domingo, 20 de março de 2011

A Promiscuidade Academica e Sua "Revolução" Fingida...


“E se fosse homem diria que estou de saco cheio dos políticos de eleição, dos estudantes de faculdade que vem aqui para ganhar nota de português vendo a gente falar errado, dos artistas que representam a vida da gente. ma sou mulher e para não ficar quieta escrevo estes pensamentos.” Carolina Maria de Jesus.
Descobri dias atrás uma escritora, presente faz tempo na literatura nacional, na grande literatura aliás, mas novinha em folha dentro da minha estante. Carolina Maria de Jesus está me despertando – como toda mulher que escreve – a enxergar outros sentidos. Esta frase, presente em uma revista com reportagem sobre sua vida, onde estavam escritos alguns de seus provérbios, me chamou atenção em meio a tanta coisa bem escrita sob a motivação da indignação e da fúria.
No trecho fica óbvio o desabafo. Mas dentro dele está algo que me chama atenção pelo momento que estou passando; “dos estudantes de faculdade que vem aqui para ganhar nota de português vendo a gente falar errado”. Algo que não é novidade para ninguém, este movimento que a academia tem de sempre estudar distante os movimentos que sem eles ela não existiria.
Isso me revolta. Quantos e quantos trabalhos sobre quilombos, desde – ou até antes – da lei que obriga o ensino de cultura afro brasileira, quantos trabalhos sobre favelas, e negros nas favelas, ou associações de negros... Inúmeros. Graças a Deus! Os negros na academia, que sempre foram estudados pelos brancos de forma “imparcial”, nos últimos anos, tiveram incentivos para que a pesquisa sobre seu povo fosse comandada por negros. Isso tem diferença? Sim tem. Todos nós sabemos disso, que há diferença do olhar. Um olhar antes marginalizado que passa a ser sujeito e não só objeto.
Mas, existe outro movimento. Universitários que fazem das tripas coração para montar trabalho sobre determinada célula da cultura negra (quilombos e favelas são o principal alvo), fazem seu trabalho, tiram fotos, convivem com a comunidade e depois que sua nota está linda no quadro de notas, ADEUS! Vi este movimento dentro da universidade inúmeras vezes. O romance universitário dura tempo suficiente para que sua fama dentro da academia aumente e que seu currículo lattes seja enaltecido pelo resto das instituições. Ele traveste seu estudo de “compromisso social”, já que vai estudar uma camada da sociedade “carente/marginalizada/não valorizada/afastada” da sociedade, convence a si mesmo que está “dando voz!” (clichê na boca de inúmeros universitários!) ao sujeito que encabeça sua pesquisa, faz o seu trabalho de pesquisa – se surpreendendo com a forma de vida do seu objeto de pesquisa (“Nossa, olha como eles vivem.” “Nossa, olha como eles comem!”) e no fim dá um belo pé na bunda nele. Aconteceu da parte dos brancos para os negros nas últimas décadas do século XX e atualmente acontece de nós para nós mesmos...
Afinal de contas a gente concebe direitinho o que o branco colonizador faz. E como diz a escritora Carolina, eu estou de saco cheio. Essa promiscuidade acadêmica muitas vezes me enoja. O estudo de vários temas não é o problema, mas a forma como a hipocrisia da revolução é formada isso sim desequilibra. Escrevo hipocrisia da revolução, pois a maioria dos universitários que estudam os marginalizados convencem que seu trabalho vai realmente mudar a forma como as pessoas vêem determinada camada da sociedade, ou que estes sujeitos serão ouvidos e seus gritos vão finalmente ser levados a sério. Alguns POUCOS conseguem algo relevante. Mas a maioria? Tem seus trabalhos presos dentro de uma biblioteca universitária junto a camadas e camadas de poeira de outros tantos trabalhos.
Não nego que a academia tenha feito muito pela sociedade. Seria covardia de minha parte não reconhecer isso. Mas para cada profissional que surge com esta visão, inúmeros estão em suas costas, sendo levados pelo fácil, pelo cômodo. Não mudam, representam. Não progridem, repetem! Inúmeras bolsas – com muito ou pouco dinheiro – “pipocam” nas universidades atrás de estudos revolucionários. Colocam o objeto de estudo em evidencia, vão para campo e depois o destino é sempre o mesmo.
Eu mesmo, até considero isso que estou escrevendo clichê. Ou melhor, um clichê dentro de outro. Estou falando de algo que uma escritora da década de 50/60 já desabafava! No seu contexto o acontecimento surgia de outra forma, com outros sujeitos, mas agora a construção é quase a mesma e os sujeitos são diferentes... Essa repercussão do afastamento que nós negros universitários sempre condenamos, acabamos readaptando a um contexto interno. Somos sujeitos e objeto da historia, mas será que concebemos a historia de uma forma mais intima? Estudantes universitários negros urbanos vão desembocar em quilombos afastados da urbanidade louca do dia a dia para estudar seu modo de vida, a forma como vivem e sobrevivem. São negros, mas são iguais? Não! Complexidades que só da para alcançar, entendendo as bifurcações e armadilhas que a diáspora negra nos trouxe.
Conversando com um antigo professor, acabamos concordando em uma critica ao sistema de cotas, que graças ao meu bom Deus está sendo mudada. Antes – su parte da primeira turma de cotistas da UNEB – as cotas “garantia” seu lugar lá dentro, mas e depois? Como seria sua vida lá? E o que voce ofereceria em troca da cultura e do movimento que lutaram para voce estar lá dentro junto ao seu esforço?... Os estudantes entravam e se esqueciam que uma coletividade foi responsável por ele estar ali. Sou negro, cheguei até aqui e... Ele era engolido pelo individualismo do mérito branco tão famoso nas últimas décadas. E o seu trabalho não vai voltar para a sociedade? Alguns até tinham esta consciência, mas o discurso universitário é que “ele volta o seu trabalho como uma ajuda para a comunidade”. É bom entender que não é ajuda, é obrigação! A universidade pública tem que deixar o viés politicamente correto do empadrianhamento, para o total engajamento da responsabilidade com os seus.
A academia eurocentrada achou durante anos de vitimizar os nossos e na minha opinião estamos indo por um caminho parecido. É preciso um quilombo sempre distante, uma favela desorganizada, um mendigo pitoresco para ser estudado, uma roda de samba com uma tradição não reconhecida... Não reconhecida por quem? Pela obviedade da academia que só consegue se enxergar, mesmo estudando fenômenos que nunca precisaram da ajuda dela para existir... Eu realmente tô de saco cheio do eurocentrismo, dos brancos e seus estudos epistemológicos há anos, mas também começo a ficar cansado com uma circulação de certas camadas do meu próprio povo...

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