ps: esse post não foi feito para agradar...
Dia desses, acabei cruzando com um amigo militante dos mov
negros, um pouco mais velho que eu, ele já estava meio nervoso quando o avistei
pela caminhada, parou, falou comigo, desatou a falar sobre o que o afligia
naquele momento.
Um novo militante novo, “quebrando o pau” com ele em um
debate dentro da universidade sobre cultura negra, apropriação cultural etc
etc. O negocio ficou ainda mais acirrado quando, o tal menino de cabelo black
quis dar um belo sermão nele, pois este meu amigo a tempos não deixava o cabelo
crescer. Depois de tudo, de explicar todo o processo da criatura, de como
entrou, de como se comporta, de como coloca seus conceitos... ele olhou pra
mim, querendo uma resposta. Eu não pude infelizmente dizer outra coisa que não
fosse: “Ô amigo, isso é super normal! Relaxe!”
Super normal o processo de violência. Eu era assim, você era
assim. Muitos quando “acordaram da matrix” eram assim. Você se reconhece como
negro, muitas vezes tendo passado por um processo de invisibilidade fenotípica,
vê o processo que passou e agora quer falar, seja de que forma for... Nunca se
reconheceu como branco, mas negava sua negritude, ou de uma forma silenciosa ou
negando abertamente. Ou se considerava negro, mas não ligava para o racismo.
Sei lá, cada um tem a sua história. O importante é que ele acordou agora quer falar...
Também há a explosão de conteúdos negros do sujeito em redes
sociais, ou sobre o que ele lê. Estamos na geração do compartilhamento. Descobri
quero mostrar. Mesmo que isso seja apenas, “quero mostrar que li também”. sua
time line vai ser inundada pelo novo militante, de conteúdos sobre negritude. Muita
coisa você já leu, você já sabe, não é de hoje, mas ele não ué. Se voce for na
time do sujeito, ao que parece ele só lê sobre isso. E muitas vezes ele se
restringe a esse ponto, pois o mundo que ele agora quer conhecer é vasto
demais... E a geração nova é pior que a minha, quer tudo ao mesmo tempo
agora...
Seguindo, tem uma coisa que eu acho muito, mas MUITO
engraçada. O sujeito acha tudo o máximo. Lê um texto e posta que o escritor “brocou”,
“sambou”, “arrasou”, usando os adjetivos que geralmente eu vejo nos posts, muitas
vezes o argumento é batido, ou repetitivo, ou 8000 pessoas já pesquisaram sobre
aquilo... Tem o processo da descoberta, que não se tem um arquivo de leituras
grande, ou médio que seja, mas há um defeito ai. A nova geração lê pouco. Prefere
ler artigos a ler livros. Na minha os professores já reclamavam disso, imagine
hoje... Voce lê um capitulo, fica longe de ler monografias, teses,
dissertações, livros. Lê-se muito os títulos e não as reportagens inteiras,
abre 3, 4 5 janelas de textos as vezes muito complicados e não se concentram em
nada.
O ataque ao branco é um ponto forte que vejo. Isso não tem
nada a ver com racismo ao contrario. Tem a ver com o massacre que até agora
veio a mim e que agora eu destino ao outro como resposta. Muitas vezes, vejo em
posts e em grupos que participo discussões acirradas sobre o branco, ou brancos
amigos que não são racistas, ou todos os brancos são racistas. E aí começa o
quebra pau entre negros por conta da branquidade alheia. Fico me perguntando o
que eu faço para tirar o branco racista dentro de mim? eu ataco meu amigo, pois
nele enxergo algo meu, não consigo trabalhar em mim e entrego a ele minhas
frustrações para ele também resolver? Isso faz de mim militante de que?...
É inevitável o confronto com as gerações mais velhas. Com os
trintões ou com os quarentões, que seja. São formas diferentes de ver a
negritude, são racismos diferentes experimentados. Esse confronto sempre
acontece, inerente ao posicionamento racial/social. Isso acontece dentro de
casa, na universidade, no trabalho etc...
