Estou deixando o meu cabelo crescer. Depois de muito relutar
em deixar minhas madeixas maiores, resolvi que em 2014 vou tentar criar o black
dos meus sonhos. Esse movimento simples, em uma sociedade extremamente vaidosa
já tem um abalo em pequenas proporções. Quando o cabelo cresce rápido, as
pessoas reparam, falam, mexem, é uma beleza. Agora imagina isso tudo com o
cabelo black... As pessoas reparam o crescimento com um olhar estranho, de reprovação
e vez por outra, você encontra alguém que fala pra você sobre o incomodo que
SEU cabelo causa nele de forma despretensiosa, mas bastante complicada. Com gente
estranha a gente se vira, mas o problema é das pessoas que convivem conosco há
bastante tempo a ponto de considerarmos elas nossos amigos...
Nesse caso, tenho um amigo (branco), que sempre que meu
cabelo cresce ele inventa de por pra fora sua insatisfação com o mesmo: “O
cabelo tá crescendo”, como se eu não soubesse, “Tá na hora de cortar o cabelo
rapaz!”, como se eu precisasse da paternidade dele nesse sentido. Ele sempre
fala com um movimento tentando pegar na minha cabeça pra bater no cabelo,
sempre da forma esportiva que ele acha não ofender...
Da ultima vez que nos encontramos, foi quando decidi que o
cabelo não iria cortar, ele reparou, disse todas as frases acima entre outras e
eu soltei um belo: ”E vai ficar assim, estou deixando crescer!”. Pra que eu
disse isso? Um NÃO sonoro no meio do shopping veio, faltando pouco para os
vidros das lojas quebrarem com tanto susto...
Que o cabelo black incomoda, isso – pra quem é preto – não é
novidade. Se é mais que simples vaidade pra você que deixa crescer é também
para as pessoas que veem. E com os brancos, o cabelo crespo grande adquiri
significados maiores. O black realça sua identidade, você não é um negro
qualquer, seu discurso sobre negritude realça no tamanho do cabelo. Você é
negro e está lendo isso? Então sabe do que estou falando!!!
Claro que existem também os negros que não gostam do cabelo
black alheio, mas este não é o ponto aqui. Não vamos desviar do assunto, até
por que já falei sobre isso em outros posts. O assunto aqui é o incomodo deste
meu amigo com o meu cabelo crescente. Do racismo dele, evidenciado nos grandes
NÃOS que ele me da, mesmo ele sendo meu amigo... Ainda...
Tentando aprofundar mais o assunto, as amizades entre brancos
e negros, na minha opinião sempre vão sofrer um abalo sísmico. Nem que seja em
pequena proporção. Principalmente se o negro reconhecer sua negritude para além
dos “modismos” de plantão. Já vivi experiências fortes de negação da minha
negritude com TODOS os meus amigos brancos. Se você reparar na foto, sou um
negro com a pele amarronzada, ou morena – como eles mesmo dizem. Ou seja,
trocando em miúdos: não sou negro. Sou moreno, marronzinho, moreninho,
morenaço, etc. além de negar minha negritude, isso dá aval a eles em explicitar
seu racismo junto aos considerados por eles negros DE VERDADE, “da cor de
carvão”, “preto retinto”, “negão da porra”... São palavras deles...
Não passa também pela cabeça deles, o porquê ao invés de
disfarçar eu só ressalto meus traços negroides. Já que não tenho como escurecer
de forma permanente (infelizmente), ressalto o cabelo deixando-o crescer. Por que
eu não corto? Por que eu não quero caralho! Simples! Moro na periferia de
Salvador, com um monte de homem preto que raspa o cabelo de 15 em 15 dias, você
acha que não tenho referencias de cabelos cortados a vontade à minha vista?
Esses e outros movimentos acabam machucando. E no meu caso,
como escolhi não falar nada, acabam afastando também. Quando estou cansado da
atitude de alguém eu simplesmente me calo. O silencio, pra mim, afasta de
coisas ruins. Só falo, esbravejo, com quem me importo...
É nessa hora, que ter um amigo negro, ou amiga ajuda. Concordo
com a opinião de uma amiga que diz que tem horas que nós precisamos nos “aquilombar”.
Negros para negros, sabe? Por que só um homem preto pra entender. Aquela amizade
que entende o que você quer dizer, não fica julgando seu cabelo, mesmo o dele
cortado na máquina 0. Mas ele é preto porra! Com orgulho em ser! