monte de amigos meus que hoje não tem mais paciência com a família. Quando o assunto é racismo atam as mãos, pois cansaram. Cada um faz o que quiser da própria vida. Aqui em casa consegui ter um papo com os meus e aprendi que não era só eu que tinha a ensinar, pois com a abertura do diálogo eles me ensinaram muito. O movimento negro na minha vida não esteve fora de casa, o Movimento Negro pra mim é a MINHA casa! Sei que com as pessoas mais velhas é bem mais difícil este tipo de coisa. Elas já tem opinião formada, estão em um estágio da vida que querem aproveitar das conclusões que tiram e não muito de reformular conceitos. Outra coisa é que o racismo às vezes entra e nunca mais sai, infelizmente, da cabeça de um ser negro. Acorde, viu?! É uma realidade! Alguns são tão bons alunos que chegam a defender certos tipos de práticas que são intrínsecas e o racismo “institucionalizado”, aquele que bate na cara sem perdão, faz ele emudecer.
Concordo em gênero numero e grau quando Bell Hooks em um de seus textos diz para que nós negros nos amarmos. O amor é a base fundamental de tudo nesta vida. E por conta dessa falta de amor próprio, de referências sobre si mesmo, desse nosso eu que a nós foi tanto negado e escondido, estamos nos exterminando e só duramos gerações e gerações, pois somos teimosos! Viver para rancar a brancura colonialista que existe dentro de nós. A família, em um ceio negro, é a base de toda a força. Não estou dizendo aqui que nas famílias de outras raças e culturas não exista esta força, mas falo dos meus, pois os meus eu conheço muito bem. Os livros na nossa cultura falam sobre agrupamento sempre, o candomblé é uma família (irmã de santo, mãe de santo... lembra?), as músicas remetem reuniões familiares, os nossos amigos são nossos irmãos. Tenho certeza que aprendemos por conta do processo de colonização racista (redundante não???? rsrs) a nos violentar, mas ao mesmo tempo a aproveitar nossa força para sermos uma nova família. É só lembrar da historia do Brasil onde famílias negras inteiras eram separadas. Um irmão ia pra o sul da Bahia, a mãe fica em Salvador, seu marido no recôncavo e sua filha ia parar no Rio de Janeiro talvez... Mas os negros escravizados acabaram por se reformular e ver que também poderiam se proteger, se familiarizar, e se juntaram formando novos ceios familiares... Acho que pode ser daí também que vem essa coisa da gente se agrupar de forma tão fácil com povos negros de outra parte do mundo, de gente preta do Rio grande do Sul se dar bem com a gente, de conhecer a negona que mora no Maranhão e veio passar férias em Salvador e tratá-la como irmã. A pele negra compartilha caro leitor. Sempre!

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Ô binho, por que você cortou seu cabelo?...

