terça-feira, 30 de outubro de 2012

Pelo Direito Negro a Futilidade...



A imagem aí acima não é nova. Faz parte de uma das temporadas do seriado Mulheres Ricas, versão gringa. Você já ouviu falar desse programa, que gerou grande polemica na sua versão brasileira, protagonizado por poderosas peruas - que trabalharam muito para serem ricas ou simplesmente deram o golp... ops deram a sorte de se casar com um homem velho e rico que as possibilitavam ter enorme conforto em nome do amor... O seriado foi bombardeado e adorado justamente por mostrar algo que todos já suspeitavam. Para além dos flashs e holofotes, a vida íntima da aristocracia brasileira e da alta burguesia (sim ela pode ser dividida em castas) é de uma futilidade absurda. Não muito diferente da vida dos pobres e oprimidos, que também tem seus momentos de futilidade... Substituindo cervejas, por bebidas das mais caras do mundo, bijuterias por joias e carros populares por jatinhos, o programa fez bastante sucesso e foi responsável por  - pelo menos durante 15 minutos - tirar do limbo a TV Bandeirantes.
Milagres a parte, o programa Mulheres Ricas em sua versão norte americana, teve uma de suas versões com mulheres negras. Vi alguns videos da "trama" real do seriado e estão lá todos os ingredientes para o sucesso de um grande reality show: barracos, intrigas, vida e segredos familiares expostos, micos horrendos, opiniões pitorescas sobre a pobreza. E no caso desse reality mais precisamente, dinheiro gastado a torto e a direita com coisas que muita gente pensa que nem existe, vaidade, luxuria, glamour, soberba, penteados carissímos, breguice disfarçado de luxo, jatinhos, carros importados, joias, lexotan etc...
O programa foi acusado pelos puritanos liberais frustrados de plantão por justamente idolatrar a futilidade, o gasta gasta de dinheiro a toa e mais uma vez dar valor a vida aristocrata como modelo a ser seguido. Eu encarava aquilo como comédia das boas. E quem não trabalhava era alvo principal das minhas chacotas. Como não rir de Narcisa e suas loucuras? De seu namorado de sorriso amarelo por conta dos micos que ela fazia ele passar para todo o Brasil ver? Ai que loucura!!! E Val minha gente?  O que era toda aquela ostentação; não como de tal forma, só vou a festa se servir tal coisa, não compro carro e sim jatinhos para ir a Paris... A tv sempre riu da cara dos pobres e pela primeira vez tinhamos a possibilidade de encarar algo diferente. Muito diferente. Eram os ricos ostentando, numa tentativa de mostrar o que pensam que são, mas o que se tornaram realmente é tão engraçado a ponto de ser ridículo.
E ai neste mundo virtual de meu Deus, encontro o mesmo seriado, versão norte americana, com tudo aquilo que o brasileiro tinha, só que adaptado...
"Não sei como você via esse tipo de coisa", me acusou um. Eu vejo tudo. Mentira. Vejo tudo o que me interessa, independente de quem vá gostar ou não. Mas o reality gringo com sua protagonistas negras me interessou justamente, pois evidenciou que Nossa Senhora da Futilidade roga por todos nós. E NÓS negros estamos também neste rastro...
Existe no meio negro - assim como todo meio social de grupos que são marginalizados pela sociedade - uma forte pressão junto a seus individuos para que sejam modelos a serem seguidos, na estética, no combate ao racismo, nos estudos, no trabalho. Sei disso com exatidão, pois vivi neste meio, de vários movimentos negros, quando estava na universidade. Às vezes você não faz por que gosta e sim pela obrigação da "negritude engajada". Se vc não fizer, vai ser rechaçado.
Este texto não é, caro leitor, mais uma acusação aos movimentos negros ou a suas entidades (pois tenho mais o que fazer e devo muito que sou ao conhecimento que aprendi neles), mas à forma como a negritude é constituida em muitos espaços. A perfeição deve ser seguida, regras extremamente calculadas para serem invisíveis, o velho embate do novo contra a velha geração etc.
Rebatem vários estereotipos, mas acabam construindo outros. Um dos exemplos que mais me incomodava era o protagonizado por mulheres negras, o mito da guerreira. Mulher pobre, cheia de filhos pra criar, muitas vezes nos empregos dos mais sofriveis, geralmente sem marido ou acompanhada de um projeto de homem para chamar de seu. Mesmo com todas as dificuldades da vida, essa mulher lutava dia e noite, sem cansar, cuidava dos filhos, encontrava tempo para fazer mil e uma coisas... não parava... não parava.... não...
Esse mulher existe? Sim, existem muitas mulheres por ai - em sua maioria negras - que fazem este tipo de coisa. Mas elas não choram? Elas não reclamam, elas nunca desistem, elas nunca abandonam, nunca fracassam? Sim! Afinal de contas o fracasso faz parte do ser humano, mas os movimentos sociais em geral não assumem este lado. Justamente por que ele trabalha com o coletivo. Não pensa sua filosofia para um e sim para muitos. Se não, não seriam movimentos sociais. Além disso, movimentos socias já se dão conta, dia após dia, com o fracasso de seus sujeitoS perante a sociedade que o discrimina. O drama do gay perante a sociedade heteronormativa, drama da mulher com o machismo, do negro contra o racismo. Fora quando esse ser carrega em si indentidades multiplas e subalternas. São forças coletivas. Mas e o indivíduo? Fica como?
No final do curso universitário acabei pensando para além da coletividade. Muitas vezes não me via nas identidades construidas pelos meus "irmãos" negros. Inúmeras vezes. Da labuta com a cultura negra, aquilo que voce gosta, o que não gosta, a forma como se enxerga o candomblé, maneira de levar sua sexualidade, a construção da estética. Essa forma exemplar e obrigatória de ser negro me aproximava da verdadeira raiz da mesma forma como a sociedade racista queria que eu fosse bem resolvido...
Os movimentos negros não tem obrigação de focar no ser. É a sociologia, a antropologia quem dá voz. Mesmo esta ultima que centra nos estudos do homem, na verdade é interpretada para além dele. Encontrei esse refúgio que precisava na literatura e no teatro. A psicologia também me salvou. Novas fontes de estudo dão caminhos diferentes para identificar nossos problemas e alegrias... Falo de psicologia, não que precissasse de terapia rs, mas por que muitas vezes a psicologia é individual, centrada em você. É o seu drama, sua alegria que está ali ni divã.
Você deve estar pensando que o trem do assunto principal descarrilhou de vez. Não, tudo faz parte de uma só coisa. Se tenho meu fracasso como individuo, minha forma de sucumbir reconhecida e não barrada em nome da perfeição, do exemplo como se deve agir... Então também tenho o direito de ser fútil ora bolas! De largar os livros pra cima, de ligar o you tube no video mais escroto possivel, de não querer estar sempre em lugares engajados, de sair e não ligar para os problemas do mundo. Pois minha identidade também é feita de momentos podres. Ou essas facetas podem até não serem podres, so são um outro lado meu...
O programa Mulheres Ricas versão gringa é justamente assim. Protagonizado por negros, mas sem compromisso algum. Que exemplo elas dão pelo amor de Deus? Ensinam o que? São bregas, gastam muito, ostentam mesmo, xingam, brigam. Sem culpa, ainda por cima. Existem negros que são assim e outros que não.
Viva a diversidade neste nosso microcosmo!!!

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