Quem deixou seus cabelos crespos crescerem e acabou em algum momento trançando-os, com certeza já ouviu este tipo de pergunta. Pode ser todo tipo de penteado afro, na verdade, mas o cabelo crespo trançado é o mais sujeito a indagações. Se o (a) sujeito (a) tem um dread a pergunta então é repetida inúmeras vezes. Eu, que tenho o cabelo crespo, trançado de dois, sou toda semana questionado por alguém (geralmente de pele clara) de como lavo, cuido, conservo (?!) o meu cabelo.
Não posso descartar a curiosidade das pessoas. Mas parto do pressuposto de que todo cabelo se lava ou pelo menos se deve lavar independente do sujeito. Nunca fui de chegar a nenhuma pessoa branca e perguntar como o cabelo dela é lavado, ou mesmo de ter a ousadia de perguntar a ela se lava o cabelo. O outro para mim não é um objeto exótico e sim algo comum igual a mim também. Existe, no imaginário da sociedade, que o cabelo crespo é um tipo de mistério, um elo perdido a ser desvendado e revirado de cabeça para baixo.
Vivi situações constrangedoras, não por conta do meu cabelo, mas sim por causa da ignorância das pessoas frente a ele. Por exemplo, no dia em que estava em uma fila de banco e uma senhora começou a conversar comigo sobre a demora do atendimento. Resolvi dar corda a conversa, pois também estava puto da vida com aquilo. Conversa vai, conversa vem, entramos no assunto racismo (nem me lembro o porquê na verdade) e ela colocou em pauta a forma como cuidávamos o cabelo. A conversa começou como geralmente começa este tipo de abordagem, ela dizia “Eu adoro a cultura negra! Por que eu não tenho preconceito, você sabe né? Sou assim amarela, mas tenho uma irmã de consideração negra, da sua cor assim, e minha avó também é negra, descendente de escravos. Eu tenho orgulho!” ai vem o pancadão, ela continuou, “E agora muita gente tá colocando estes penteados. Essas tranças. Eu até gosto. Só não gosto quando não lava né? Fica seboso, uma porqueira”. “Mas senhora, todo mundo lava o cabelo”... Eu ainda dou corda... E ela: “Nada disso. Bob Marley não lavava o cabelo e tem gente que segue os costumes dele até hoje!”
De outra vez estava eu na carona de um colega e do nada vem a pergunta:”Ô Filipe, se lembra de fulana de tal, aquela negona do cabelo rasta?”, eu conserto, “Não é rasta o cabelo dela, é trançado”, “Sim que seja. Como é que ela lava o cabelo dela?”. Em dois segundos o sangue sobe, eu conto até cem e consigo me acalmar para dar uma resposta minimamente educada ao meu colega dono de um racismo nítido. “Você lava o seu?” ele responde que sim com a cabeça, como se dissesse ser obvio. “Como?”, retruco novamente com a cara mais cínica do mundo. “Com xampu, condicionador, muita água”, ele responde não entendendo o bate volta. “É do mesmo jeito que você lava o seu cabelo que ela lava o dela! E por que ela não lavaria?”
Não posso descartar a curiosidade das pessoas. Mas parto do pressuposto de que todo cabelo se lava ou pelo menos se deve lavar independente do sujeito. Nunca fui de chegar a nenhuma pessoa branca e perguntar como o cabelo dela é lavado, ou mesmo de ter a ousadia de perguntar a ela se lava o cabelo. O outro para mim não é um objeto exótico e sim algo comum igual a mim também. Existe, no imaginário da sociedade, que o cabelo crespo é um tipo de mistério, um elo perdido a ser desvendado e revirado de cabeça para baixo.
Vivi situações constrangedoras, não por conta do meu cabelo, mas sim por causa da ignorância das pessoas frente a ele. Por exemplo, no dia em que estava em uma fila de banco e uma senhora começou a conversar comigo sobre a demora do atendimento. Resolvi dar corda a conversa, pois também estava puto da vida com aquilo. Conversa vai, conversa vem, entramos no assunto racismo (nem me lembro o porquê na verdade) e ela colocou em pauta a forma como cuidávamos o cabelo. A conversa começou como geralmente começa este tipo de abordagem, ela dizia “Eu adoro a cultura negra! Por que eu não tenho preconceito, você sabe né? Sou assim amarela, mas tenho uma irmã de consideração negra, da sua cor assim, e minha avó também é negra, descendente de escravos. Eu tenho orgulho!” ai vem o pancadão, ela continuou, “E agora muita gente tá colocando estes penteados. Essas tranças. Eu até gosto. Só não gosto quando não lava né? Fica seboso, uma porqueira”. “Mas senhora, todo mundo lava o cabelo”... Eu ainda dou corda... E ela: “Nada disso. Bob Marley não lavava o cabelo e tem gente que segue os costumes dele até hoje!”
