sábado, 18 de julho de 2009

Família Alcântara

Alguns filmes entram na nossa vida de maneiras bastante curiosas. Esse Família Alcântara (Brasil, 2005) foi descoberto por mim vagando por uma daquelas livrarias enormes que vendem de tudo. Entre boxes de séries norte americanas e dvds de astros da música nacional eis que descubro esta pequena pérola. Capa nada chamativa, uma árvore de Jatobá refletida em um lago, contra capa com apenas pequenas figuras... Nada de muito atrativo... Mas algo me puxava para aquele filme (isso de vez em quando acontece comigo!) e resolvi olhar com mais atenção para aquele filme. Então, chamou-me atenção uma frase na capa do DVD: “O que o negro trouxe quando foi arrancado da África? Nada. A bagagem dele era mente!”
Acabei comprando o filme e o vi recentemente. Não me arrependo. O documentário dos cineastas Daniel e Lílian Sola Santiago é curto (cerca de 56 minutos), tem uma montagem leve e te cativa a cada minuto que passa. Apesar do mérito em certa parte de contar a história da família do titulo ser também dos cineastas o que interessa mesmo são os membros da Família Alcântara.
É impossível não ser cativado pela força dessa família, pela alegria de cada um de seus membros, a cada frase de orgulho de pertencer a um clã que se originou em Angola há mais de 240 anos... O filme tenta, a partir de depoimentos dos familiares reconstruírem a história dos Alcântara, vendo toda sua trajetória desde quando seus ancestrais vieram da sociedade wasili, na África, relata o inicio da família no Brasil em Minas Gerais, escravizada nas lavouras de cana de açúcar e o processo de retomada de sua identidade negra, através da evidencia de sua cultura para o mundo.
E de tão simples o filme é lindo. Mas ao mesmo tempo forte. É bonito ver as gerações mais novas em harmonia com as mais velhas, os mais novos preocupados com o que pode acontecer a família e sua cultura quando os mais velhos morrerem. A força para manter o coral aceso e cantando e também como a família enfrentou e ainda enfrenta o racismo ao longo de 4 gerações.
Família Alcântara é um daqueles filmes feitos para assistir com toda a família. Se você for negro então, coloque todo mundo pra ver imediatamente. Apesar da família não ser a minha, estar em um outro estado e pertencer a um outro contexto, assisti tudo aquilo como se visse a minha família na tela. Como se minha avó estivesse comigo ao colo, contando histórias dos antepassados bem baixinho no meu ouvido e eu devagar adormecendo, a sonhar durante a noite com a mãe África...
Um Filme Obrigatório.

Família Alcântara. Direção: Daniel e Lílian Sola Santiago. Brasil. Documentário. 56 minutos. 2005.

terça-feira, 7 de julho de 2009

UMA RESPOSTA...

Sou um homem racista... O argumento é mais ou menos o seguinte... Sou um homem racista, pois escrevo um Blog sobre cinema negro. Já que cinema negro não existe, pois cinema é cinema em qualquer lugar do mundo e eu estou com esta “categoria” inventando algo para separar a sétima arte. Um outro caminho para afirmar minha personalidade racista são minhas referencias... Leio Fanon, Biko, Carneiro, Sudbury, Nascimento, pessoas que escrevem sobre racismo e se leio eles também sou racista. Uma outra coisa, não ando me deslumbrando por qualquer coisa que a Europa faça. Acho o continente mais um no meio dos outros... E isso realmente é um absurdo, pois é de lá que vêem a o berço da cultura mundial. Eu deveria dar valor aos europeus, mas não dou. Sou racista por isso também. Tem mais coisa... Sou racista por não querer ouvir coisas do tipo, nigrinho, denegrir, mulato, pardo, o lado negro de tal coisa e outras terminações, o argumento é que estas categorias foram feitas ou não a partir de minha raça e estou criando assim um preconceito comigo mesmo... Ou seja, se está aqui lendo tudo isso e compartilha das minhas idéias, você leitor também é um racista!
O desejo de escrever sobre cinema não é de hoje, sempre gostei dessa coisa de critica, para que serve a critica, a boa e verdadeira critica de cinema. Quer queria ou não, apesar de o publico decidir o que vai ver no final das contas é pela critica que uma grande massa decide ver ou não tal filme. Imagine se você chegasse ao cinema, com 14 filmes diferentes passando e não soubesse nada sobre a produção e escolhesse tudo na sorte, pelo cartaz ou pelos atores que estavam no cartaz? A critica da o mínimo de garantia para o publico que está interessado nela. Escrevo sobre o cinema negro, pois acredito que o cinema tem o seu lado divertido e também político, não necessariamente militante, mas político (ver postagem sobre cinema negro mais abaixo). Um cinema pan africanista é político, cinema não precisa citar referencias, estatísticas, ele não deve ser feito para imitar conceitos acadêmicos, mas para fazer realidade ou fabricar a realidade ou destorce-la, você que é espectador quem sabe...
Há tempos não me deslumbro mais pela Europa. Sei hoje, até pela área em que sou formado, que África e Ásia e até mesmo a América, denominada de novo mundo, contribuíram e muito para a construção do mundo e reconstrução da Europa que precisava (e precisa!!!) se evidenciar como superior em meio aos outros! Movimento ridículo, mas real.
E tinha tudo para ser um homem deslumbrado. Fui criado em uma favela, mas por ser filho único, pude freqüentar os melhores colégios da minha cidade, meus colegas eram na maioria brancos e me inseriam em eu mundo aparentemente sem preconceitos. Tinha tudo pra ser um daqueles caras pobres, negros, que se acham maiorais por que de alguma forma estão dentro do mundo dos “civilizados, educados, bem vestidos”. Que volta para a favela no fim do dia, mas que apesar de lá estar não se mistura junto aos seus. Felizmente não sou assim. Não sou nenhum exemplo de “militância do gueto”, mas sei muito bem o meu lugar privilegiado, como negro que teve uma educação esplendida ao longo da vida (muito diferente de outros irmãos negros ao meu redor), que freqüenta lugares que alguns no lugar onde vivo só ouvem falar e às vezes nem isso, não tenho contato com a marginalidade etc etc... Também sei o meu lugar desprivilegiado nisso tudo: sou negro e por mais que tenha diploma, boas roupas, emprego e outras coisas, sou interpretado como negro, sendo negro sinônimo de exotismo, marginalidade, preguiça e apetite sexual fora do comum.
A poucos descobri um cinema que quando assisto bons exemplares seus fazem minha pele arrepiar, um cinema que me representa, um cinema que coloca todas as minhas convenções sobre a sociedade no lixo, um cinema que me desafia, que me orgulha, que faz minha mãe (que odeia cinema) às vezes chegar junto a tv e aprender junto comigo, filmes que me fazem ter esperança no mundo que estou, que constroem minha realidade, que desconstroem, que fabrica minha ilusão. Um cinema negro! E é sobre este cinema que vou continuar escrevendo...
Continuo lendo Fanon, Biko, James Baldawin, Walker meu povo que sempre tive de ler em movimento autodidata, pois as instituições nunca deram valor ao meu povo que escreve. Vou continuar ficando louco a cada lançamento de Spike Lee, de Joel Zito Araújo e de outros que ainda descobrirei... A Europa? Ah sim! Eles fabricam bons filmes...Mas não vou tratar o cinema inglês ou francês ou de outra parte da Europa com toda essa pompa só por que é europeu. Não faço a linha alternativa, não faço linha nenhuma. Gosto de cinema, se me tocar profundamente falo ate dizer chega! Sou apaixonado e todo o cinema, mas escrevo sobre o negro, pois é o negro que me representa!...