Com o tempo, as coisas vão abrandando. O sujeito vai se
descobrindo. O que é ser negro pra ele? Todos os negros são iguais? Experimentam
de coisas iguais? Como é o processo da diferença dentro da diferença? E as
minhas referencias brancas? Eu as tenho? O que faço com elas? Todas as
referencias negras me representam? Se não, o por que isso? E o que fazer com o
sexismo negro, com a homofobia negra, com o machismo negro? Afinal de contas
todos temos PRE-conceitos ué, somos humanos... E o meu racismo interno? O que
faço? Como se dá o processo da minha desconrrução? Por que construir e fazer
discurso todos sabem, desconstrução é um outro processo que nem todo mundo está
preparado para passar... Uma das coisas que vejo também, é a descoberta e
consequente decepção, que nem todo mundo é tão santinho quanto parece. Aquele
cara dono do artigo “brocante”, na verdade é um escroto com a namorada. Ou o
militante de cultura negra, critico de relações inter raciais alheias, mas
pouco resistente quando o assunto é branco na cama dele...
Feita essas e outras perguntas, respondidas algumas outras
não, o sujeito começa a mudar. A se reformular. Ao invés de militar por tudo,
pega foco em uma área. Começa a ver outros mundos, ou se aprofunda em sua
cultura, mas de uma forma mais solta. Passa a ver que nem todo mundo vai pensar
igual a você, mas pode lutar de uma forma diferente. E uma coisa importante:
passa a ter humor! A negritude não é apenas sinônimo de racismo, de ataque ao
branco, é também, amor, alegria, sorrisos, abraços, fortaleza.
Meu amigo olhou pra mim, se viu em muitas coisas que disse. Ele
era assim. Eu era assim. Voce provavelmente também, ou conhece alguém que fez
isso... Com o tempo a gente vai se encontrando. Eu mesmo me encontrei a partir
da decepção de gente que desistiu. Militante fervoroso que não aguentou o rojão
e simplesmente virou as costas pra tudo que acreditava. Por uma série de
motivos. Mas desistiram. Ou enlouqueceram, ficaram doentes pelas mazelas da militância.
Não queria isso comigo. Isso significa que sou superior a alguém? NOT! Rs Isso
quer dizer uma coisa só: em-ve-lhe-ci! E olha que estou longe de ter 40 e
poucos viu...
O racismo vai acabar por conta de que cresci? Não também! só
vou reparar nele de formas diferentes. Hoje sei que não devo falar em
determinados lugares, com determinadas pessoas, algumas delas negras e tal, por
que o movimento será contraproducente. E desgastante. Isso não me afasta de dar
de vez em quando um chega pra lá, “me respeite”, em certos colegas, mas minha
visão vai para outras instancias. Ignore, melhor que encher o bucho de
losartana potássica por conta do nervosismo rs...
Tem gente por ai com muito mais preparo que eu! Estou em um
tempo de minha vida que reconheço muito mais luta contra o racismo fora da
academia que dentro. Moro em uma favela e vejo meus vizinhos que nunca ouviram
falar de Fanon lutando para desconstruir a cabeça do filho, o educando e
preparando seus pimpolhos para o mundo. Fui
educado por mãe que nunca leu Alice Walker, mas os conceitos que ela desenvolve
em seus livros minha mae fazia direitinho. Reação em cadeia? Não sei... O nome
disso é o sentimento negro solidário brotando em si!!!
Nem todo militante novo é assim. Friso também que a palavra novo, nao necessariamente pode ser atribuída aqui a pessoas de menos idade. Pode ser um novo quarentão etc...
Despedi do meu amigo, antes disso vi um sorriso brotando do
rosto dele. Ele se reconheceu no menino que o atacara. Ele também já foi
daquele jeito, e as vezes até é com gente mais velha que nós. O conflito
existe. Sempre vai existir. São visões diferentes sobre o racismo, ele se
transforma, da forma mais inteligente e diabólica possível. Nós que muitas
vezes paramos no tempo. Pois é cômodo sermos senhores. Mas é melhor baixar a
cabeça... para que o racismo não seja os senhor do nosso tempo!...