segunda-feira, 27 de setembro de 2010

OGUM DEUS E HOMEM

Assistir OGUM DEUSE HOMEM foi uma experiência sem precedentes. Neste fim de semana, quando fui ver a estréia do espetáculo de formatura da diretora Fernanda Julia, esperava algo de qualidade, mas como espectador não esperava me surpreender tanto. Surpresa na fila que dava voltas na Escola de Teatro da UFBA com o público afoito para ver um espetáculo com temática centrada na cultura negra, mais precisamente nas divindades do Candomblé, surpresa por ver, quando as cortinas se abriram, algo feito com tanto carinho e também por presenciar a homenagem, no final do espetáculo, ao povo de teatro (ou não) que mantém a cultura negra viva nesta Bahia de maioria negra, mas ainda carente de referências de si mesmo.
Depois de uma pequena “confusão” por conta da falta de ingressos proveniente do adiamento da estréia do meio da semana para Sábado e de algumas pessoas na fila inchando por poder voltar pra casa sem ver o espetáculo – loucura devidamente resolvida por alguns membros da produção – entramos e fomos recebidos por Exu (feito por Fernando Santana) parado no corredor bem próximo ao palco. Alguns lugares já estavam tomados por pessoas mais velhas – prioridade de publico do espetáculo. Achei isso o máximo e de um respeito incrível. Para aqueles que não sabem a cultura negra, por conta do Candomblé, reverencia e sede o lugar sempre aos mais velhos, por uma questão obvia! Foi bonito ver uma produção se preocupando com os idosos, pois geralmente a arte volta muito os olhos para a juventude. Além de nós mortais, estavam lá gente como Ângelo Flavio, Hilton Cobra, Marcio Meireles, Chica Carelli, alguns membros do bando de teatro Olodum, dentre outras figurinhas do cenário teatral soteropolitano que se for listar aqui fico até amanhã.
Quando o espetáculo começou – com mais de 20 minutos de atraso – Exu entrega um pequeno panorama para o público e informa que aquele espetáculo tratava-se antes de qualquer coisa de uma historia de amor. É quando as cortinas são abertas e os meus olhos e de toda a platéia se surpreendem com o que estão presenciando. Sem sombra de dúvidas se tem uma coisa que Fernanda Julia sabe fazer é pressão para encantar o público. Já vi alguns espetáculos no Martin Gonçalves, mas nunca reparei que aquele palco fosse tão grande. E para contar as historias grandiosas do Orixá Ogum,, deus do ferro e da tecnologia, era preciso muito espaço. Para isso a diretora abre o palco e revela a cenografia também gigante de Yoshi Aguiar que eu não vou contar aqui muito sobre para não estragar a surpresa, mas... O que era aquele cubo gigantesco estendido no palco?!!! Fiquei atônito!
O espetáculo então começa a trazer os mitos do Orixá Ogum, sua relação com os outros deuses como Iansã, Exu, Oxossi, Nanã, Xangô, seus amores, sua vontade de ser homem e não somente Deus e também seu poder junto ao desenvolvimento da tecnologia no mundo. Não espere uma forma didática de lhe dar com as historias. A diretora em parceira com o ator Fernando Santana abre um leque surpreendente de formas de se contar os mitos todos com um texto enxuto e simples. A dramaturgia do espetáculo consegue resumir bem o conceito do titulo da peça: entregar ao público um ser divino que também era homem, com defeitos e qualidades. E foi bom também presenciar um espetáculo que tratava com seriedade e com muito bom humor os orixás. Não digo o humor infeliz, mas algo leve para dizer que os Orixás são seres que estão muito mais perto de nós que os outros, levados a sério demais...
E o elenco um primor, destaque para Val Perré que faz Ogum com a firmeza e a força que eu sempre imaginei. Fernando Santana como Exu, muito bem humorado e Deilton José com seu Xangô ousado. Esperava ver uma Iansã mais bem trabalhada no palco, até por que o momento que ela aparece para Ogum é magnífico e ao decorrer do espetáculo a Orixá das tempestades vai perdendo força.