De outra vez estava eu na carona de um colega e do nada vem a pergunta:”Ô Filipe, se lembra de fulana de tal, aquela negona do cabelo rasta?”, eu conserto, “Não é rasta o cabelo dela, é trançado”, “Sim que seja. Como é que ela lava o cabelo dela?”. Em dois segundos o sangue sobe, eu conto até cem e consigo me acalmar para dar uma resposta minimamente educada ao meu colega dono de um racismo nítido. “Você lava o seu?” ele responde que sim com a cabeça, como se dissesse ser obvio. “Como?”, retruco novamente com a cara mais cínica do mundo. “Com xampu, condicionador, muita água”, ele responde não entendendo o bate volta. “É do mesmo jeito que você lava o seu cabelo que ela lava o dela! E por que ela não lavaria?”
Mas tem dias, ah tem dias que eu acordo p da vida! Um mau humor estúpido e furioso. Como ninguém tem nada haver com minha vida, fico calado para não sair trombando nas pessoas. Nestes dias, tem sempre um sujeito que vem falar com você as besteiras mais estapafúrdias. Dia desses, um senhor junto a mim viu passar um homem com o cabelo dread enorme, olhou pra ele com nojo e depois para mim. “Esse povo, Deus é mais, quanta porcaria! Você lava seu cabelo não é?”. Olhei pra ele e da forma mais irônica possível disse: “Não. Eu não lavo há três meses. Todo dia coça pra caralho, mas tô nem aí. Também não penteio essa porra! Quando mofar eu corto. Não gosto de molhar meu cabelo!”. Vi o senhor se afastando de mim um pouco, mais assustado do que com cara de nojo. Ele esperava que sorrisse com sua pergunta, respondesse sua dúvida como algo normal, mas não. Tenho respostas piores na ponta da língua, mas era um senhor bem mais velho, resolvi aliviar.
Mesmo com toda essa explosão de cultura negra presenciada por todos nos últimos anos, o cabelo crespo e seus infinitos penteados ainda provocam medos infindáveis por parte da população. Primeiro trata-se de um cabelo elevado a categoria do “cabelo ruim”, ou “cabelo da desgraça”. Na mente dessas pessoas, acho que fica a questão de como um “cabelo ruim” consegue se transformar em tantos penteados. Segundo, que na maioria das vezes as pessoas brancas (geralmente as que me abordam com tais questões) não conhecem o corpo negro a ponto de achá-lo normal e na primeira oportunidade que tem sentem-se a vontade para perguntar coisas bizarras sobre o outro. Perdem a chance de ficarem calados e não exotizar a pessoa negra que está do seu lado. Quando percebem que o cabelo crespo é lavado da mesma forma que o dele acaba se surpreendendo. Olhos esbugalhados de surpresa é o mais comum nestes casos.
Por que eu não deveria lavar meu cabelo? Meu cabelo atrai poeira? Oh, o seu também, sabia? Por que hoje sou chamado na rua por qualquer um de “rasta man”, “Djavan”, “Bob Marley” como chacota? Ou me olham no ônibus e quando reparam no meu cabelo não sentam ao meu lado? Por que as pessoas se surpreendem quando lavo meu cabelo e ele fica cheiroso? Por que meu cabelo incomoda tanto? Por que todo mundo me pergunta o porque não corto meu cabelo? Por que as pessoas acham que meu cabelo cortado na máquina zero fica muito melhor? E que a maioria dos homens negros também deveria fazer o mesmo? Por que só o branco tem orgulho do cabelo dele. Aliás, nem acho que o branco tenha orgulho, ele acha o cabelo dele normal. Por que nós negros fomos obrigados a transformar nosso cabelo em uma plataforma política? Por que tantos porquês para o cabelo crespo?
Sair do lugar do exótico e passar a normalidade, este é o desafio do cabelo crespo. É um desafio que muitos ainda deverão enfrentar. Mas se você um dia perguntar sobre a provável não lavagem dos cabelos crespos de seu amigo/namorado/colega de trabalho/estranho na rua negro, saiba que ele pode responder de várias formas. Educadamente em um dia de paciência quase absoluta ou dando um merecido coice. Se acha que este tipo de pergunta não é um exemplo claro de racismo, então reformule-se. É racista quem acha a diferença desigual. Ao invés de perguntar ao outro se ele lava o cabelo, ou como ele lava, pergunte... Por que diabos eu estou pensando isso dele (a)? Se ele perguntasse pra mim iria achar o que? Normal? Não seja hipócrita de responder sim, pois existem perguntas obvias que nunca devem ser feitas. Se receber uma resposta enfática e achar radical... Radical é você que não consegue enxergar o outro como espelho, por conta de um cabelo diferente.