Porque preto também tem direito a cortar cabelo! Porque cabelo crespo cresce e cai como qualquer outro tipo de cabelo. Porque o cabelo é meu e faço com ele o que eu quiser. Porque um corte é apenas mais um tipo de penteado. Porque minha negritude não está apenas no meu cabelo. Porque sim!
Cortei o cabelo. E meu ouvido nada seletivo começou a coçar no exato momento em que decidi passar a máquina nele. Sabe aquele incomodo que voce sabe que vai sentir por alguma decisão que voce toma, seja ela que instancia for? Pois então. Não foi fácil tomar a decisão, afinal de contas, foram mais de três anos deixando o cabelo crescer a vontade, deixando minha verdadeira identidade de lado para ser chamado na rua como “rasta” (que por sinal nunca fui!!!), ouvindo os mais terríveis absurdos, vendo gente se incomodando ou ficando maravilhada com minhas tranças. Meu cabelo mudou e mudei junto com ele. Como hoje sou outra pessoa, decidi mudar também o cabelo.
Mas como toda epopéia, existem fardos a serem contados aqui neste humilde blog. Quem disse que cortar o cabelo, para mim, que sou um sujeito observador dos incríveis entraves da sociedade é um ato simples, singelo e rápido? Nunca! Descreverei situações bizarras que passei entre o instante de decidir cortar o cabelo e cortar a cabeleira realmente. Fico me perguntando se um homem branco passaria por uma situação das mesmas que passei e a resposta que vem a cabeça é sempre a mesma: NÃO! Se o cabelo é diferente, infelizmente, as situações são opostas. É curioso constatar que as opiniões estapafúrdias não vem somente dos racistas de plantão, mas de todas as tonalidades de pele. Evidenciando o seu conceito pré formulado de superioridade capilar imbecil.
O primeiro movimento que reparei foi dos negros que gostam do cabelo grande e deixam o próprio cabelo grande também. É a galera do Por que voce cortou o cabelo irmão? Cê fez santo foi? Xi meu brother, prefiro o cabelo grandão. Essa galera que acha que agora que pode colocar o cabelo pra cima se acha no direito de relativizar sua negritude e de comparar quem chega a um grau maior/menor de consciência negra através de características fenotípicas. Ou seja, “Sou mais preto que voce por conta disso, daquilo, por que coloco meu cabelo pra crescer e voce não, por que sou mais escuro e voce não, por que vim da favela e pego dois ônibus e voce só pega um”. Está pensando que somente comigo, que sou homem, acontece? Não. Meninas que alisam o cabelo volta e meia acabam ouvindo coisas do tipo “Você deveria tomar vergonha e deixar esse cabelo duro! Tá querendo ser branca é?”.
O movimento dois é dos negros que gostam do cabelo Black, admiram, mas nada de cabelo grande na cabeça deles. Meu Deus, o que foi que aconteceu Filipe? Tá doente? Como se somente uma doença me fizesseeu cortar o cabelo. Ou... Cedeu ao mercado de trabalho foi cara? De um primo meu e suas brincadeiras estapafúrdias na hora do almoço. Engraçado que dias antes ele mesmo dizia a mim que não creditava nessa historia de que o negro precisava cortar o cabelo para trabalhar em alguns ambientes. Também, nascido com a pele clara em uma família negra e confundido como branco por alguns no trabalho, é realmente difícil acreditar nesse tipo de coisa, mas a brincadeira está ali...
Em terceiro lugar vêm os negros que cortam/alisam suas madeixas e também não suportam o cabelo diferente do seu. Ave Maria, ficou dez milhões de vezes melhor! Ou como disse um conhecido que me largou essa: “Detestava aquele cabelo seu, confesso. E eu soltei outra para o lado dele: E daí? Quem tem que gostar do meu cabelo sou eu. o barbeiro com quem cortei o cabelo me dizia “A filosofia rasta já perdeu sua força meu velho. Ideologia agora não é mais moda”. Eu rápido disse: “É... agora ideologia é eu dar mais de R$ 6,00 pra cortar meu cabelo e deixar seu bolso mais gordo.” Ele riu sem graça e se calou. São os que tem mais problemas, pois não conseguem ultrapassar a barreira de assassinar o branco racista que pousa sobre sua cabeça todos os dias e aí violentam o outro. Não sabem também que violentam a si mesmo com suas palavras.
Em quarto chegam os brancos liberais, que geralmente convivem muito com negros, ou estudam a “questão do negro”, ou “tem alguém negro na família” ou “não tem preconceito” ou se vêem indignados com todo tipo de preconceito “besta” que existe por aí, ou “tem um pé na senzala”. Ai Meu Deus, o que voce fez com seu cabelo? Cortei ora essa. Vai deixar crescer pra carnaval, não vai? Ai seu cabelo era lindo. Não vou poder mais te chamar de rasta. Te chamo de que agora? E sua baianidade nagô, onde fica? Ô, caro leitor, me deu uma vontade de dizer onde ficava essa tal baianidade nagô pra ele. Ô se deu vontade...
E por ultimo, mas não menos importante, é claro, os brancos racistas. Ainda bem! Não agüentava mais voce com aquele negocio na cabeça. Ficou mais bonito. Mais leve. Olha pra seu rosto, agora apareceu. Com um sorriso no rosto: Cortou? Tá ótimoooooo! Observe que o movimento deste se aproxima dos negros que não gostam do cabelo crespo grande, mas trata-se de algo diferente. O cabelo grande e crespo para um branco racista denota em sua cabeça poder, que o negro em sua frente não se subjuga. Em seu pensamento é melhor ver/namorar/conviver com uma pessoa negra com cabelo baixo ou alisado, pois de uma certa forma os traços negróides estão “apagados”.
Se voce caro leitor, não faz parte de nenhum desses casos, fique feliz, pois este povo descrito acima precisa de uma suruba terapêutica urgente! Daquelas fortes e impactantes. Notei também neste movimento de aparar a cabeleira, que a única pessoa que se importou com o que eu realmente achava sobre isso era uma grande amiga que também cortou o cabelo e passou por essas mesmas loucuras. Sei que o cabelo para o corpo negro neste Brasil racista é muito mais que um simples cabelo. É identidade! É força! Afirmação. Mas cabelo também pode ser cortado... E no meu caso já passei da fase de cortar o cabelo, pois não gostava dele grande, inventando mil desculpas para não deixar crescer a cabeleira, já que não tinha coragem nem arcabouço para avançar nestas questões. Eu sou outro e como minha negritude está além do meu cabelo, simplesmente corto.
E ele se fortalece, e depois cresce. Lindo, com fios novos em folha e deixa de ser pequeno, passa a ser enorme, volta a incomodar os racistas de plantão. E a história se repete mais uma vez e outra vez e outra vez... Por enquanto, aproveito a sensação boa da água forte caindo na cabeça na hora do banho, ou de sentir ventinho na careca na Orla, ou de me olhar no espelho e enxergar outro eu e de ver, que como qualquer outro ser humano posso me metarfosear, virar de cabeça pra baixo e ver que dentro de mim não existe uma só negritude, existe milhões!

sábado, 11 de dezembro de 2010

Crônicas do Mundo Negro: A Cor do Candomblé...

Colega minha de sala, conta a turma a história abaixo...
Estava ela indo a um seminário, em uma sexta-feira a noite. Chega atrasada e no mesmo momento em que entra no espaço onde esta sendo realizada as palestras, chega também uma outra mulher. Minha colega, uma senhora branca, vestida de branco, cabelos de igual cor e a outra mulher, negra também vestida de branco. Em um dos momentos do seminário o palestrante solta para a mulher negra a sua frente.
- A senhora, é mãe de santo... Para ele era evidente: negra, sexta-feira, vestindo branco, pimba! - mãe de santo.
- Não sou mãe de santo. Sou médica. Vim diretamente do trabalho. Corta a mulher olhando diretamente para ele.
O senhor, por sua vez, não se fazendo de rogado, olha para minha colega e afirma:
- E a senhora com certeza é medica... Disse ele sorrindo, já que na cabeça dele era óbvia sua afirmação.
- Não. Sou mãe de santo! Disse minha colega de sala, com sua pele branca e roupa branca dia de sexta-feira.
Perplexo, o senhor continua sua palestra, sem entender muito bem por que aquilo construido na sua cabeça não fazia mais sentido agora...

sábado, 27 de novembro de 2010

Qual a sua cor eim?

