O diretor Ângelo Flávio é conhecido na cena baiana por duas características fortes: sua excentricidade e seu engajamento político forte. Ângelo com poucos anos de carreira já tem lendas espalhadas pela cidade e que por vezes repercutem tanto a ponto de chegar ao interior do estado. Foi assim que conheci a “fama” do aluno “maldito” da UFBA negro, do curso de direção teatral que estava (naquele tempo) se formando com uma peça revolucionaria em cartaz no Centro Histórico de Salvador. A Casa dos Espectros chegou, fez barulho na cena teatral soteropolitana, calou a boca de muita gente e ainda por cima ganhou reconhecimento da critica especializada (isso em Salvador existe, é?!) e do público, que lotava as apresentações do espetáculo que fala sobre os signos do racismo de forma única. Não vi o espetáculo, mas também nunca vi alguém desmerecendo Flávio e seu grupo, pelo contrario só elogios...
Ouvi muita coisa também do grupo que ele dirige, o CAN – Coletivo Abdias do Nascimento, que tem uma proposta diferencial no teatro, não apenas por ser um grupo de atores negros que resistem, mas o teatro que eles fazem vai além. Ontem, na minha primeira experiência como real espectador com o CAN, presenciei algo impressionante, de tamanha simplicidade, mas com forte impacto. Um espetáculo de proporções gigantescas, que mexeu com meu ser de maneira única. O nome do espetáculo? O Dia 14.
Nunca vi ninguém falar de racismo de uma forma tão bem feita, tão detalhada, enfocando as contradições entre os negros, os brancos, como todos são atingidos. O texto explora cada ponto, deixa provocações, mas ao mesmo tempo informa, ou seja O Dia 14 é dramaturgia negra de primeira categoria. Vi a peça no Espaço Cultural Barroquinha, lugar perfeito para a proposta da peça. Maravilhoso.
O espetáculo fala sobre o que aconteceu depois do dia 13 de maio de 1888, os negros foram libertos, mas e daí? O que aconteceu a partir desta data com a população afro brasileira? Tornou-se sem emprego, ridicularizada, estigmatizada, tida como vadia, segregada em lugares imundos, “vitimizada”, vulgarizada, depois transformaram em vilões da sociedade e outras coisas que só sendo negro para sentir na pele aquilo que o racismo faz questão de mostrar. O espetáculo consegue passear por cada fração de forma primorosa em todos os aspectos. O texto às vezes dá socos no estomago de tão forte e tem referencias claras ao clássico de Toni Morrison, A Bem Amada em uma cena chocante. Para não deixar por menos, o espetáculo me deixou com lagrimas nos olhos duas vezes...
Além do texto, direção e interpretação ótimas, a peça também é um espetáculo para os olhos. Não sei se por que o Espaço Cultural Barroquinha é lindo também ou se a produção aproveitou muito bem os aspectos do local a seu favor. Sobressaem-se na ótima produção a cenografia simples e perfeita (parabéns a Aloísio Antonio e Marcos Costa) a iluminação show, trabalho lindo de Ângelo Flávio, Telma Gualberto e Vinício Nascimento.
A peça, infelizmente foi comprada para somente três dias 13,14 e 15 de maio. Mas segundo o diretor o projeto do grupo é transformá-la em recurso pedagógico para professores e estudantes de Salvador. Para melhorar a questão o espetáculo foi de graça, já que estava sendo patrocinado pela SEMUR – Secretaria Municipal de Reparação. Meu Domingo acabou com chave de ouro, voltei para casa revigorado.
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