sábado, 17 de julho de 2010

O Teatro Afro Centrado...

Não é novidade dizer que o teatro baiano está às moscas. As grandes produções presentes na década de 90, nos anos 2000 completamente foram desaparecendo até que hoje não existem mais grandes bons exemplos de espetáculos teatrais no estado. É uma pena, pois durante a década de 90, muita coisa boa surgiu nos palcos, principalmente em Salvador. E “grandes bons exemplos” não significa peças gigantescas, com atores globais, ou clássicos revistos em super produções, não, não... O teatro construído na Bahia, na década de 90, foi algo incrível de se ver. E foi em meados da década de 90 que comecei a fazer teatro, portanto, vi de perto os melhores anos e com certeza as melhores produções baianas quando era adolescente.

O negócio era tão bom a ponto de ver colega meu preferindo ver espetáculo da terra ao assistir peça com ator global que aportava no Teatro Castro Alves a preços exorbitantes. Lembro muito bem de ter presenciado espetáculos como Abismo de Rosas (uma das melhores coisas que vi até hoje), Lábios Que Beijei, Nada Será Como Antes, Quartett, A Ver Estrelas, Chá de Cogumelos, O Alienista, A Megera Domada de Teresa Costalima... Sim, também tinha coisas horrendas, até hoje não esqueço a experiência medonha que foi ver o “espetáculo” Anjos no Espelho no espaço Xis. Mas a maioria das produções eram ótimas, a platéia, lembro, ficava animada antes de o espetáculo começar, mesmo que você fosse ver um texto dramático em cena.

Hoje é tudo muito diferente. O teatro soteropolitano caiu e muito. Onde estão as idéias mirabolantes, os espetáculos que tiravam meu sono, que me faziam sorrir durante muito tempo, que eu retornava pra ver de tão bons? Sumiu tudo! Diretores, atores, escritores bons desapareceram ou entraram em colapso. Sim, não é culpa da nova geração somente, que muitas vezes é acusada de não manter a boa qualidade dos espetáculos de antes. Mas também dos “velhos” profissionais que não fazem lá muita coisa boa pela cidade.

Mas em meio a toda esta falta de imaginação teatral o que vem motivando a cena soteropolitana, e por que não dizer a baiana, dando um gás novo, diferente, são os espetáculos com temas e técnicas advinda da cultura afro brasileira e africana. Não são muitos, a crise teatral que atinge o “teatro branco” também aporta no teatro negro, mas o que chega as casas de espetáculo com os dois pés na negritude são de ótima qualidade.

Primeiro cito o mais famoso e o mais duradouro dos grupos, o Bando de Teatro Olodum que voltou aos palcos com sua mais nova versão de Cabaré da Raça, espetáculo de maior sucesso do bando. O bando está se preparando para lançar Bença, espetáculo sobre o respeito aos mais velhos, que promete balançar a cena baiana. O grupo também revolucionou o jeito de fazer teatro infantil com Áfricas, coisa linda de se ver. Há tempos não saia do teatro tão empolgado quanto da vez que fui ver Áfricas. O CAN – Coletivo Abdias do Nascimento, também é destaque, com suas montagens que mesclam provocação e informação na medida certa. Destaco duas; A Casa dos Espectros e O Dia 14, uma sobre a loucura que o racismo pode provocar na mente de uma mulher negra e a outra sobre o que aconteceu com os negros após o dia 13 de maio de 1888. Outro destaque vem da Cia de Teatro Nata, vinda do interior da Bahia, mais precisamente da cidade de Alagoinhas, que baseados na pesquisa cênica de “Ativação do movimento ancestral”, construiu com seus 10 anos de vida nas costas, o espetáculo Shire Obá – A Festa do Rei. Para a Cia com certeza foi um diferencial enorme, já que o espetáculo além de fazer sucesso, concorreu ao premio Braskem de Teatro, inclusive de melhor revelação para a diretora Fernanda Julia e ousou também ao sair do espaço cênico tradicional e foi apresentado em terreiros de candomblé em alguns lugares. Também tem a Cia Arte em Sintonia Cia de Teatro (12 anos de história) com a montagem Se Acaso Você Chegasse musical sobre a vida de Elza Soares, muito bom.

Mas é claro que este viés tem seus bons e maus exemplos. Lembro até hoje de Mestre Haroldo e os Meninos, do sul africano Athol Fugard, espetáculo que foca no racismo de forma muito, mas muito estranha! Fugard é conhecido como dramaturgo sul africano mais famoso em todo mundo, mas este exemplo de sua dramaturgia condiz exatamente do lugar de onde vem... Mestre Haroldo parece aquelas peças feitas por liberais frustrados que tentam falar sobre racismo tentando afastar a responsabilidade branca sobre o mesmo. A montagem de Mestre Haroldo me fez ficar incomodado, não um incomodo provocativo, mas estava ali como espectador presenciando algo ruim.

Apesar de não enxergar criatividade em setores teatrais tradicionais, o teatro que me representa como sujeito/espectador negro vem me deixando alegre e com esperança de ver bom teatro na cidade de Salvador. É claro que existem outros grupos, outras montagens, pois citei somente uma pequena porcentagem de tudo. Principalmente que tem muita coisa formulada na periferia da cidade e que não chega aos palcos. Muita coisa boa em bairros como Liberdade, Paripe, Sussuarana, Plataforma, São Caetano, Pirajá, Itinga, bem diferente do que vemos no centro, sem toda aquela pirotecnia, mas querendo passar sua mensagem de forma única.

Vida longa ao teatro, as boas idéias e aos bons e contundentes espetáculos.

Um comentário:

Thiago Lucena disse...

Fui assistir à peça CABARÉ DA RRRRRRRRRRAÇA pela terceira vez. Não pense que escrevi errado não. É com vários "erres" mesmo. risos
É uma peça muito interessante que mostra as várias faces do negro na sociedade. A interatividade com o público torna cada espetáculo um momento novo. Momentos de seriedade se alternam com os momentos de descontração. Da reflexão sobre o que é ser negro, surgem vários bons motivos para repensarmos nossos conceitos e avaliarmos até que ponto o preconceito está enraizado em nós.
Eu sou muito fã do Bando de Teatro Olodum, do qual surgiram nomes como Lázaro Ramos, e recomendo essa e todas as outras peças desse grupo de negros talentosos.
Abraços...