Você se considera o que, pardo ou negro? Essa foi a pergunta que tive que responder quando a recenseadora do IBGE veio aqui em casa para o censo 2010. Pensei um pouco: Será que respondo a ela que não tenho cor de azulejo de cozinha, portanto pardo não sou (caralho!) e dou um belo sermão nela ou respondo simplesmente que sou negro e pronto? Preferi a segunda opção. Sem polemicas, sem caras feias e com ela se despedindo cinco minutos depois.
Essa breve visita acabou me rendendo vários pensamentos. O que será que os brasileiros negros por todo este vasto país responderam em sua maioria? Que tinham cor de folha de papel visita?... Por que apesar de todo o debate racial presente nos últimos anos com ênfase até me muitos meios de comunicação, os avanços dos movimentos negros e da abertura que o governo deu para o tema, cor ainda no Brasil é um desafio epistemológico a ser vencido. Muita gente não se considera negro por um milhão de motivos, muitos brancos também não se consideram brancos por outros motivos mil, tem gente que não gosta das palavras branco/negro e declara que aqui no Brasil não existe isso e ainda tem aquela galera que se coloca no meio de tudo, que não se considera nem uma coisa, nem outra... E a pergunta vem: Eu sou neguinho?...
Até por que ser negro não é uma questão simples no Brasil. Depende de muita coisa. De voce que é sujeito de sua história, mas do outro também que tem percepções de voce. Por exemplo. Eu anos atrás não era negro. Tenho minha pele marrom e anos atrás tinha meu cabelo cortado na maquina zero. Portanto, não era negro e sim considerado moreninho. Era moreninho pra lá, moreninho pra cá, uma cosia que só vendo! Me sentia um eterno bronzeado. Quando dizia que era negro para as pessoas, Jesus!, o Apocalipse acontecia. Até hoje lembro o dia que fui a uma médica e a atendente tinha colocado que era pardo na ficha. Ah que nada! “Minha senhora, conserte isso daqui” disse eu apontando para o lugar na ficha onde estava minha cor de forma errada. “Por que? Voce é pardo meu filho!”, “Não. sou negro! Conserte! Quem sabe de mim sou eu!”, “Voce é pardo sim. Negro é quando a pessoa é da cor de carvão, aquele que nem Pelé que é da cor do asfalto!”, “Olhe aqui sua racistinha de merda...”, não eu não disse isso, mas que eu fiquei com vontade fiquei... Falei um pouco mais alto chamando atenção de todos, peguei o formulário e consertei. Ela não gostou, mas o formulário iria ficar borrado mais ainda, além do silêncio da clinica que estava quebrado. Mas já ouvi coisas pior, do tipo: “Ô meu filho, não faça isso com voce não. Você não é preto nada! Voce é moreninho, vermelhinho, mas preto, assim não pode!” (!) “Voce não é preto. É misturado” (!!) “Voce dizendo que é preto, já esta tendo preconceito com voce mesmo” (!!!). Tem umas coisas que o povo diz que eu realmente não consigo alcançar! E neste país a gente é tanta coisa...
E isso não acontece somente com os negros de pele clara não. Com os chamados retintos também acontece às vezes. Parece que para amenizar o “peso” da palavra negro as pessoas tentam disfarçar. “Aquele moreno lindo!”, já que ele é lindo não pode ser negro, entende? Ou “Quero toda sua baianidade nagô dentro de mim”. Racismo brega é foda! Dentre muitos outros apelidos como, morenaço, vermelhinho cor de formiga, cabo verde, cor de jambo, cor do pecado, cor de burro quando foge, Brown, caboclo, Pelé, amarronzado, marrom, marronzinho, marrom bombom, diamante negro, prestigio, roxo, arroxeado, assim de sua cor, assim da cor dela, misturada etc.
Todo mundo sabe que isso não é um fenômeno atual. Começou muitos anos atrás, Brasil colônia e a separação dos negros escravizados pela ideologia da branquitude formulada pelos senhores de engenho e seus vários métodos de afastamento. Aconteceu aqui, nos EUA também – para mais informações leia REDISCUTINDO A MESTIÇAGEM NO BRASIL do professor Kabengele Munanga (clássico obrigatório!). E repercute no Brasil atual disfarçado na velha desculpa que os negros tem preconceito contra si mesmos, que nós não nos assumimos. Mas por que muitos negros no Brasil nãos e assumem? Por que? Como voce vai se assumir se sua cor é ligada a tudo quanto é coisa ruim, se te apelidam por conta das suas características fenotípicas, quando evidenciam que você não tem dinheiro, pois é preto?!
Tenho alunas que dizem que não são negras, alisam o cabelo e dizem seriamente que aquele cabelo é natural. O curioso é que elas nunca olham na minha cara, pois sabem que aquilo é mentira. Afirmam de pé junto que não são negras, mas não tem coragem de dizer que são brancas, pois sabem – lá no fundo! – que igual a estrelas que vêem na TV elas não são. E isso para o sujeito negro é um back muito forte. A mestiçagem que vemos tantos se orgulharem como característica intrínseca do Brasil foi um projeto muito bem arquitetado para nos diluir enquanto sujeitos de uma só historia. Não somos negros, não somos brancos, não somos indígenas, somo brasileiros. Somos uma grande mistura!!!! O Brasil não é um país, é completamente uma vitamina de banana. Uma coisa afro pop nagô miscigenada lusa, quase um cd de Daniela Mercury, um caruru de tanta coisa junta! Eu eim! O velho embate entre o movimento bi-racial e o mega racial. E haja diluição. Haja moreno, moreninho, sarará, mulato claro, mulato médio, mulato escuro, escurinho, nego, neguinho, pardo, tição... Assim não há identidade negra que agüente!
Estamos em 2010, século novo, mas os costumes antigos estão arraigados como nunca! Quanto mais ganhamos visibilidade mais temos que lutar contra o movimento da invisibilidade e do ostracismo. Ou seja, a cada Lazaro Ramos, Tais Araujo, Cidinha da Silva, Ari Lima, Ângelo Flávio, a cada estudante negro que entra na universidade a cada estudante negro que sai formado das universidades do país, existem mil e uma formas de racismos espalhados para fazer essa galera desaparecer. Quanto mais referencias não temos, ou somos rechaçados, mais nos diluímos. Friso novamente: Somos uma grande mistura!!!! Essa mistura que elege o entre lugar como rei, onde não existem brancos (portanto não existe racismo de fato (?)), não existem negros, pois todo mundo se fundiu um dia, em algum lugar desconhecido e hoje todo mundo é vatapá e acarajé.
Realmente acredito que o Brasil seja um país mexido, algo entre a hipocrisia e a violência, entre a mistura que cega e a problematização que desperta.
ps: a figura que ilustra a postagem trata-se da pintura A REDENÇÃO DE CÃ que retrata os primórdios da miscigenação racial ocorria no Brasil no século 19: uma negra ergue as mãos para o céu em agradecimento a Deus por ter conseguido "branquear" sua prole. O nome da pintura faz referência à Bíblia. Cã, filho mais novo de Noé, fora amaldiçoado pelo pai por ter rido da nudez do ancião, que, durante um porre de vinho, despira-se na frente de sua família. A maldição de Noé contra Cã foi a seguinte: a partir daquele dia, seus descendentes nasceriam com a pele negra e povoariam a região que hoje conhecemos como África. Na pintura os descendentes de Cã encontram a redenção com a mistura branca efetivada no Brasil...