Mesmo com toda essa explosão de cultura negra presenciada por todos nos últimos anos, o cabelo crespo e seus infinitos penteados ainda provocam medos infindáveis por parte da população. Primeiro trata-se de um cabelo elevado a categoria do “cabelo ruim”, ou “cabelo da desgraça”. Na mente dessas pessoas, acho que fica a questão de como um “cabelo ruim” consegue se transformar em tantos penteados. Segundo, que na maioria das vezes as pessoas brancas (geralmente as que me abordam com tais questões) não conhecem o corpo negro a ponto de achá-lo normal e na primeira oportunidade que tem sentem-se a vontade para perguntar coisas bizarras sobre o outro. Perdem a chance de ficarem calados e não exotizar a pessoa negra que está do seu lado. Quando percebem que o cabelo crespo é lavado da mesma forma que o dele acaba se surpreendendo. Olhos esbugalhados de surpresa é o mais comum nestes casos.
Por que eu não deveria lavar meu cabelo? Meu cabelo atrai poeira? Oh, o seu também, sabia? Por que hoje sou chamado na rua por qualquer um de “rasta man”, “Djavan”, “Bob Marley” como chacota? Ou me olham no ônibus e quando reparam no meu cabelo não sentam ao meu lado? Por que as pessoas se surpreendem quando lavo meu cabelo e ele fica cheiroso? Por que meu cabelo incomoda tanto? Por que todo mundo me pergunta o porque não corto meu cabelo? Por que as pessoas acham que meu cabelo cortado na máquina zero fica muito melhor? E que a maioria dos homens negros também deveria fazer o mesmo? Por que só o branco tem orgulho do cabelo dele. Aliás, nem acho que o branco tenha orgulho, ele acha o cabelo dele normal. Por que nós negros fomos obrigados a transformar nosso cabelo em uma plataforma política? Por que tantos porquês para o cabelo crespo?
Sair do lugar do exótico e passar a normalidade, este é o desafio do cabelo crespo. É um desafio que muitos ainda deverão enfrentar. Mas se você um dia perguntar sobre a provável não lavagem dos cabelos crespos de seu amigo/namorado/colega de trabalho/estranho na rua negro, saiba que ele pode responder de várias formas. Educadamente em um dia de paciência quase absoluta ou dando um merecido coice. Se acha que este tipo de pergunta não é um exemplo claro de racismo, então reformule-se. É racista quem acha a diferença desigual. Ao invés de perguntar ao outro se ele lava o cabelo, ou como ele lava, pergunte... Por que diabos eu estou pensando isso dele (a)? Se ele perguntasse pra mim iria achar o que? Normal? Não seja hipócrita de responder sim, pois existem perguntas obvias que nunca devem ser feitas. Se receber uma resposta enfática e achar radical... Radical é você que não consegue enxergar o outro como espelho, por conta de um cabelo diferente.
6 comentários:
Adorei o texto e dei muita risada com o sentimento de identificação. Sempre encontro uma tiazinha na fila que elogia meu cabelo pq tem aspecto de limpo e lança comentários como os que vc citou. Vou passar aqui com frequência pra apreciar seu trabalho.
-Curtir tudo que disse!
Eu acho lindos os pentedos afro, em especial o dread. Acho que valoriza muito a beleza do cabelo crespo. Muito legal seu texto. As pessoas são preconceituosas assim mesmo, não conseguem apreciar outros tipos de beleza, acham que só um modelo de cabelo é válido. Abraços e parabéns pelo blog!
Muito bom textooooooooooooo...parabéns!
Nossa vc escreve mtoo bem,eu tb acho um puta racismo as pessoas olharem pra qualquer negro de dreads ou com o cabelo crespo e falarem alguma coisa,sempre começa desse jeito"não tenho preconceito nenhum"mas na real se nao tivessem mesmo preconceito não estariam nem comentando né?
Bjjoos e parabens pelo blog
É incrível como algumas pessoas conseguem ser tão ignorantes. Desde criança os cabelos trançados me fascinavam, cresci, e sempre que dizia que iria tranças meu cabelo minha mãe pirava como toda minha família.... Mas, fiz.... Fiquei linda.. e muito convencida... não consigo me vê sem minhas tranças..... ah! muitos me perguntam se lavo o cabelo, acho graça....
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