domingo, 16 de dezembro de 2007

MEU DEUS!!! EXISTEM NEGROS GAYS...

Há alguns anos atrás a televisão era considerada um programa para toda a família. Uma família careta, sentada em frente à TV, sorridente, divertindo-se com seu programa de auditório favorito, ou desenho favorito, ou acompanhando a novela que mais gostava. Uma diversão para todos. Pois bem, a TV não é mais assim faz um bom tempo. De uns anos pra cá, os programas de tv (especialmente os seriados) vem ficando mais ousados, com historias que estão longe de serem mascaradas pelo conflito clichê do “vilão/mocinho”, são histórias mais reais, com personagens que se aproximam muito de mim, de você. Onde se imaginaria ver, num seriado de TV, o dia a dia de presos, desvendando totalmente sua intimidade, suas fúrias, paixões, seu lado humano e brutal como vimos em OZ? Antigamente isto era impossível. Mas parece que com a injeção de seriados como Arquivo X, Friends e Plantão Médico, a TV – especialmente a norte americana – vem ficando cada dia mais ousada e mais real.

A tv hoje fala sobre sexo, abertamente. Nip/Tuck, OZ, Sex and the City, Roma, A Sete Palmos, Os Assumidos, Família Soprano, Donas de Casa Desesperadas, Noah’s Arc, The L Word, Will & Grace se não expõem a sexualidade como tema central, falam de sexo abertamente explanando com seriedade temas como pedofilia, incesto, estupro, exploração sexual. Os tabus televisivos parecem que foram quebrados. A televisão norte americana fala sobre o tema antes proibido com tanta autoridade que se habilita a mostrar um mundo que antes era totalmente tabu no horário nobre: o mundo gay.

Os gays invadiram a televisão norte americana, para a ira das associações mais tradicionalistas e para o pavor das instituições religiosas, principalmente as cristãs. Os novos seriados expõem personagens homossexuais, longe do estereotipo da “bicha louca que serve como palhaço para provocar gargalhadas heterossexuais”. São personagens que sofrem, riem, brigam, tem defeitos, choram, amam, mas definitivamente não são bufões. Um fator importante deve ser notado nesta transformação televisiva: além dos personagens não serem meros fantoches, eles transam sem rodeios. Em séries como A Sete Palmos, Noah Arc, The L Word eles vivem desilusões amorosas, paixões, transas fortuitas e falam sobre suas vidas sexuais abertamente. Além disso, nas séries é discutida também a visão que a sociedade heterossexual exerce sobre eles, os conflitos, as várias formas de homofobia e um contra discurso construído pelos personagens para se defender da homofobia.

Mas este “bum” de sexualidade gay na tv nossa de cada dia, desconstrói estereotipos e edifica outros. A maioria dos seriados expõem gays com beleza padrão, com corpos perfeitos, bem sucedidos na suas carreiras profissionais, masculinos, na sua maioria são bem de vida e brancos... Destas tantas que citei, algumas vão mais a frente, expondo um modelo diferente de sexualidade homossexual como Noah’s Arc, A Sete Palmos, The L Word e OZ. Todas elas apresentam gays negros entre seus personagens, sendo que uma delas eles representam a maioria dos personagens. Noah’s Arc pode ser encarada como uma espécie de Sex and the City para gays afro-americanos e conta a historia de Noa um aspirante a roteirista de cinema que tenta encontrar sucesso na vida amorosa e na vida profissional. Ele é acompanhado pelos seus amigos Alex, Chance e Ricky. Cada um com uma personalidade, um caricato, um outro galinha, um romântico e outro centrado. Serve para ilustrar que dentro das categorias sexuais os sujeitos não são estáveis e que há diversidade em uma mesma orientação sexual.