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O incomodo do teatro afro centrado 2...

Dias atrás, o FIAC, Festival Internacional de Artes Cênicas, aportou em Salvador em mais uma edição. Em todos os cantos da cidade tinha um exemplar de espetáculo teatral passando, ruas, teatros, até boate foi transformadas em espaço cênico. Grupos de tudo quanto é parte estavam no festival... Mas o tom europeu dava o toque que marcava as apresentações. Olha, eu odeio falar do obvio. Não tinha manifestações pretas no festival. Esperava algo diferente? Não! Até hoje não entendo como um festival internacional não consegue abranger a diversidade dos grupos teatrais... Aliás eu entendo sim e é tudo tão obvio que dá vontade de vomitar. O diretor Ângelo Flavio fez uma performance em protesto a exclusão do negro nestes festivais... Só assim, pra o povo acordar! E como sempre muita gente não gostou. Claro o negro invisível é estimado, mas aquele que grita e faz protesto é consdierado como um mal, algo a ser afastado.
Voltei a fazer teatro tempos atrás. Estou aprendendo, engatinhando, mas é engraçado (na verdade é curioso...) como recebo recados de cautela quase todos os dias quando algumas pessoas sabem que quero/posso/almejo tratar da “questão do negro” no meu trabalho. Ouço cada tipo de coisa. “Você tem que tomar cuidado pra não ficar datado”, “voce tem que tomar cuidado por que pode ficar como complexado”. Eu eim! É um fato: o teatro afro centrado na Bahia incomoda pra caralho!!! Atualmente aconteceu uma explosão de teatro na vertente negra aqui em Salvador e no resto do estado. A gente durante anos não se via, não se enxergava nos pretensos auto intitulados clássicos da literatura universal (!!!), eu ia pro teatro ver Shakespeare, realismo russo, Nelson Rodrigues... Voltava pra casa e tentava me lembrar o nome da peça que acabei de ver...
Não que não existisse teatro afro centrado antes. Existia sim! Mas hoje, existe um novo teatro afro centrado formulado na cidade. Isso é conspícuo. Mas o que tem ele de novo que incomoda tanto? Primeiro: ele é comandado por negros. O corpo negro não está somente no palco, mas também em todos os estágios da peça. A concepção agora é negra!!!! Acabou o apadrinhamento! Graças a Deus! Segundo: os editais. Tem edital voltado exclusivamente pra questão negra. E tem gente que fica puta com isso. É a branquitude perdendo espaço, deixando de ser exclusiva. Mesmo com dificuldades os editais estão ai. Terceiro: atores com consciência do que é ser verdadeiramente negro. Os atores querem ser respeitados, querem se ver no teatro, não desejam ser aceitos. Querem respeito! Outra, eles estão atrás de um teatro que os represente. Claro, fazem todo tipo de coisa, de teatro europeu a musical inspirado na Broadway, mas fazem com consciência. Quarto: o público não engole mais qualquer tipo de baboseira. Tem que ter qualidade, respeito, tem que ser bem feito e ter antes de tudo comprometimento. Tem um monte de gente agora querendo tocar na temática do candomblé, por que acha que lota fácil sala de espetáculo. Não lota assim fácil não, ok? Até por que o povo de santo não é burro! Tem que ser bom! Lembro até hoje da experiência louca que foi ver Vixe Maria, Deus e o Diabo Na Bahia... uma cena passada em um terreiro... que negocio era aquele? Aquilo não era um terreiro, era um brega. Uma colega minha vira pra mim é exclama: “Que porra é essa, Filipe?” e sai da sala e não volta mais. A peça fez o maior sucesso, até por que o humor atinge de formas diferentes pessoas diferentes...
As coisas estão mudando. A gente está ficando muito mais consciente. Sabendo o que quer da vida e escolhendo com muito cuidado. Não precisamos de padrinhos e isso irrita o outro quando esta característica nova se evidencia. Fazemos nossos espetáculos de igual pra igual. E como o liberalismo frustrado está perdendo território sai atirando pra todos os lados. “Ser branco e artista na Bahia ta difícil”, “Agora só tem coisa pra negro”, “Meu perfil não é do espetáculo por que nasci assim, amarela!”... O teatro europeu deixou de ser feito na cidade? Não! E que isso nunca aconteça. Quero teatro de todas as vertentes sendo feitas. Mas existe um incomodo uma insatisfação com esse novo teatro negro, que não pede licença, não baixa a cabeça hora alguma. E aí, como perde espaço evidencia que o problemático é o outro... Cada um se defende como pode e esconde seus defeitos da maneira que acha melhor...

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ô meu querido, você lava o seu cabelo?

