Muito se fala da injustiça do
mundo do entretenimento brasileiro com Margareth Menezes. Muito se diz que se
fosse em outras partes do mundo, até partes dominadas por brancos, o talento
dessa formidável cantora seria reconhecido. Sim, o bom e velho racismo que nos
incomoda e chega também ao mundo da música. Para Margareth o caminho parece difícil,
mesmo vendo que em 25 anos de carreira ela é dona de uma voz marcante, sucessos
estrondosos e é uma artista múltipla. Atriz, cantora, produtora, Maga, como é
chamada aqui em Salvador, é uma cantora que rema contra a maré. Acho que todas
as artistas negras são assim aqui no Brasil. Mas no caso da Sra Menezes sua
carreira é símbolo da persistência perante o desgaste do axé burro, do
sertenejo que invadiu as rádios da Bahia e do pagodão dominado por homens e que
faz da mulher puro objeto sexual. Nesse DVD Voz de Talismã – Ao Vivo, construído
a partir de sua concepção, todas as referencias de Maga em seus 25 anos se
encontram em um só trabalho.
Um só trabalho dividido em 3
partes: A primeira, o show na Sala
Principal do Teatro Castro Alves, reduto tradicional da arte soteropolitana,
Maga entrega nesse show sua faceta “intimista”. Vê-se uma cantora mais “calma”
no palco, arrancando suspiros do púbico ao entrar da plateia cantando Cordeiro
de Nanã e logo depois passeando seja por clássicos da MPB como Fé Cega Faca
Amolada/ Escritos nas Estrelas/ Toda Menina Baiana, ou entoando seus próprios clássicos
como a canção Marmelada e sua crítica ao mito da democracia racial, Vou Mandar
e a reinvenção de Alegria da Cidade. Neste meio tempo, Maga mistura Emboladas
de domínio Público e arrasa na sua roupagem para Coco do M. Fora o ápice do
show quando ela interpreta Acará e explica a origem e a feitura do bolinho mais
famoso da Bahia: o acarajé.
Na Segunda parte, estranhamente
disposta no DVD como bônus... Vemos a Maga dos hits Dandalunda, Faraó, Selei
meu Cavalo Selei, Toté de Maianga e Elegibô, todos interpretados com força na
Concha Acustica do Teatro Castro Alves, onde se pode fazer o clima de carnaval
perfeito para este tipo de identidade da cantora. Mesmo não sendo intimistas,
os hits de Maga são canções fortes, de letras extremamente contundentes,
difíceis até de cantar, mas que todos em Salvador sabem a letra. Duvida? Então
acompanhe o publico cantando trechos que embolam a língua dos desavisados, com incrível
facilidade. Destaque para o hino soteropolitano Faraó Divindade do Egito...
A terceira e ultima parte mostra
o mini documentário, onde, no mesmo show da Concha Acústica, os artistas
convidados (Paula Lima, Ile Aye, Filhos de Gandhi, Cortejo Afro, Gilberto Gil, Elba
Ramalho e Daniela Mercury) falam sobre Margareth. Cenas dos bastidores e do
publico ainda enchendo a Concha são vistas em contraponto ao depoimento e a
chegada dos artistas. É justamente aí que se enxerga o único defeito do DVD, não
incluir suas atrações no repertório oficial. Uma pena, pois canções que já
nasceram clássicas como Oya Por Nós – parceria de Maga e a Rainha Má – ficam de
fora sem motivo aparente...
Do mais, a concepção impecável do
dvd dá destaque ao publico também como artista. Por que Margareth convida com
sua voz, o publico a dançar com seus ancestrais. E com sua voz, todos se
contagiam, quem está no show por pura diversão e também os que lá estão a
trabalho. Entre uma cerveja e outra servida, entre uma pipoca e outra dada à
cliente, as câmeras mostram os trabalhadores se divertindo e se contagiando com
a voz inconfundível de Maga.
Sim, ela merecia mais. Muito mais!
Mas tem um publico fiel. Forte, igual a sua voz. Que reconhece seu talento e
seus anos e anos de carreira. Eu sou um deles. Tenho este dvd e não me
arrependo, pois é um trabalho primoroso. Vida longa a música e ao axé da
Senhora Menezes.