Aliás, força e beleza é algo presente nos figurinos. Remodelar as vestes dos Orixás com elementos da atualidade foi uma idéia maravilhosa. Afinal de contas, não é todo dia que você vê um Orixá com correntes de metal, roupas estilizadas e tênis igualzinho ao que a gente tem em casa. Tudo muito atual, mas sem perder a respeitabilidade pelo tema. A trilha sonora um espetáculo a parte; cheguei à conclusão que Jarbas Bittencourt não sabe fazer música ruim. Nem sob pressão ele consegue! Acho só que em alguns momentos a música abafou o canto dos atores, no dia em que vi estava alta demais em algumas partes.
A iluminação é perfeita, mas em alguns momentos os atores não estavam bem iluminados. Não era culpa necessariamente dos técnicos da luz, mas de certos atores. Teve uma vez que não consegui ver o rosto da atriz e somente seu corpo. Isso realmente me incomoda. Não é a primeira vez que digo isso. A gente – que é publico – precisa ver o espetáculo. E se o ator está no palco é para ser visto, ou só eu não sei, nem nunca consegui alcançar, essa nova técnica do ator no escuro?...
Depois que o espetáculo acabou, com aplausos calorosos e gritos empolgados da platéia – sim eu também gritei! – presenciei um dos melhores discursos/homenagem que já vi na vida. Fernanda Julia, emocionada, falou da sua trajetória como diretora, negra, vinda do interior da Bahia, que queria falar de algo diferente, dentro de uma escola de teatro cercada na obviedade do eurocentrismo. Discursava sorrindo sempre. Com um bom humor típico daqueles que chegam ao final da jornada e sabem que venceram o inimigo.
Fernanda não é qualquer tipo de diretora na universidade. Primeiro que ela não esta no inicio de uma jornada, sua Cia de Teatro Nata tem mais de 10 anos e a cada espetáculo traduz a maturidade cada vez mais avançada da sua fundadora. Presenciei três peças deles Perfil – Só Vendo Pra Crer uma colagem de textos que evidenciava a pluralidade da Cia, A Eleição que ficou em cartaz no Cabaré dos Novos e este OGUM DEUS E HOMEM. Cada espetáculo trazendo algo de mais positivo que o outro. Fico imaginando o processo de direção de Fernanda, ela dando indicações para os atores e eles tendo que se virar nos 30 para conseguir chegar ao que a imaginação dela alcança.
Assistir OGUM DEUS E HOMEM foi uma experiência maravilhosa e encantadora. Vi um espetáculo centrado na cultura negra que abandonava o obvio em TODOS os sentidos. Eu não agüentava mais ver o Candomblé limitado a “pano branco, acarajé e palha da costa”, até por que a cultura proveniente das religiões de matriz africana é muito mais do que isso. Ver Ogum envolto a tanta tecnologia foi um prazer sem precedentes. No palco do teatro Martin Gonçalves estava ali presente a historia de um Orixá que resplandece em força, garra, coragem. OGUM DEUS E HOMEM está aqui dentro, está guardado em mim e eu não retiro. Não perca!

3 comentários:

Anônimo disse...

É uma pena que por traz de tanta plasticidade exista a força de trabalhos usurpados e não creditados bem como de falsas posturas em relaçaõa preservação da cultura afro brasileira quando o real intuito da DIRETORA além de se auto promover seja vender sua mãe como pretensa YALORIXÁ, é triste saber que mais uma vez um alguem que tinha condições de fazer a diferença seja apenas mais,e que use o teatro que a arte do fazer de conta para fingir cupar no mundo um espaço que não lhe cabe.

Jub´s disse...

Queria muito ver essa peça. Sou do Rio de Janeiro e só de você contar alguns detalhes, eu me interessei absurdamente.

Tomara que venha para o RJ....

Ahn, parabéns pelo blog.

Filipe Harpo disse...

A peça ficou em cartaz por pouco tempo Jub's, a diretora colocou recentemente um espetáculo sobre Yansã nos palcos.

Pelo elogio.. muito obrigado. Abraços grandes.