Quem deixou seus cabelos crespos crescerem e acabou em algum momento trançando-os, com certeza já ouviu este tipo de pergunta. Pode ser todo tipo de penteado afro, na verdade, mas o cabelo crespo trançado é o mais sujeito a indagações. Se o (a) sujeito (a) tem um dread a pergunta então é repetida inúmeras vezes. Eu, que tenho o cabelo crespo, trançado de dois, sou toda semana questionado por alguém (geralmente de pele clara) de como lavo, cuido, conservo (?!) o meu cabelo.
Não posso descartar a curiosidade das pessoas. Mas parto do pressuposto de que todo cabelo se lava ou pelo menos se deve lavar independente do sujeito. Nunca fui de chegar a nenhuma pessoa branca e perguntar como o cabelo dela é lavado, ou mesmo de ter a ousadia de perguntar a ela se lava o cabelo. O outro para mim não é um objeto exótico e sim algo comum igual a mim também. Existe, no imaginário da sociedade, que o cabelo crespo é um tipo de mistério, um elo perdido a ser desvendado e revirado de cabeça para baixo.
Vivi situações constrangedoras, não por conta do meu cabelo, mas sim por causa da ignorância das pessoas frente a ele. Por exemplo, no dia em que estava em uma fila de banco e uma senhora começou a conversar comigo sobre a demora do atendimento. Resolvi dar corda a conversa, pois também estava puto da vida com aquilo. Conversa vai, conversa vem, entramos no assunto racismo (nem me lembro o porquê na verdade) e ela colocou em pauta a forma como cuidávamos o cabelo. A conversa começou como geralmente começa este tipo de abordagem, ela dizia “Eu adoro a cultura negra! Por que eu não tenho preconceito, você sabe né? Sou assim amarela, mas tenho uma irmã de consideração negra, da sua cor assim, e minha avó também é negra, descendente de escravos. Eu tenho orgulho!” ai vem o pancadão, ela continuou, “E agora muita gente tá colocando estes penteados. Essas tranças. Eu até gosto. Só não gosto quando não lava né? Fica seboso, uma porqueira”. “Mas senhora, todo mundo lava o cabelo”... Eu ainda dou corda... E ela: “Nada disso. Bob Marley não lavava o cabelo e tem gente que segue os costumes dele até hoje!”
De outra vez estava eu na carona de um colega e do nada vem a pergunta:”Ô Filipe, se lembra de fulana de tal, aquela negona do cabelo rasta?”, eu conserto, “Não é rasta o cabelo dela, é trançado”, “Sim que seja. Como é que ela lava o cabelo dela?”. Em dois segundos o sangue sobe, eu conto até cem e consigo me acalmar para dar uma resposta minimamente educada ao meu colega dono de um racismo nítido. “Você lava o seu?” ele responde que sim com a cabeça, como se dissesse ser obvio. “Como?”, retruco novamente com a cara mais cínica do mundo. “Com xampu, condicionador, muita água”, ele responde não entendendo o bate volta. “É do mesmo jeito que você lava o seu cabelo que ela lava o dela! E por que ela não lavaria?”
Mas tem dias, ah tem dias que eu acordo p da vida! Um mau humor estúpido e furioso. Como ninguém tem nada haver com minha vida, fico calado para não sair trombando nas pessoas. Nestes dias, tem sempre um sujeito que vem falar com você as besteiras mais estapafúrdias. Dia desses, um senhor junto a mim viu passar um homem com o cabelo dread enorme, olhou pra ele com nojo e depois para mim. “Esse povo, Deus é mais, quanta porcaria! Você lava seu cabelo não é?”. Olhei pra ele e da forma mais irônica possível disse: “Não. Eu não lavo há três meses. Todo dia coça pra caralho, mas tô nem aí. Também não penteio essa porra! Quando mofar eu corto. Não gosto de molhar meu cabelo!”. Vi o senhor se afastando de mim um pouco, mais assustado do que com cara de nojo. Ele esperava que sorrisse com sua pergunta, respondesse sua dúvida como algo normal, mas não. Tenho respostas piores na ponta da língua, mas era um senhor bem mais velho, resolvi aliviar.
Mesmo com toda essa explosão de cultura negra presenciada por todos nos últimos anos, o cabelo crespo e seus infinitos penteados ainda provocam medos infindáveis por parte da população. Primeiro trata-se de um cabelo elevado a categoria do “cabelo ruim”, ou “cabelo da desgraça”. Na mente dessas pessoas, acho que fica a questão de como um “cabelo ruim” consegue se transformar em tantos penteados. Segundo, que na maioria das vezes as pessoas brancas (geralmente as que me abordam com tais questões) não conhecem o corpo negro a ponto de achá-lo normal e na primeira oportunidade que tem sentem-se a vontade para perguntar coisas bizarras sobre o outro. Perdem a chance de ficarem calados e não exotizar a pessoa negra que está do seu lado. Quando percebem que o cabelo crespo é lavado da mesma forma que o dele acaba se surpreendendo. Olhos esbugalhados de surpresa é o mais comum nestes casos.
Por que eu não deveria lavar meu cabelo? Meu cabelo atrai poeira? Oh, o seu também, sabia? Por que hoje sou chamado na rua por qualquer um de “rasta man”, “Djavan”, “Bob Marley” como chacota? Ou me olham no ônibus e quando reparam no meu cabelo não sentam ao meu lado? Por que as pessoas se surpreendem quando lavo meu cabelo e ele fica cheiroso? Por que meu cabelo incomoda tanto? Por que todo mundo me pergunta o porque não corto meu cabelo? Por que as pessoas acham que meu cabelo cortado na máquina zero fica muito melhor? E que a maioria dos homens negros também deveria fazer o mesmo? Por que só o branco tem orgulho do cabelo dele. Aliás, nem acho que o branco tenha orgulho, ele acha o cabelo dele normal. Por que nós negros fomos obrigados a transformar nosso cabelo em uma plataforma política? Por que tantos porquês para o cabelo crespo?
Sair do lugar do exótico e passar a normalidade, este é o desafio do cabelo crespo. É um desafio que muitos ainda deverão enfrentar. Mas se você um dia perguntar sobre a provável não lavagem dos cabelos crespos de seu amigo/namorado/colega de trabalho/estranho na rua negro, saiba que ele pode responder de várias formas. Educadamente em um dia de paciência quase absoluta ou dando um merecido coice. Se acha que este tipo de pergunta não é um exemplo claro de racismo, então reformule-se. É racista quem acha a diferença desigual. Ao invés de perguntar ao outro se ele lava o cabelo, ou como ele lava, pergunte... Por que diabos eu estou pensando isso dele (a)? Se ele perguntasse pra mim iria achar o que? Normal? Não seja hipócrita de responder sim, pois existem perguntas obvias que nunca devem ser feitas. Se receber uma resposta enfática e achar radical... Radical é você que não consegue enxergar o outro como espelho, por conta de um cabelo diferente.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