sábado, 4 de julho de 2009

Sob o Signo da Justiça.

Vamos falar sobre algo proibido na nação brasileira. Que existe, mas geralmente não se discute pelo nível polêmico dado à questão. Algo que não faz parte da boa linguagem em qualquer lugar que for pronunciado seu nome. Não, não vamos falar sobre sexo, nem política, nem de divergências religiosas! Vamos falar de algo muito complicado, pelo menos para a cabeça da nação brasileira, hipócrita como ela só, acostumada a jogar para debaixo do tapete quase toda questão que envolva assuntos terminantemente proibidos, que tenham uma carga polêmica em seu conteúdo e dê muito trabalho. Vamos falar de cotas raciais!
É um assunto desde sempre polemico! Desde quando ele veio à tona pela primeira vez na Índia (os dalitis foram os primeiros beneficiados), passou por vários continentes ganhando formulações diferentes até chegar ao Brasil. É a formação desta idéia no Brasil, mais precisamente na UNB (Universidade de Brasília) que o curta documentário Sob o Signo da Justiça (disponível no you tube) vai mostrar.
Em 1999 Arivaldo Lima um estudante negro de doutorado em antropologia da Universidade de Brasília foi reprovado em uma disciplina obrigatória. Tratava-se do primeiro estudante negro a participar do programa e também o primeiro caso de reprovação daquele doutorado. O episodio ficou conhecido como CASO ARI e motivou o processo de cotas para negros na UNB. Não se tratava apenas de um estudante negro reprovado e por conta disso a atitude de reprovação seria considerado racismo. Mas tudo o que estava por trás disso e não vinha a tona neste processo. Somente dois anos depois e a partir do desenvolvimento de um intenso processo a reprovação do estudante – que tinha publicações em revistas internacionais – foi cancelada. Este episodio motivou a elaboração do projeto de cotas na UNB.
Através de entrevistas com pessoas envolvidas direta ou indiretamente no processo de implementação de cotas raciais na Universidade de Brasília os diretores Carlos Henrique Romão e Ernesto Carvalho vão traçando o caminho – muitas vezes tortuoso – de quem apoiava o sistema de cotas raciais em uma universidade brasileira. Ícones desta luta como o próprio Ari Lima, abrindo o curta com uma frase esplendida, Sales Augusto, José Jorge Carvalho, Rita Segato deixam seus depoimentos traçados com entrevistas de estudantes que acompanharam de perto a dificuldade de se falar de racismo em uma universidade majoritariamente branca.
O curta é muito bem feito. É simples, direto, sabe provocar na medida certa (observe a parte em que uma reportagem do Jornal Nacional é posta na integra) o espectador e apresenta posições contundentes de todos os entrevistados. Tudo isso em questão de pouco menos de 22 minutos. O filme cumpre com sua missão, com uma montagem ágil, de mostrar um pouco do processo de implementação de cotas raciais na UNB, para estudantes e professores. Como o documentário é somente uma porta para o assunto, para o começo de uma discussão seria bom que o espectador utilizasse de outras fontes para saber mais deste assunto tão polemico e o porquê ele levanta tanta polemica. A resposta no fundo no fundo cada espectador sabe qual é exatamente, independente de que ele seja negro ou branco...

Para mais informações leia: de Ahyas Siss – AFRO-BRASILEIROS, COTAS E AÇÃO AFIRMATIVA: RAZOES HISTORICAS. Da editora QUARTET.