terça-feira, 8 de junho de 2010

O Artista Branco é um "Travesti" em Potencial?

Assistindo dia desses um dos DVDs de Madonna, reparei uma coisa que no mundo onde a cultura pop domina é tido como algo de pura criatividade: a metamorfose da artista. Desde que Madonna surgiu nos anos 80 e explodiu para todo o mundo, nenhum artista deixou de imitar um conceito que foi ampliado à enésima potencia através dela, a reformulação da imagem do cantor dividindo seu conceito artístico em fases. E Madonna já teve um milhão delas; indiana, hippie, rapper, nipônica, revoltada anos 80, virgem, quase virgem, sado masoquista, cigana, espanhola, disco etc. reparando nos DVDs de Madonna algo me chamou atenção para além. A transformação “aceitável” doa artista branco naquilo que ele quiser e tiver vontade.
Não é de hoje que a televisão, o cinema, a música coloca o artista branco como um agente transformista em potencial. O artista branco tem a “capacidade” de ser além dele mesmo, ser o outro. Existem vários exemplos neste aspecto: A Cabana do Pai Tomás (1969) em que o ator Sergio Cardoso (branco) fazia o personagem principal negro, a novela Aritana (1979) em que o personagem indígena é feito pelo ator Carlos Alberto Ricelli, quadros de humor que até hoje pipocam na tv brasileira em que atores brancos se travestem de personagens negros caricatos, mais recentemente a novela das seis Alma Gêmea também tinha uma personagem indígena que era interpretada por Priscila Fantin. No mundo da musica os artistas brancos encarnam em clipes e turnês identidades múltiplas, a própria Madonna que citei acima é um exemplo até datado, mas no Brasil encontramos a cantora Daneila Mercury que encarna todos os tipos brasileiros em um corpo só. A atriz Elizabeth Taylor imortalizada até hoje como Cleópatra fazendo um papel que deveria ser de uma atriz negra.
Mas porquê isso? O porquê o artista branco é requisitado para ser o Outro? E o pior, por que o publico aceita este tipo de coisa como se fosse algo normal? Primeiro por que a figura do homem/mulher branco é tida como universal. Robert Stam e Ella Shohat ressaltam que durante muito tempo os artistas brancos foram requisitados para representar todas as raças em Hollywood. Como se a brancura pudesse ser adaptada para qualquer tipo físico e cultura. Outro ponto que chamo atenção é que indígenas ou negros sempre tiveram seu lugar na mídia, um lugar meio que de lado, mas estavam lá. Por exemplo, para representar um papel indígena principal é requisitado um artista branco, mas os coadjuvantes/figurantes são feitos por atores indígenas ou até indígenas não atores. Para representar o papel do negro protagonista bonzinho foi requisitado um ator branco que era pintado de negro, colocavam nele uma peruca de cabelos crespos, e alargavam seu nariz com rolhas, mas os papéis de negros fujões, revoltados, quilombolas eram representados por negros mesmo. Um ator branco representando outra raça encarna com mais perfeição a visão pretensamente positiva que os brancos poderiam ter das outras raças, já que os brancos no mercado cultural são vistos como artistas que vão além da etnicidade.
A facilidade de Daniela Mercury de falar/cantar de assuntos completamente diferentes como cultura afro, cultura indígena, em um de seus DVDs ela vem com o conceito de “mulatismo”, de mistura de raças, de candomblé, nordeste, é por que ela é branca. Ela tem a capacidade de ser várias coisas por que tem a pele clara. Então se o público encontrar ela no Projeto Por do Sol dia primeiro do ano, no Farol da Barra, vestida de índia Pataxó cantando um axé em tupi, a maioria vai achar lindo, ousado, performático, tendencia, digno de uma diva. Quando a novela com a índia Serena que queria ir incansavelmente pra “Sam Paolo” estreou, lembro que o Vídeo Show fez questão de mostrar o laboratório da atriz Priscila Fantin em território indígena e como ela fazia para manter o cabelo liso daquela forma. E o público achou normal, tanto que a novela foi um sucesso na época e também quando foi reprisada à tarde. Por quê? Por conta da “universalidade” que a pele clara atingiu no imaginário coletivo brasileiro.
Gente famosa como William Shakespeare, Bertolt Brecht, Madonna, Weber, Marx, Jostein Gaarder (autor de O Mundo de Sofia), as quatro amigas do seriado Sex and The City, Sartre, Virginia Woolf, os personagens de Jose Saramago, as sinfonias de Beethoven, entre outros são considerados figuras da cultura universal. Mas na verdade, seus trabalhos tratam de cultura local expandida como se atingissem toda humanidade. Não que esses trabalhos na verdade não atinjam as populações, atingem sim. Mas o que quero problematizar é por que atingem com muito mais facilidade do que um livro de Alice Walker, por exemplo e suas personagens negras? Por que o negro e outros é tido como local e o branco como universal?
A metamorfose da pele branca acontece na hora em que o sujeito branco bem quiser e entender, pois a brancura é legitimada como universal. O artista branco pode na arte (será isso também fora dos palcos?) ser quem ele quiser, negro, indígena, africano, cigano, mouro, japonês, aborígene e até ele mesmo... Existe há muito tempo, por conta de intenso trabalho dos movimentos negros, uma reformulação da identidade artística do negro no Brasil. Mas outras raças continuam invisiveis, além do próprio negro que ainda encontra barreiras no mercado publicitário brasileiro e também na dramaticidade. A brancura da arte ainda é um desafio a ser quebrado.

5 comentários:

Anônimo disse...

Tudo que vem do branco ainda é tido como "melhor", "confiável", "bonito"... Basta ver em nossos propagandas publicitárias: profissionais da saúde, empresários, reuniões familiares... todos são brancos! Quando você vê um negro, ele é representado como uma família de baixa renda, operário, pessoa carente.
No meio artístico, o branco é versátil; ele pode retratar um negro, um índio, e temos isso como normal. Já foi aceito. Se fosse o contrário, como iríamos reagir?

O que nossos artistas passam não difere muito do que os de Hollywood passam (segue site abaixo - em inglês):

http://www.racebending.com/v3/general/actors-of-color-in-hollywood/


No jornalismo, poucos são os negros/ mulatos com espaço na área.
Se você é diferente, você é alvo de algum tipo de discriminação por ser alto demais, baixo, albino, homossexual, gordo, magro, e por ai vai.

Quando vamos conseguir aceitar as diferenças?

Anônimo disse...

É a primeira vez que acesso o blogg, e olha que foi por indicação no facebook, mas confesso que fiquei encantado com a informação. Nunca havia me atentado para essa realidade e realmente é a pura verdade. Infelizmente a arte peca quanto o uso das raças, esquecem ou fazem pouco caso da nossa humilde inteligência e acabam por vezes nos impondo personagens "transformista" como bem empregado pelo autor autor acima.
Caro autor, você está de parabéns. Belíssima informação postada.
Abraços!

Filipe Harpo disse...

Muito obrigado pelo elogio... anônimo. rsrrs

rodrigo r disse...

Lindo o artigo,adoro o humor das palavras e a verdade nelas!Paraens!!

Filipe Harpo disse...

Obrigado pelos elogios Nita e também obrigado pela visita