E MINHAS REFERENCIAS BRANCAS... ONDE FICAM?...

PS BEM GRANDE EM NEGRITO E MAIÚSCULO: O TEXTO A SEGUIR PODE TE FERIR, SIGA POR SUA CONTA E RISCO, OK? O BLOG É MEU E ESCREVO O QUE EU QUERO!...

Em um mundo obviamente eurocentrado, repleto de pessoas brancas lançando seus produtos culturais a todo momento, não é de se estranhar que a cultura branca, de origem européia, estadunidense e até de outros lugares – até porque não existe somente brancos nestes dois lugares – não encontre grandes obstáculos para ser divulgada em tudo quanto é tipo de lugar. Sabemos que a cultura dita universal tem cor, sexualidade, religião, classe muito bem definidas e o que vai de encontro a este ponto é tido como diferente, o micro, e não atinge a todos integralmente.
É curioso perceber que geralmente os personagens brancos não são descritos como brancos. Evidente. Lembro até hoje da experiência de ler Jurassic Park e perceber que o único personagem que era descrito sua cor era um negro. O autor queria deixar “certo” que os outros personagens, menos aquele, eram brancos. Mas era curioso perceber que o autor não descrevia seus outros personagens, parecia que o corpo negro, por ser diferente aquele contexto (o personagem mexia em computadores, controlava todo o sistema de segurança do parque) seria evidenciado da forma certa.
Ou seja, a cultura branca se traduz da forma que mais achar correta e também traduz o Outro da forma como bem quer e entende. E é neste ponto que também não é de se estranhar que haja atualmente uma corrida dos povos “não brancos” (odeio este termo, mas este cai bem neste momento) em busca de si mesmos. É indígena atrás da cultura indígena antes negada, é negro evidenciando que tem orgulho da cor da sua pele e também de suas raízes, dentre outros povos.
E assim, tome-lhe Alice Walker, Alex Hatz, Cidinha da Silva, Spike Lee, Malcolm X, Luther King, Angela Davis, Bell Hooks, Bando de Teatro Olodum, Ângelo Flavio, Margareth Menezes, Lázaro Ramos, Paula Lima, Negra Li, Beyonce, Will Smith, Lee Daniels, Oprah Winfrey, Brenda Fassie, Medhy Custos, Jovelina Perola Negra, Racionais MCS, Xix, Mv Bill, Luiz Miranda, Machado de Assis, TEN, Solano Trindade, Fernanda Julia, Hilton Cobra, Julia Sudbury, Les Desses, Juliana Ribeiro, Vander Lee, Valerie O’rara, Raça Brasil... Ufa! É muita gente e tem outros graças a Deus. O movimento de se descobrir é delicioso e ao mesmo tempo revoltante. Delicioso, pois é incrível você achar algo que tenha haver com você, que você se enxergue, por que sabe muito bem que aquilo que o outro formula não te atinge de forma alguma. Revoltante também, pois a SUA cultura foi negada a você durante um bom tempo e por que só agora aquilo que é mágico e te provoca é mostrado?...
Mas nesta agitação em algum momento você olha para trás e vê... Suas referencias brancas lá atrás... E aí o que você faz? Pára e volta fazendo uma triagem do que pode ser aproveitado nesta nova fase da sua vida, continua seguindo em frente sem olhar para trás, volta atrás de destrói tudo... O que você faz? Vivi esta experiência tempos atrás e resolvi fazer uma triagem. Tem gente que joguei fora mesmo, pois não prestava (Sidney Sheldon nossa, tinha um exemplar dele aqui em casa...), mas tem referencias brancas que tive que faço questão de deixar na minha estante. Afinal de contas o que eu faria com Kid Abelha, Focault, José Arbex, Jorge Nóvoa, Madonna, Elis Regina, James Green, Baz Luhrmann, Almodóvar, Augusto Boal, Irmãos Wachowisk, Anton Tchekhov. O que seriam dos meus momentos fossa (kkkk) sem as canções de Simone? E quando invento de dar uma de roqueiro dos anos 80 e coloco o cd de Roxette aqui em casa? Fora as canções do ABBA, as criticas de Isabela Boscov, a obra de Eric Hobsbawn, os textos de Claudio Simões, Paulo Freire...
Eu vou dar as costas pra este tipo de produto? EU NÃO. Claro que tem uns sujeitinhos racistas que fazem coisas boas até, mas, mas, masss eu procuro nem chegar perto. Acho que não tem problema nenhum ter referencias brancas. Citar este povo, ler, comer com os olhos. Até por que minha negritude não se oferece como uma carência, ela é, existe independente de qualquer forma ou barreira! Ela é plena, não é pedaço. O que não posso é me deixar colonizar por estas referencias, é permitir que o dito universal faça parte de mim e me negue. Não compro, devoro, leio apenas a cultura negra, até por que tem muita gente preta fazendo coisa muito ruim por ai, além de artistas de outras raças que não conheço. Eu quero tragar é o mundo inteiro! E não ele por partes.
Como diz Biko, escrevo o que eu quero e leio, ouço, visto, vejo o que eu bem entender. Não faço parte de modelo algum. Quer dizer que luto contra um modelo vigente há anos para que? Construir outro em cima? Tenha santa paciência! Odeio fazer parte de uma só coisa. Isso pra mim é limitação. Não sou daquele tipo de gente que só freqüenta um tipo de lugar, pois o outro tipo me maltrata, me desfaz como ser humano digno. Ah pelo amor de Deus! Aqui em Salvador, por exemplo, tem mil e um guetos que poderia freqüentar e me sentir super à vontade. Mas além de ir nestes lugares, que acho imprescindíveis para a construção da minha identidade como homem preto, freqüento outros lugares sim. Vou ao shopping freqüentado pela alta sociedade da cidade (ganha um babaloo quem adivinhar a cor desse povo...), vou ao cinema freqüentado pelos “hippes de butique” alternativos, ao museu situado na Orla também alternativo, ao restaurante chic que somente eu e os garçons são negros... São lugares as vezes que vou para além de me divertir me testar. Por que ser negro em um ambiente negro é cômodo e fácil!!!!!! Você está protegido pelo obvio. Agora, seja negro em um ambiente branco, tendo que se defender sozinho, aí meu querido o bicho pega. Se isso te assusta é por que sua negritude não é tão concisa quanto parece... É por que o discurso é maior que a realidade, é por que você cita referencias, mas elas não fazem parte de você, pois não as critica. E isso é extremamente difícil, pois nos foi negado o básico, o auto conhecimento.
É natural que quem não se conhece, em um movimento de olhar para dentro de si, se feche para se conhecer em silencio sem grandes influencias. Mas me fechar, pro mundo inteiro? Não vou, nem quero! Meu processo critico barra tudo aquilo que me impede de ser eu. Termino este post com uma frase de Alice Walker que tornou-se um guia para mim: Não pode ser seu amigo quem exige seu silêncio ou atrapalha seu crescimento.... Vá por mim irmão, faça sua triagem, devore tudo criticamente e siga seu caminho em paz...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A Men's Heath a a roupa certa para o corpo negro...