Além dos personagens do Noah’s Arc existem outros como em The L Word, seriado corajoso sobre a vida de lésbicas, em que uma das personagens é negra. Em OZ a homossexualidade de alguns presos é exposta totalmente, existindo aqueles que são encubados e fazem suas práticas as escondidas, outros são abertos, outros que expõem sua sexualidade de forma violenta através de estupros... E o caso de A Sete Palmos... série aclamada pela critica, ganhadora de inúmeros prêmios, criada pelo roteirista de Beleza Americana Allan Ball, que no meio de personagens tão excêntricos há um policial negro gay muito bem resolvido chamado Keith Charles. O personagem do ator Mathew St. Patrick, namorado de um dos personagens principais coloca a identidade “no armario” de seu companheiro em xeque a cada vez que os conflitos ficam mais abertos. Na série a “narrativa da revelação” é confrontada com uma outra totalmente resolvida e que enfrenta a homofobia de frente. Em alguns episódios, a trama centra-se completamente na sexualdiade dos personagens, mesmo que o tema central da série, na verdade, seja a morte.

Evidenciar que existem gays negros não serve somente para quebrar valores da comunidade LGBTT e evidenciar que existem negros homossexuais que vivem afastados do mito do “Deus de fome sexual ininterrupta”, que só é convidado para o mundo gay branco de classe média urbano na hora de satisfazer suas exigências sexuais. Estas séries servem também para trazer a superfície um tipo de masculinidade diferente da negra heteronormativa.

Por que o modelo de masculinidade negra presente em séries do mercado negro (norte-americano, brasileiro, ou seja de que lugar for...) é o modelo heteronormativo। Sempre a família negra correta, politicamente correta, ou de personagens negros fortes, corajosos, que detém a atenção das mulheres pela sua bravura e fazem tudo pela família... Prison Break, Everybody Hates Chris, 24 Horas são alguns exemplos. Aqui o negócio não é muito diferente, Cidade dos Homens e Antonia não figuram diferente da cartilha americana de tipos negros heterossexuais.

Assistir a televisão hoje não é mais um exercício careta. Enxergamos a diferença no ato e estas séries que falei mandam o politicamente correto para as cucuias, pois este tipo de posicionamento nunca nos levou a lugar algum... Sabemos todos que a televisão brasileira (e suas novelas e seus personagens negros, gays, ou negros/gays) chega a ser muito mais hipócrita que a real sociedade em que vivemos. Existe uma salvação, a tv a cabo ou as caixas de dvds que aportam em todas as lojas do país, ou ainda se você tiver paciência para esperar, baixar na NET todas as séries de uma só vez. Não digo que a solução é trocar uma televisão por outra, pois a deles também não é grande coisa... Mas se a nossa está preocupada com a audiência tradicional e não sentiu ainda que o DIFERENTE traz muito mais ibope, fazer o que?...

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Olhos Azuis.

Eu assisti a esse OLHOS AZUIS numa madrugada de Sábado para Domingo. Comecei a assistir esperando um filme chato ou quase que me trouxesse sono mais rapidamente. No final do filme, estava com meus olhos mais que abertos. Parecia que tinha tomado uns doze litros de café... Não dormi logo depois, nem depois de uma hora, nem depois de muito tempo... O filme e a experiência que a professora Jane Eliott nos mostra deixaram-me atordoado! Assistir a OLHOS AZUIS é uma experiência única. Para os brancos, serve para verem (melhor!!!) aquilo que são responsáveis todos os dias e aos negros, para acordarem do sono absoluto da boa convivência!...

Após a morte de Luther King, a senhora Eliott passou o seguinte exercício para seus alunos, todos eles crianças brancas de uma pequena cidade norte-americana: ela os dividiu em dois grupos, os de olhos castanhos e os de olhos azuis. As crianças de olhos castanhos, ela colocou um colar verde de pano, para que ficasse mais evidente a cor dos olhos destes a uma longa distância. Ela diz então, que a partir daquele momento as crianças vão julgar umas a outras pela cor dos olhos. Ela diz também, que como é a professora e tem olhos azuis, as crianças de olhos azuis vão ser bem tratadas, pois são mais inteligentes, mais limpas, mais educadas e as que têm olhos castanhos não... Que quem tem olhos castanhos só pode usar bebedouro num copo descartável e não podem brincar com as de olhos azuis, pois não são tão boas quanto às de olhos azuis. Aparentemente uma brincadeira, a “pedagogia” de Jane Eliott revela-se, logo depois, algo diabólico...

