Chego em casa, com os olhos ainda ardendo e ligo a tv, ligo o
pc também. Enxurrada de informações. Não sei qual dos dois era pior. A tv em
todos os canais fazia questão de dar ênfase nos confrontos e a tv local filiada
global só exibia as manifestações alheias. Nada de Salvador na tela da TV Bahia. As outras não eram diferentes...
As reportagens que eram exibidas – e as outras que vieram
depois – falavam de um movimento que começou pacífico, com um pequeno furdunço
no final e o estouro da policia violenta e alguns manifestantes em revolta. Esse
confronto entre policiais e a minoria revoltada era o foco do resto das
reportagens. Nada de ideologia. Nada de motivações politicas. O que dá ibope é
o pau quebrando. Então vamos ver o pega pra capá na tv, ao vivo, em HD, gente
gritando em Som Digital...
O conteúdo sensacionalista era exibido na tv, mas no facebook
era pior. Não se falava em outra coisa. fotos e mais fotos. Especulação em cima
de especulação. Todo mundo com sua devida foto e a cartolina pra cima, seguidas
de gente apanhando dos policias, varias montagens com a cara da presidenta do
país ridicularizando seu papel perante o país que governa, gente fugindo, gente
quebrando tudo, relatos que Salvador estava sitiada, que o centro era um
inferno, todos os sites de jornais dando manchetes a cada minuto. Na minha
opinião, o facebook oferecia a duvida da pior forma possível enquanto a tv dava
o terror a população.
Nos dias a seguir, a imprensa dava um relato mais ameno de
tudo, oferecendo ao telespectador a visão de um país forte, unido, que acordou
durante décadas de sono. Não estou falando só da imprensa na tv, falo no geral.
Chove então, reportagens do lado “pra frente” dos movimentos que agora atingem
o interior dos estados. É feito perfis dos jovens brasileiros que estavam nas
marchas. A comparação com a Diretas Já. Cada reportagem linda de se ver. Revelando
um pais mais forte, mais unido e mais... branco!
Sim branco. Ou você não foi capaz de reparar que nos inúmeros
perfis do movimento as reportagens mostravam jovens da classe média ou jovens
da periferia brancos? Teve uma da Globo que queria mostrar que o movimento
vinha de todas as classes, mas as pessoas presentes nele eram brancas e SÓ brancas. Vi pelas
ruas e na tv um movimento onde varias classes e raças estavam caminhando
juntas. Mas a forma que a imprensa explorava o caso era ( e é!) muito
complicada. Ao que parece o repórter (ganha um doce se adivinhar a cor do mesmo...) sabe só se enxergar enquanto povo. Já
estou “acostumado” com a não representatividade do negro na arte, mas quando a
imprensa não mostra os jovens, membros de movimentos, famílias negras deste país em um movimento
brasileiro, isso pra mim é bastante complicado. Mas nós aparecemos... Pois jovens
da periferia e da Orla negros temos câmeras e nossos próprios canais no You
Tube ou canais de imprensa.
Mas a massa não nos viu fora de nossos guetos. Não estamos no
Fantástico, no Profissão Repórter, no Jornal do SBT, da Band... A impressão que
via era um movimento feito na França, sem a presença dos imigrantes. rs. Para você, caro leitor, não dizer que é exagero, eu me enxergava na tv somente
em visões panorâmicas. No todo via meus irmãos. E só. Não quero passar na Globo
não. Mas se a tv da visibilidade aos jovens formadores do movimento, então que
dê a visão de todos TODOS os jovens. Os indígenas mesmo, estavam em Brasília e
isso eu não vi explorado com ênfase na tv.
Fora a chamada esquerda do país se articulando por fora
contra o PT, contra a presidenta, contra a atual politica brasileira, mas de
outra forma. Como o movimento não tem um líder concreto, ou um partido ou
instituição concisa na frente de tudo, aproveitadores logo surgiram em busca de
um outro país. Um nacionalismo exagerado crescia a cada momento aproveitando-se
da desorganização de uma geração que aparentemente insurge contra TUDO. E no rastro desse novo movimento vinha até pedido de recuperar o país através da ação dos... militares... Urgh!
O movimento não era mais popular. A elite já se apropriara
dele: os formadores de opinião, a imprensa, a tv dominavam os canais de
comunicação. Da mesma forma que a elite se apoderava das marchas em sua
divulgação, ela também a desmistificava, ridicularizava as partes que não eram
de seu interesse. A repressão mostrada na tv era contra os brancos, contra os
filhos da elite e classe media. Não vi nenhum jovem negro apanhar e uma
reportagem centrada dá foco a ele, ou a ela. Afinal de contas, pobre e preto é
filho de quem mesmo?... Chove pela mesma imprensa a opinião dos jogadores de futebol
Ronaldo e Pelé... A Copa do Brasil vs o Levante Brasileiro. Polemica. Gente chamando
os jogadores – e com razão! – de todos os nomes possíveis e imagináveis...
A frase que mais ouço na tv é “A manifestação ocorreu de
forma pacífica, mas uma minoria acabou transformando as ruas em local de guerra”.
Se não consegue enxergar todos os intrínsecos movimentos contidos nesta pequena
frase, é porque com certeza você acredita em Papai Noel, ou democracia racial...
O Brasil que foi as ruas, visto pela perspectiva dos
formadores de opinião, é um Brasil que não faço parte... A elite tem cor, ela não
é e nunca foi multicultural, ou mesmo misturada racialmente. Eu e você, que acompanha
o blog, sabemos disso muito bem. Ela vive bem dessa mistura e de propagar a combinação
entre raças/classes que nunca existiu. Salvador é bem assim. Uma cidade
propagada vezes como negra, vezes como miscigenada, depende do evento, da
proposta da propaganda, do produto a ser vendido, ou a ser reprimido... E o
Brasil propagado pela tv, o Brasil político que surge atualmente é branco,
pois na cabeça dos que espalham é assim a cara da civilização. Não te faz
lembrar nada?... E os movimentos migratórios pós abolição no
começo do século XX?... Se o gigante acordou, seus inimigos também despertaram...
[1] NOME
DE UM ESPETÁCULO DO BANDOD E TEATRO OLODUM SOBRE A 1° REVOLTA DO BUZU NA CIDADE
DE SALVADOR – BA.
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