quarta-feira, 9 de março de 2011

Salvador ou... Gringolandia????

É de praxe. Quando acaba o carnaval, estouram em todos os lugares depoimentos de gente revoltosa com a maior festa popular do planeta. São pessoas que das duas uma: ou não gostam do carnaval e esculhambam mesmo não tendo motivo, ou outras que tem motivo de sobra, pois brincam e acabam vendo coisas que não gostariam de ver. Na festa deste ano – que aqui em Salvador começou na quarta-feira – em uma era dominada pelo you tube e seus vídeos sem fim, os depoimentos começaram muito antes do Carnaval terminar.
Circulou nos últimos dias, um vídeo da jornalista Raquel Sherazade, da Paraíba, jogando na parede sua opiniao sobre o carnaval, outro que agora ronda o facebook de quase todo mundo é o do cantor Marcio Vitor desabafando em pleno circuito da folia contra um homem branco que o chamou de “preto, pobre” e disse que sua música incita a violencia em um camarote aqui em Salvador. Um outro mostra flashs das “melhores” brigas do carnaval 2011...
A verdade é que o Carnaval de Salvador – nunca experimentei o de outros lugares – é uma festa de inúmeras contradições. Primeiro que a cidade devia mudar o nome para Gringolandia... Foi divulgada recentemente – terça-feira, 25/02/2011 – que a maioria da população soteropolitana faz questão de escapar do Carnaval. Sao 77,9%, sendo que 60,5% passam o carnaval em casa, o restante viaja. É quando a população de Salvador – em sua maioria negra – sai seja para o interior do estado, seja para as ilhas e os turistas invadem a cidade. É perceptivel, no Canraval, a população branca de SSA aumenta consideravelmente e nestes tempo de alta do dólar os gringos fazem a festa. Há algum problema nisso? Até então não. Mas basta um olhar mais atento para ver que as coisas não sao tao simples quanto parecem...
Primeiro, Salvador é uma cidade que tem uma cultura “paga pau” pra turista. Gringo aqui faz o que quiser. E isso não é balela! Os que vêm de fora são mais bem tratados que os nativos. Tem-se uma cultura de que o turista é alguém poderoso, que com seu dinheiro gasto na diversão pela diversão ele sustenta a cidade e por conta disso tem que ser tratado de forma completamente diferente. Então vai aí um colar pro gringo, junto com a melhor mesa no restaurante pra ele comer aquela moqueca suculenta, acompanhado de uma pretinha básica que serve a ele como guia turístico e depósito de sêmen a noite – ou na hora que ele quiser e entender.
Segundo, o turista trata de formas distintas o nativo branco e o negro. Até por que quando voce, de fora, imagina a Bahia, não coloca na sua cabeça a imagem de gente loira de olhos azuis, apesar que aqui em Salvador tem muitos. Mas o negro, na época da alta estação, é o alvo preferido do apetite sexual do turista. Ouvi esta temporada, que durou insuportáveis três meses, “Eu quero ver o que o baiano tem” (pretensa falta de criatividade, quase todo turista que vem de fora diz isso...), ou “Eu quero um corpo negro! Um pau enorme dentro de mim!”, “Eu quero ver a negona mexer. Mexe negona!”. Mas do outro lado também existem pérolas... “A cidade tá cheia de gringo! Vou hoje pra TAL BAR, pois lá tem mais turista.”. O problema alastra quando essa erotização, que não chega a irritar muitos passa para o caminho da marginalidade. Por que pra transar todo preto serve, mas para a convivência nem tanto... “Sim, tem carnaval na Liberdade, em Cajazeiras... ainda bem que os marginais não vem pra cá”. Não adianta a prefeitura querer convencer as pessoas do contrario, pois os turistas já compreenderam direitinho seu real plano.
Terceiro, o gringo faz e acontece aqui, mas por que será que ele vem fazendo isso durante tanto tempo e não pára? Por que nós não deixamos parar... Sim, o gringo é o vilão? Não exatamente. É de conhecimento de todos, das campanhas que o governo fazia sobre a Bahia para gringo ver, mulheres negras, quase peladas, se oferecendo que nem loucas com sorriso no rosto a todo homem de fora que visse pela frente. Mas não é culpa totalmente dos que nos governam não. Deixamos tudo acontecer sem problema algum. O soteropolitano se oferece, recebe bem o turista, quase que doa seu tempo a ele para mostrar a cidade nos seus mínimos detalhes. São nossas escolhas que acabam dando ao gringo a visão estereotipada que ele tanto tem sobre nós. Ele na maioria das vezes não nos estupra, estamos lá na cama do gringo (ou da gringa) de boa, mostrando para ele os melhores lugares, ou uma outra cidade que está fora dos circuitos turísticos e cá para nós é bem mais interessante.
É pecado então se entregar? Não! Temos que manter sempre uma postura radical? Não! Se entregue a quem você quiser, mas saiba o que o outro pode pensar sobre você... O problema real é quando nós exotizamos nossa existência a favor do pensamento nefasto do outro. salvador vira Gringolandia por que nós queremos. Abrimos as pernas conscientes, não adianta reclamar depois!...
Um forte exemplo do que falo é o tal vídeo do cantor Marcio Vitor... Ele foi chamado aos berros por um homem que ele era “preto, pobre” e que sua música incitava a violência. Aí o cantor ficou p da vida, deu um piti no circuito, fazendo um discurso a favor da periferia e... SÓ!... Não prestou queixa, não falou sobre o assunto até agora, não colocou o miserável racista na cadeia. E olha que ele tem a mídia a seu favor para fazer isso. Além disso, ele tem uma lei que salvaguarda o direito dele como cidadão negro em ser respeitado. Ouvi do cantor em vídeo postado no You Tube, “Respeite meu povo!”. Mas o cara vai continuar não respeitando. Ele não sofreu nada por conta da atitude nefasta que proclamou. Nada! Nem a cara dele apareceu.
É por conta disso que tenho certeza que não adianta só ter dinheiro, é preciso mais que isso. Marcio deve ter seus motivos bem estruturados para fazer o que fez, ou não fazer... Mas e o resto da população negra que é agredida todo dia?... Eu aprendo a ficar de braços cruzados, eu aprendo a sustentar o outro com o fruto do meu suor, eu aprendo a ficar quieto, eu aprendo que racismo é uma coisa feia e... distante de mim, eu aprendo a deixar o outro fazer o que quiser comigo. E principalmente, aprendo a baixar a cabeça!... Nesta quarta-feira de cinzas, fico me perguntando quando nós vamos deixar de nos iludir com algumas palavrinhas ditas no ouvido, bem de leve, de um cara que vem de fora... Reclamar depois, se fazendo de vítima não adianta mais...

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