quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

CARNAVAL 2010. Dê-me um ouvido seletivo agora!

O Carnaval de Salvador é realmente uma festa bonita. Disso ninguém pode falar. Este ano saí um pouco para me divertir com amigos em uma das maiores – se não a maior – manifestações populares do Brasil. É gente de todo canto, de todos os estilos, e com o passar do tempo o Carnaval vem ficando mais eclético, mais diversificado, performático e também mais dançante. Tem pra tudo quanto é gosto, do axé tradicional ao rock alternativo. É só escolher, de fora é que você não vai ficar.

Mas... Sempre ele não é mesmo?... Por mais que a gente se esforce e vá para a rua somente com sentido de se divertir certas coisas acontecem para deixar a língua e ouvidos de qualquer um (ou pelo menos dos mais atentos) coçando. Sempre tem um comentário chato, ou algo que você vê que não agrada aos olhos, tem vezes que você torce para ter ouvido seletivo, mas infelizmente não tem. Sim, neste carnaval ouve pérolas das mais distintas. Diverti-me claro e muito, mas como não sou idiota também reparei em muita coisa por trás da premissa de festa da diversidade como o Carnaval é vendido para turistas e baianos.

Tem coisas que de tão no lugar todo ano já se tornam clichês do carnaval soteropolitano. O racismo é uma delas, cordeiros quase que totalmente negros, se espremendo na corda e dando proteção (em alguns blocos) a uma maioria branca dentro da corda. Turistas de fora indo atrás da cultura do “nego do pau grande” e da “nega fogosa”. Tinha gente que não agüentava e gritava aos quatro cantos “Eu quero um negão! Só presta se for negão!”. Vi isso uma dezena de vezes. Tornou-se quase um movimento cotidiano, quase que invisível, como uma estatua que fica na praça, é presente, mas todos que passam não dão a mínima para ela. Gente branca chegando perto de pessoas negras e dizendo que o clima ali não estava mais legal, que ali só tinha ladrão, que tudo estava pesado e que queriam ir embora. Chega a ser louco o medo que a população branca tem da negra, que expelem seu racismo de uma forma tão aberta sem nem reparar quem transformam em vilão.

Também tem a máxima: “É bom ter carnaval em Cajazeiras. (subúrbio de Salvador) Gosto da idéia. É bom que mantém aquele povo lá longe. Não vem pra cá. Aqui fica mais tranqüilo”. O “aqui” seria a Barra, local onde se concentram a população mais abastada da cidade e onde tem mais turista também. O objetivo da prefeitura foi reparado por aquele que vai usufruir daquilo que ela tanto quer mostrar. A prefeitura afasta o povo “baixo astral” e os cidadãos de bem agradecem... Dentro desse patamar racista, o Carnaval de Salvador também abre janelas para outros conceitos bem formulados: homofobia, sexismo, preconceito de classe, preconceito contra pessoas com deficiência física etc etc etc...

Sim, eu me diverti e muito. Dancei do axé mais louco á marchinha de carnaval mais antiga. Mas não vou ficar imune as coisas que ouço ou fechar os olhos as coisas que o mundo insiste em me mostrar. Carnaval é dançante, mas como todo mundo ta na folia, meio alto na maioria das vezes, tudo se torna mais explicito.

Mas ás vezes... Somente as vezes... E o carnaval é uma ótima época pra isso... As pessoas esquecem suas diferenças e toleram certos tipos de comportamento que são proibidos depois da quarta feira de cinzas. Quer um exemplo? Nunca vi tantos homossexuais se beijando na rua, realmente aumentou o nº de casais gays que se beijavam livremente independente do bloco ou de onde estavam. Um estudo mais detalhado sobre isso, pra quem se interessar, procure os trabalhos do brasilianista James Green. Homem com homem e mulher com mulher não viram jacaré no carnaval, mas vai fazer isso em uma praça de alimentação de um shopping depois pra ver se acham bonito, vai!...

A beleza da mulher baiana é ressaltada a toda hora. E as mulheres dos blocos afros são cobiçadas como pepitas de ouro. Lindas, maquiadas, negras, com adornos na cabeça, um orgulho de ser mulher... Chove homem ressentido doido para pegar as deusas do ébano, usá-las como objeto sexual e status e depois largá-las sem que nem pra que... A garota que “tem cara de empregada doméstica” é cobiçada de uma forma incrível. Até por que na maioria das músicas ela é descrita como um tesouro. E ai o turista quer saber que tempero é esse que inspira tantos artistas...

Fui para me divertir e acabei encontrando mais do mesmo. Sabe aqueles velhos clichês, os velhos dizeres das cartilhas preconceituosas de todos os anos, os policias batendo na população suspeita – dou um doce pra quem adivinhar a cor dessa gente – é sempre a mesma coisa. Gente se divertindo e voltando em buzu amarrotado, taxista que se recusam a fazer corrida rápida, policia violenta alegando proteger a população, cantor em cima do trio dizendo que o Carnaval é lindo e que não viu uma briga (!!! Ligue não, artistas geralmente são cegos!), turista sedento por carne negra, muita festa, camarotes cada vez mais altos, muita festa, muita alegria, trios revisitando clássicos do axé...

Acho que se fosse um imbecil meu carnaval teria sido maravilhoso, tipo cinco estrelas. Sim. Se olhasse para as coisas e não ligasse e achasse tudo lindo, bonito, divertido, dinâmico... Carnaval é uma festa que tem tudo pra ser a melhor coisa do ano realmente, mas as pessoas... Meu Deus ela conseguem reverter à ordem das coisas. Dancei muito, brinquei muito, dei muita risada, mas ouvido seletivo ainda não aprendi a ter...

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