Evitar o longa de Steve Mcqueen?
Nunca na vida. Esqueça o artigo do "jornalista" que criticou o filme e suas 16 razões para não ver o filme, mesmo que ele não viu o filme... O ganhador do Oscar deste ano de Melhor Filme, é com
certeza um divisor de águas em inúmeros quesitos... Ah sim, EU VI O FILME!!!!...
1) Steve
Mcqueen: diretor e produtor do longa, ele comanda sua produção com mão de
ferro. Sim, você vai ver sua assinatura em cada parte do filme. O negão filma
de forma muito prática e direta. Estão lá seus planos longos, a solidão dos
seus personagens, mostra violência sem ser gratuito, crueldade por crueldade
não existe neste filme. A cena do açoite de Patsey, filmado em plano sequencia
é simplesmente fenomenal.
2) Historicamente
é um filme impecável: está tudo no lugar. EUA beirando Guerra Civil, negros
livres no Norte e escravizados no Sul, os grandiosos sobrados do sul rural dos
EUA, a sujeira do submundo negro escravo vs a limpeza estéril dos brancos senhores
das leis, a política que ao mesmo tempo livra certa parte da população negra,
mas marginaliza uma parte ainda maior...
3) O
sistema escravocrata na tela sem rodeios: Negros de diferentes tonalidades eram
separados. Os negros com pele mais escura e que aos olhos dos brancos, mais
parecidos com animais, fazem o trabalho pesado. Enquanto os com tez mais clara
e “mais parecidos” com seus senhores estão junto a eles, os servindo. A forma
como a violência silenciosa era praticada dentro da senzala, já que o sistema
escravocrata tinha um regime de “eu por mim, cada um por si”, quase que não
existe sentimento de comunidade e sim sobrevivência, os negros estavam todos
juntos, mas ideologicamente todos não escapavam da separação feita pelos
brancos em benéficio próprio. O mercado de venda de negros, tratando-os como
produto, dentes fortes, músculos rígidos, separando famílias, silenciando a
todos... Está tudo na tela.
4) Não
existem brancos bons no período da escravidão: Nem no filme!!! Estão lá todos
os traços da branquidade, estes mesmo acabaram de uma forma ou de outra passando
e geração em geração... Os elogios surpresos dos brancos quando veem um negro
se comportando de forma diferente da que eles tem na cabeça... A “bondade” de
seus senhores, que leem o Evangelho
adaptando os escravos ao seu contexto, vendem o seu fiel empregado por
conta de dívidas, vícios, faz dele um escravo sexual em troca de vantagens...
Ou é cruel de forma direta; humilha, cospe, amedronta, espanca, chicoteia,
engana, esfola, enforca, corta, estupra...
5) A
relação das mulheres brancas e as escravizadas negras: Ponto alto do filme é
reparar este ponto. O sistema escravocrata é um sistema onde os homens são senhores,
mas há lugar também para a crueldade feminina. As mulheres brancas também
cometem das suas. Tem um pequeno poder, mas sempre que podem usam dele para se
livrar de algo que está as importunando ou ameaçando a estabilidade de sua família...
A guerra entre brancas senhoras e negras escravas é vista em todos os detalhes,
da forma mais diabólica possível!
6) O
silencio: enfim, um produto sobre escravidão onde os gritos não são gratuitos!!!
Sim, existe alguém que não faz das agruras negras um estandarte para exercício a
paciência do público. Aqui quase não há gritos e sim o seu total contrário. A escravidão
exigia de seus trabalhadores o silencio absoluto. Nada de falar, nada de
levantar a cabeça, nada de ler, escrever, opinar. Se sofrer, sofra calado, nada
pode tirar a tranquilidade do seu senhor e de sua família. Você é um produto e
um produto não fala. NADA.
7) Lupita
Nyong’o: modelo e atriz. Ganhadora do Oscar de Coadjuvante e de outros inúmeros
prêmios. Intepretação majestosa. Quando entra brilha, com poucas palavras e um
corpo que mostra em detalhes o sofrimento para a plateia. Ela é agonia,
tristeza, leveza, solidão, explosão...
8) O
roteiro em 3° pessoa: Ao contrário do livro, o filme não conta a história na
perspectiva do personagem principal. A escolha do roteirista foi certeira, pois
dessa forma, ele pode dar abertura para fatos históricos que não são tão bem
trabalhados no livro. Além de desenvolver mais personagens...
9) O
elenco feminino: personagens femininos bons, bem escritos, bem interpretados,
desesperadores, cada uma a seu tempo. Cada uma com uma complexidade exposta em
tão poucas falas. O nome disso é talento!!!!!
10) Não
é um filme dramático: não há musica subindo nos momentos de emoção do filme, o
diretor não quer compadecimento de ninguém, nem dos personagens, nem da plateia.
Não existem falas de efeito moral. Ou planos sequencia onde alguém tem uma
mensagem a dizer. Não há leveza, não existem piadas, poucos sorrisos. Afinal,
estamos falando de escravidão!
11) Sequencias
de tirar o folego: as cenas mais bem filmadas são as em que enquanto alguns
escravos recebem castigos de seus senhores, outros são obrigados a levarem sua
vida como se nada estivesse acontecendo... É a escravidão mostrada sem cortes. O
sistema separa e amedronta, tanto que não existe momentos de compaixão, nem de cooperação.
Ele está sendo castigado, eu não! E tenho mais o que fazer...
12) O
negro como papel sexual: Eis um fator que os brancos não se esqueceram e continuam
a reverberar mesmo com o fim da escravidão. Senhores não só possuem o corpo dos
negros, como mão de obra, mas também são proprietários de seu sexo. As cenas que
falam/mostram este quesito são feitas com maestria. Destaque para a cena do chá
com Patsey...
13) O
filme é obrigatório na grade curricular dos colégios dos EUA: Sim, 12 Anos de
Escravidão é tao importante para nossa geração, assim como Malcolm X de Spike
Lee foi no começo da década de 90!
14) Este
é apenas o terceiro filme de Steve Mcqueen: E ele já consolida seu nome como homem
seguro que é no comando de uma produção, de época, com elenco grandioso,
conduzindo seus atores em caminho correto, filmando de forma sublime e dando
tempo para que cada história seja contada da forma certa.
15) Você
nunca viu um filme como este: Esqueça Amistad e todo e qualquer filme que viu
sobre escravidão. Faça um favor a você e apague estes filmes da sua
memória. A visão de Mcqueen é
definitiva, não só pela sua frieza, mas também pelo ótimo trabalho de
roteirização. Todos os subterfúgios clichês que vemos em vários filmes com esa temática,
aqui desaparecem...
16) Ao
final do filme, o silencio. Se ele é o ponto alto de quase todas as cenas deste
filme incrível, a saída do cinema é igualmente impactada pelo silencio da
palteia, que sai em choque. Vi o filme acompanhado por uma plateia em quase sua
totalidade de pessoas brancas. Como não há escapatória para os brancos neste
filme, a maioria do cinema saiu quieta. Não existia personagem branco para que
eles se identificassem. Não existe isso em um sistema trabalhista onde o
castigo, o medo, a violência imperam. 12 Anos de Escravidão é um filme
essencial. Para todos!
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