Salvador é uma cidade perfeita para uma pessoa racista viver feliz! Acha que não? Imagine uma cidade em que a maioria, esmagadora, da população é negra, vive no subúrbio, achatada em lugares horríveis, perigosos e muito distantes da parte “elitizada” ou “branca” da cidade, você lê com o nome que achar melhor. Ainda, em Salvador existe uma cultura negra vendida como principal produto da cidade para os turistas, junto com esta tradição tipo exportação agrega-se estereótipos dos mais vastos e nas mais diferentes categorias. Vende-se além do candomblé, dos batuques do pelourinho, das baianas de acarajé, do Centro histórico, dos ensaios de blocos afros produtos como o pau grande do negão, o tempero quente de uma nega na cama, o moleque de recados, o soteropolitano que não tem mais o que fazer e serve de guia turístico para aqueles que aqui aportam, personagens vivos do filme/série Ó Pai Ó, a piriguete, o rasta etc.
A cidade tem como em qualquer outro lugar uma estratificação enorme. As duas populações, branca/negra – elite/pobre, vive em lugares totalmente diferentes, com signos distintos uns dos outros. Nada diferente de outras cidades do país. Mas o diferencial aqui é que em Salvador nós somos a maioria. Essa maioria segregada vive a mercê da sua própria cultura, sem chance muitas vezes de transformar a sua história para gringo ver em algo mais conciso, com real substancia e que imponha respeito.
Ou seja, Salvador não é realmente completa, para alguém racista viver? População de maioria negra, esmagada pelo subdesenvolvimento, sem instrução sobre si mesma e iludida pelo valor de mercado imposto ao nativo em base dos estereótipos que pipocam em todas as épocas do ano. Na contra mão existe uma outra cidade bonita e em crescimento acelerado que tem uma outra cor, um outro modo de vida, que quando sente necessidade migra para as partes “afros” da cidade para ter um pouco de diversão livre e passageira.
E como toda cidade estratificada que se preze concentra na parte nobre da cidade seus principais pontos de divertimento. Teatros, cinemas, casas de shows todos estão nas zonas consideradas ilustres. Distante, as vezes leva-se horas para chegar em determinados lugares, daquela outra cidade, de cor negra, bem distante dos pontos de cultura oficias. Não que no subúrbio ou periferia não aconteçam movimentos populares, eles pipocam aos montes, mas será que o que é feito no subúrbio é considerado arte?
Salvador há muito tempo já perdeu a tradição dos cinemas de bairro, também a pouco tempo experimentou o sucateamento de cinemas como o BAHIA, o GLAUBER ROCHA, EXCELCIOR, TAMOIO, ART 1 e 2, PAX, JANDAIA, ASTOR E TUPI desaparecerem, viraram igrejas evangélicas ou cines pornôs ou estão caindo aos pedaços ainda. As grades salas, que passam tanto os filmes pipoca quanto os filmes de arte se encontram distantes, em bairros geralmente nobres, shoppings, mas parece que a distancia nestes lugares é mais do que espacial... É ideológica.
Lembro até hoje de sessões lotadas – o Cine Glauber Rocha mesmo tinha mais de 600 lugares e era lindo – nos cinemas do centro, regadas a pipoca e era um lugar onde todos iam. Do advogado ao vendedor de picolé. Lembro de ter visto quando criança e adolescente filmes como Jurassic Park, Jumanji, Batman Forever, Titanic, Mortal Kombat, Lua de Cristal (eu era pirralho perdoem! Além do mais, “filmes de arte” sempre tem censura maior...) os filmes dos Trapalhões, nos cines do centro da cidade. Lembro também que o cinema do Shopping Iguatemi, que hoje não existe mais, tinha um outro público, era bem mais caro e totalmente estratificado, apesar de não existir nenhuma placa avisando a proibição de certos tipos de pessoa... Hoje quando vou aos cinemas de shoppings ou mesmo os cinemas onde são exibidos os chamados filmes de arte o publico cada vez é menos popular, menos negro...
Claro que existe toda a fórmula ideológica na construção das relações de poder do local, também existe a pirataria que fez com que moradores do subúrbio não precisem sair de casa e conferirem os grandes filmes que estão passando. O que parece é que a cultura que passa neste lugares seus filmes e outros tipos de arte que perpassam pelos espaços culturais são feitos para determinado tipo de pessoa. E a mistura que todos falam que existe em Salvador na verdade não existe.
Lembro ainda da experiência de ver os filmes no antigo CINE GLAUBER ROCHA algo mágico até. A pipoca que cheirava a quilômetros na Carlos Gomes, os dois andares da grande sala de exibição... Nada parecido com o insossa movimento de assistir a um filme em um multiplex ou cine de arte com seu público “alternativo” que se acha o máximo só por que está assistindo filme francês do momento ou mais um exemplar de Pedro Almodóvar... O cinema aos poucos transforma-se em uma arte elitizada, perdeu um pouco do seu caráter popular... também não se encontra mais parte de sua magia... Movimentos estão sendo feitos para que o cinema não perca sua característica de arte popular... Mas isso é assunto para uma outra postagem.