Das três vezes que assisti Cabaré da Raça nunca me senti satisfeito com tudo que vi no palco. O que sentia era que faltava alguma coisa... O espetáculo do Bando de Teatro Olodum que já tem mais de dez anos, encenado em várias partes do mundo, é uma revista musical que foi feita inteiramente para provocar. Independente como isto chegue ao público o primeiro objetivo do espetáculo é a provocação. Isso fica nítido nas interrogações propostas a platéia pelos atores. E as perguntas/provocações não são poucas, já que Cabaré da Raça fala sobre racismo no Brasil, abordando muitos dos subtextos que este tema pode abrir como, presença do negro na mídia, identidade racial, religião, abolição da escravatura – 13 de maio, cotas nas universidades, mito do negro como objeto sexual e situações de discriminação no dia-a-dia, entre outros. Tudo com muita música, muito bom humor e muita (muita!) provocação.
E das três vezes que vi este Cabaré presenciei espetáculos completamente diferentes. Desde o figurino que mudava a cada temporada (vi um com todos os atores com roupas que caracterizavam seus personagens, outra com todos vestidos de branco – o melhor até hoje – e um vermelho não muito bom), até atualizações no roteiro e na forma como abordavam a platéia. Também as músicas mudavam vez por outra, uma coisa que via de uma forma em um ano, no outro estava bem diferente. Cabaré tem este ponto a favor, como trata de um assunto que se reesignifica como o racismo, existem possibilidades do espetáculo também se transformar. O espetáculo mistura canto, dança, interação com a platéia e tudo mais que o caldeirão do Bando de Teatro Olodum quiser misturar.
Mas o que me incomodou tanto das três vezes que vi Cabaré da Raça? O texto! O texto para mim é um problema. Não que seja ruim, mas nunca me contemplou. O texto do espetáculo – uma parceria entre Marcio Meireles e o próprio Bando – oferece lacunas demais, existem buracos enormes. Neste ponto o texto deveria ter mais foco, não oferecer tantas perguntas e sim respostas. Cabaré provoca, mas ao mesmo tempo não informa em muitas das suas passagens. Deixa coisas como o mito do negro como objeto sexual ao desleixo, sem desenvolver um assunto que gera prostituição em zonas, por exemplo, como o Pelourinho, entre outros lugares.
O texto muda, ele não se mantém estático no tempo. O Bando sabe muito bem que o racismo e a luta contra ele se transforma e fala por exemplo de cotas nas universidades. Mas a abordagem é rasa, as perguntas são muitas e no final a provocação sem conteúdo fica no lugar da informação que aguça. Outro ponto são os brancos da platéia – que vão em massa ver o espetáculo (ainda bem!) – eles saem do teatro satisfeitos. O texto fala sobre racismo, mas não atinge seu inventor e principal beneficiado, o branco. Não digo que os atores deveriam ofender e fazer um complô contra o publico branco que está na platéia, mas este mesmo publico se diverte, ri e parece nunca se incomodar com a forma que o assunto é tratado. Existe uma parte que sempre me marcou, uma das ultimas passagens de Cabaré da Raça em que os atores recitam frases que degradam o negro que são clássicas como “Negro quando não caga na entrada caga na saída”. Das três vezes reparei que a platéia se divide em aqueles que riem – na sua grande maioria brancos – e aqueles que se calam e se revoltam , na maioria negros.
Os personagens também beiram ao caricato quando não se entregam de vez a ele. Principalmente o personagem homossexual, que mais parece um hetero imitando um gay bastante efeminado, o clássico personagem gay pintoso que o teatro homofóbico consegue enxergar e adorar. É curiosamente um dos personagens que mais tem falas que informam sobre racismo, mas a seriedade daquilo que fala é cortado pelo tom com que este personagem chega a platéia. É uma alegoria, um palhaço de luxo. Surge a pergunta: Quando o teatro baiano vai aprender a fazer personagens homossexuais que não sejam meros imbecis para heterossexuais rirem?...
No final fica a sensação de vazio. E também de esperança. De que informem sobre racismo e não só provoquem. Cabaré da Raça é divertido, é alegre, tem musicas lindas, tem questionamentos muito válidos, mas a sensação de vazio mesmo depois da terceira vez continua no peito. Fica faltando alguma coisa, fica parecendo àquela conversa de bar que não se completa, não atinge um sentido. E o racismo tem sentido e objetivo muito vivos.
2 comentários:
Quando O Bando apresentou Cabaré da Raça em minha cidade, houve um bate-papo com os autores no final, creio que ninguém saiu com a sensação de vazio. Acredito que o objetivo da peça é justamente questionar, deixar a platéia com dúvidas, para que assim cheguem a uma conclusão própria e pessoal.
Vi a peça 4 vezes. E quando vou levo amigos. Eu tenho minha opinião formada. Cabaré mais provoca que informa. Ou informa pela provocação, tanto faz... Mas no final sempre pergunto pras pessoas oq ue elas acharam. Os brancos sempre se divertem, os negros ficam pensativos e quase nunca me dão uma resposta... Minha resposta ainda é o vazio. E eu simplesmente não suporto o personagem negro gay da peça. Caricatura das caricaturas. A homofobia agradece!!!!!!!
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