Para que serve um espetáculo teatral? Um espetáculo serve para divertir a platéia, informar, provocar, instigar, desmistificar, abalar, fazer sorrir, emocionar, incomodar, quebrar modelos, surpreender, embasar, armar o espectador, um espetáculo serve para um monte de coisas e é esse monte de coisas que Sete Ventos , espetáculo em cartaz em Salvador somente neste fim de semana, inspirado no mito de Iansã, vai fazer você sentir. Perfeito em sua execução, com texto versátil e mirabolante, o espetáculo explode para todos os lados provocando, informando e divertindo como um bom espetáculo teatral compromissado deve fazer.
Por que compromissado? Por conta que Sete Ventos, na verdade um monólogo, feito pela atriz (antiga Cia dos Comuns) Débora Almeida, é fruto de muitas pesquisas por parte da atriz, que ao construir o espetáculo se revezou entre o oficio de atuar, dirigir e escrever. Sete Ventos é o resultado de um trabalho de muito tempo de pesquisas, sobre o mito de Iansã, sobre identidade negra, identidade de mulher negra, sobre a transformação do mito no século XXI, depoimentos de mulheres negras, dentre outras. Desse caldeirão de pesquisas nasce, em meio a improvisações e estudos, o espetáculo que fala sobre Barbara e sua trajetória de vida. Simples assim. Só que como toda pessoa, como toda mulher, como toda mulher negra, sua identidade transita entre varias outras vidas também. Como deixa muito claro em vários pontos da peça, Barbara, não é somente dela, ela é mãe, é filha, é irmã, é neta, é filha de santo e um monte dentro dela mesma.
E nesta mostragem de identidades é importante destacar o texto, que costura como poucos, tantos personagens vivenciados pela excelente atriz. E o melhor, você se identifica com todas as personagens, por que o texto transcende. É um monologo, feito por uma mulher negra, para mulheres negras, mas não tem como os homens (acho que só os mais insensíveis) não se identificarem, não verem uma mãe, uma filha, uma irmã sua ali, vivenciada no palco. Além que o texto tem momentos de pura magia, lirismo e de puro humor escrachado. Tem piadas que bolem com antigas identidades negras, novas identidades. Pena que não dá para contar aqui algumas pois faz o riso perder a graça.
E como transitar sem medo por tantos gêneros em um só monologo? Com talento! E isso Débora Almeida tem de sobra. A atriz diz coisas olhando pra você, olhando para o espectador, buscando o interesse dele, não deixando pensar no mundo lá fora. Ela quer você junto dela, compartilhando de tudo aquilo que ela fala. É uma das melhores atuações que já vi na vida, parece uma prima sua querida que você não vê a um tempão e ela começa a te contar historias da vida dela a você contadas somente para aquela conversa.
A peça tem pontos negativos? Hum... Tem. Não gostei da luz. Parece que o iluminador do dia não estava inspirado ou não estava familiarizado com a parafernália do Cabaré dos Novos por que a luz não estava casando com os movimentos de Débora no espetáculo. E olha que o desenho de luz é perfeito. Mas muitas vezes vi, ou não vi, Débora no escuro. Dentro do marco de luz, mas opaca. E isso necessariamente não é culpa do iluminador. Alguns atores insistem em ser membros da “Escola do Escuro”, mantendo-se fora de foco achando que o público vê eles perfeitamente. Um recadinho de quem estava na platéia: Não vê não viu?! Recentemente fui a um espetáculo no Gamboa, também um monólogo, que o ator ficava tão na beira do palco e fora da luz que sua cabeça era completamente decepada pelo escuro. Fica a pergunta: Manter-se no escuro – e dar o texto todo nele – é uma nova técnica teatral que a platéia ainda não se familiarizou nem alcançou? Ainda bem que estes dois exemplos são de fora da cidade...
Do mais, Sete Ventos é ótimo. Prepare-se para ver um monólogo cheio de qualidades, com texto afinado e feito por uma atriz emocionada em apresentar
Nenhum comentário:
Postar um comentário