Estou eu lendo, tranquilamente, minha Men’s Health deste mês quando me deparo com a seguinte pergunta de um leitor, na sessão Pergunte à Men’s Health: “Sou negro. Que cuidados tomar na hora de combinar as roupas com o meu tom de pele?”. Olhe, pressenti na hora que vinha besteira por aí... Tentei não ler a resposta, dada pela consultora de imagem Milla Matias e pela responsável pela parte de moda da revista, mas... Olhei. E o que vejo como resposta? Isso:
“Segundo a consultora de imagem Milla Matias, de São Paulo você deve evitar tonalidades claras e opacas e investir mais em peças mais escuras, como turquesa, turmalina e roxo. Escolha cores que acompanhem seu tom de pele forte e escuro. Do contrario você ficará apagado. Lembre-se deste conceito especialmente ao vestir blazers e gravatas. Responsável pela moda da MH a jornalista Gabi Comis, sugere que você procure inspiração em figuras famosas como Denzel Washington, Barack Obama, Lázaro Ramos, por exemplo. Acho legal fugir de alguns estereótipos explorados na moda como jogadores de basquete e rappers e criar um estilo próprio. Arremata Gabi.”
Primeiro que ficou constatado que tive uma visão! Adivinhei que vinha besteira pela frente e veio! Segundo: Como assim eu só posso usar roupas escuras? Como assim o ROXO combina com minha cor de pele? Eu odeio roxo!!!! E a outra que acha que os rappers e os homens do basquete são referencias assim tão fortes? Ela vive onde, em um filme norte americano? Ela não conhece uma bata? Só sabe da existência de colares de prata? Só faltou dizer que nosso cabelo tem que ser cortado a máquina zero sempre! Me poupe viu.
Lembrei até de um colega meu dizendo que a sunga que queria comprar certa vez – azul claro – não deveria ser usada por mim, pois meu tom de pele não acoplava aquele tipo de vestimenta. É por essas e outras que acho que o editorial de moda da revista Raça deveria voltar URGENTEMENTE. A revista era a única que fazia seus leitores se sentirem confiantes para usar qualquer tipo de roupa.
A pele negra no mundo da moda é limitada a questões exóticas e olhe lá. No mundo dominado pelos brancos temos que ser acima de tudo discretos, já que isso para eles é tido como sinônimo de requinte. A cor da pele negra é algo tão negativizado a ponto de um leitor se sentir incomodado e perguntar a consultora de moda da revista como ele deve se vestir melhor para ajustar seu tom de pele às tendências do momento. Parece discurso da década de 70, que ouço falar dos mais velhos, que negro naquele tempo não podia usar nem vermelho que era chacoteado na rua.
Mais uma vez minha cor de pele não é considerada algo corriqueiro. Não chegou ao tom de normalidade que a pele branca exerce na nossa sociedade. Afinal de contas, maquiagens, roupas, calçados, pentes são feitos em sua maioria para combinar com o tom de pele claro. E o sujeito negro tem que pensar duas vezes antes de sair de casa usando uma moda que geralmente não condiz com sua cor.
O mundo da moda tem critérios radicais. Tendenciosos. Estereotipados. E no meio de tanta tendências o que parece sempre estar em off é a cor e o corpo negro, sempre sujeito ao escanteio dos editoriais e também do mundo das passarelas. Como o que é tido nas passarelas muitas vezes dita a moda fora delas, o negro também fica jogado a escanteio, nãos e vê nas vitrines e acaba tendo que adaptar a moda branca ao seu contexto.

domingo, 10 de outubro de 2010

MEDO BRANCO: RACISMO PRETO!

