Este Carnaval do Feminino chegou em minhas mãos através da diretora do colégio que ensino. O colégio recebeu e antes que ela pudesse colocar o livro na biblioteca pedi emprestado com uma cara de muxoxo que foi difícil ela dizer não. Levei comigo e não aguentei, comecei a ler pelo caminho, sentado no ônibus, este livro que preenche uma lacuna histórica ao retratar o Carnaval atráves da perspectiva feminina, sua alegria por estar e participar ativamente na festa, também o trabalho árduo que exercem e o machismo que enfrentam muitas vezes por estarem em espaços majoritariamente masculinos.
O livro, produzido pela SEPROMI - Secretaria de Promoção da Igualdade - expõe o depoimento de 38 mulheres, algumas grandes conhecidas da mídia como Margareth Menezes, Marcia Short, Carla Vizi, Negra Jho, Graça Onasilê e outras que não são tão conhecidas as vezes por não estarem mais nos grandes circuitos como grandes divas do carnaval como Claudete Macedo compositora de nada mais nada menos que Flor de Laranjeira feita em parceria com Zé Pretinho, ou a famosa Gal do Beco que saiu da Vasco da Gama e hoje reside no Dique do Tororó ainda tentando fazer o seu trabalho de divulgadora de novos grupos de samba.
Os relatos são deliciosos e reais. Não caem na armadilha do saudosismo de beira de esquina. Também não é um livro de lamentações, as mulheres é claro são levadas através de suas lembranças a visitarem momentos difíceis, algumas até se recusam a mecher em certas feridas ainda não cicatrizadas, mas no final exibem sempre um sorriso largo. São mulheres que lutaram e lutam ainda e fazem do carnaval da Bahia uma festa mais humana e menos desigual.
Curioso foi perceber que dentre as 38 existia uma que conhecia "muito bem", Tânia Santana é minha vizinha de bairro, já a vi muitas vezes e nem sabia sua história como pioneira na Ala de Canto do Bloco Afro Olodum, logo no início dos anos 90. Também tem gente que desconheço totalmente e minto se dizer que não fiquei curioso em conhecer, como Alaíde do Feijão, nossa (!), que história de vida e personalidade maravilhosas. E o sorriso e a alegria de Dona Nicinha, logo na primeira parte do livro? São 72 anos de pura experiência!!! Também me chamou atenção Laís dos Santos de 24 anos, que em 2008 foi rainha do Bloco Afro Bankoma, é dançarina e gordinha. Ou seja, bem diferente do modelo de corpo que geralmente a dança clássica se remete...
O livro mistura presente e passado, sendo organizado em cinco partes. A primeira reunindo mulheres mais velhas e toda sua experiência, a segunda com mulheres mais ligadas aos movimentos de blocos Afros, a terceira com mulheres que marcaram sua expressividade através do canto, a quarta (e uma das melhores!) com relatos das mulheres que participam o carnaval trabalhando efetivamente para a festa funcionar e a última sobre as mulheres que colocam os blcos afros na rua, para o povo ver nos dias de folia.
Carnaval no Feminino é um livro que emociona. Não está sendo distribuído em tudo quanto é canto - começou a ser distribuido este ano no dia internacional da mulher que caiu na semana de Carnaval - mas se chegar em suas mãos pegue e não solte. É possível ler em uma sentada. O seu úinico defeito é a encardenação, horrível, que solta as páginas com uma facilidade incrível. Deveria ao menos ser encadernado de forma digna, já que o material do livro é lindo, as fotos em preto e branco maravilhosas e os depoimentos com histórias de vida de mulheres que se encontram na cidade de Salvador, singulares. Vale muito a pena ler e passar adiante. No final, vem a sensação de saber mais da história do Carnaval da sua cidade - que não é somente aquele putetê todo - e também que existem mulheres que estão dentro de tudo quanto é força, ajudando a festa a funcionar, o bloco ser levado pela avenida, o canto dos ancestrais ser propagado, sempre com sorriso no rosto. Lição de vida!