Logo no recreio, as crianças de olhos castanhos ficam tristes, sem amigos, sem a liberdade que toda criança merece para brincar. Começam também a brigar com os meninos de olhos azuis, estes por se acharem superiores batem nos outros meninos, instaurando um clima de conflito na escola. A professora faz uma reflexão em sala de aula: se os garotos e garotas de olhos castanhos gostaram de serem tratados daquele jeito? Eles dizem que não. Que se sentiram burros sendo julgados dessa forma, eles sabem que na verdade não são burros, mas se mantém calados, pois todos estão dizendo e tem um momento em que eles acreditam naquilo que inventaram sobre eles. as crianças começam a evidenciar também que estão vivendo como negros, humilhados, zombados, separados... e viver como um negro, para elas, não é uma coisa boa...

A partir desse exercício, a professora Eliott começou a fazer vários workshops por todo o EUA com esta mesma temática. Sempre usando aprendizes brancos. Variando, entre jovens e adultos. O documentário propriamente dito, centra-se em um desses workshops em que adultos brancos são separados pela cor dos olhos e tratados como pessoas de QI dispares.

Revelam-se as várias naturezas existentes no racismo. Os pequenos detalhes, as relações de poder que não são vistas abertamente no dia a dia, a forma como o racismo coloca o homem branco num lugar superior na sociedade e dizimam aos poucos todos os outros que vão diferente de sua fisionomia. Evidencia de onde vem o racismo, para que ele serve e quem precisa da existência dele. E de como o racismo é algo tão bem formulado que chega um momento que não precisa mais de seus inventores para se propagar, pois ele se instaura como uma praga no outro e faz com que os subalternos briguem entre si em favor dos considerados superiores.

O filme OLHOS AZUIS surpreende pela sua protagonista, uma mulher branca, professora que aplica um teste violento em outros brancos e cria uma validade por falar que são os brancos os grandes propagador-responsáveis e usufruem de todos os mecanismos alcançados pelo racismo e são eles que não querem que o racismo deixe de existir. Muitos falam que não são responsáveis por tudo que acontece com negros, gays, latinos... Mas ela chama os liberais à responsabilidade com mãos de ferro! Em vários momentos vemos adultos (homens e mulheres) chorando, abatidos, por serem separados, humilhados. A seguir o argumento da professora: vocês não agüentam por uma hora o que toda pessoa negra vem agüentando desde quando nasce?... Isto é no mínimo, arrebatador.

Algo extremamente interessante é o complexo que os subalternos estão sujeitos. O racismo convence o sujeito que ele é incapaz e que está numa situação subordinada, pois é diferente. E aqueles que pensam de forma diferente, que também são inteligentes, que também são capazes, devem ser silenciados.


Estamos hoje num momento impar no nosso país. Ao mesmo tempo em que o racismo é combatido de frente pelos vários Movimentos Negros, vários liberais entram na luta para (dizem eles!) lutarem também contra o preconceito, seja ele de que forma for. Eles dizem que vem para ajudar e não são racistas, não são responsáveis pelos preconceitos formulados no planeta, são diferentes. No filme, a professora Eliott chama estes brancos liberais à responsabilidade: Sim vocês são responsáveis! “Mas eu não faço nada com ninguém!” diz um deles revoltado. Mas não fazer nada, segundo ela, já é uma grande coisa para que o racismo se propague... O reconhecimento na verdade, é o primeiro passo para uma luta mais concisa.

O filme OLHOS AZUIS evidencia o obvio: que o racismo atinge ao branco e ao negro de formas diferentes. Que o negro sempre é levado a pensar sua negritude, seja como subalternidade ou como resistência e alegria entre os seus. Ao contrário, o branco nunca é levado a pensar sua branquitude, já que ela nunca foi testada, nem humilhada, nem posta em xeque... A branquitude para o branco não existe. Não é uma identidade. É nada... E é neste caminho que a professora traça sua pedagogia... Colocando a identidade branca em xeque, da maneira mais violenta e desumana possível... Para quem sabe ser reformulada e mudar num futuro, verdadeiramente...