Com a maior abertura que a cultura negra atingiu nos últimos anos aqui no Brasil, a negritude vem sendo, além de problematizada, mais evidenciada no cenário nacional, por negros e por brancos. Não estranhei então, quando começaram a surgir comentários incomodados com gente que afirmava que a africanidade estava na moda, que tudo agora vira e meche estava tratando da questão do negro e outros aporrinhamentos que não vou perder meu tempo aqui citando.
Este incomodo, tem um produto muito bem demarcado. A forma como a negritude hoje é trabalhada. Não por brancos ou somente por eles, mas a problematização tendo sujeitos negros como os donos da historia. Acho que se brancos estivessem no poder para falar dos negros de maneira total não aconteceria tanto alarde assim no Brasil, mas já que o caso é outro...
Com esse crescimento, vimos surgir além de uma cultura negra com embasamento negro, um incomodo do Outro que é apontado não como vilão, mas a enxergar sua responsabilidade dentro da questão do racismo e da ausência do negro na mídia brasileira. É notório o incomodo branco com o crescimento da cultura negra. E este poder branco que precisa manter-se no seu lugar privilegiado, arranja subterfúgios para que sua posição permaneça a mesma, mesmo com o crescimento da negritude.
Não acho que negro está na moda. Tenho certeza que há um incomodo muito forte da branquitude com o crescimento da cultura negra no Brasil e com isso fugas propositais de responsabilidade vêm surgindo aos montes. Afinal para que o racismo acabe completamente não somente os negros, os indígenas têm que serem problematizados, mas os brancos tem que 1º) se assumirem como brancos, pois aqui no Brasil “branco ninguém sabe, ninguém viu!”, 2º) assumirem que mesmo não se considerando racista o fato de ser branco lhe dá muito mais possibilidades que os demais de outras raças, 3º) não é por que você convive com negros que não é racista, acorde!
Para que as cartas não sejam colocadas a mesa de forma correta, os brancos agora inventam o tal do “racismo negro”, ou “racismo ao contrario” e esbravejam sem pudores o medo que sentem ao pensar que podem sofrer o racismo. Alguns pretos também dão ênfase a este tipo de problema. Que na verdade pra mim não existe.
Primeiro que para que exista o racismo é preciso duas coisas: inferioridade de um e o outro que comete o erro se considerar superior. Como o negro pode se considerar superior neste mundo, meu Deus? Como? Se a) estamos a margem da margem da margem neste país (coloca no Google IBGE e pesquisa lá os diferenciais por raça pra você ver...), b) a cultura negra não permite a superioridade e sim a igualdade entre as pessoas, além de não se considerar como verdade absoluta – diferente da cultura branca eurocentrada que construiu um processo conspícuo de alteridade para inferiorização do outro, c) os brancos no Brasil dizem que eles mesmos não existem no país, pois todos somos misturados e que só há negros ou mestiços... e c) como vou me considerar superior se tudo, TUDO, neste país me coloca pra baixo, inferiorizando meu cabelo, minha cor, o lugar onde moro, minha renda, as roupas que uso, as musicas que ouço?...
De primeira o racismo negro nem tem como se mostrar poderoso, pois superioridade dentro de uma sociedade racista nós não temos. Pois então, os brancos se sentem ofendidos quando ouvem expressões como “Parmalat”, “branquela azeda”, “o samba azedou, tem branco na roda!”, “loira burra” e outros que não me lembro agora. Os brancos se contorcem com este tipo de apelidos. Dizem que não podem entrar no Ilê, que em Salvador a cultura negra é muito forte por tanto eles não podem falar o que antes diziam de boa pra todo mundo ouvir e que também estão sofrendo discriminação por parte dos negros e sofrem muito por conta disso!
Ohhhh! Que peninha deles! Dá vontade de pegar o menino chorão e colocar no colo pra fazer carinho e o choro passar... Por que o menino chorão com certeza tem medo que um dia os negros possam tramar uma vingança, uma revolta dos Malês atual e que pode dar certo. Então pra que não haja perigo é bom cortar o mal pela raiz. O racismo negro é um medo evidente de toda a classe/grupo branco neste país. O que eles vão fazer com a gente? é a pergunta mais feita. Mas o que realmente eles querem dizer é: A gente não agüenta passar por isso!
Acho que este processo de falar do outro com adjetivos que ofendem trata-se de uma resposta. Uma resposta já que não vou ficar calado esperando você a cada dia falar do meu cabelo, da minha cor etc. O sujeito negro não é mais passivo de seu processo Le é ativo e se o branco disser algo dele vai ter resposta. Mesmo que o outro se cague de medo por conta disso
Queria mesmo que esse tal racismo negro tivesse força para que visse o cabelo do branco ser posto como “cabelo ruim”, “cabelo da desgraça”, que “deveria ser cortado” ou passar por algum tipo de tratamento para que ficasse bom. Queria mesmo ver os brancos serem julgados na fila de emprego por “boa aparência” ou “perfil adequado”. Que eles fossem tidos em lojas de departamentos e supermercados como pretensos suspeitos. Que houvessem cotas (não de 100%) para brancos nas universidades no país. Que no Carnaval tivesse um bloco com cordeiros brancos, imagine? Por que eu não vejo um negro perguntando pra um branco como ele lava o cabelo? Por que não existe sabonete, desodorante, cremes para pele branca, evidenciados dessa forma? Isso existe? Que poder negro racista é esse, que os brancos não sofrem nadinha e quando há um episodio de discriminação pífio todo mundo coloca isso em xeque parecendo a pior coisa do mundo?...
É medo! Só isso! Medo de completamente se cagar nas calças! Eles sabem que a invenção deles foi muito bem planejada e na rachadura mínima presente na parede é bom fazer com que tudo seja exposto para que nada saia da normalidade e do total controle. O racismo negro não existe. A discriminação mínima que vemos às vezes por aí é fraca, não tem poder, não tem sustentabilidade. Trata-se de uma reposta. E também de uma fuga: para os brancos não serem problematizados e continuarem quietos, no poder, em cima do trio, enquanto a massa negra de acotovela no asfalto...
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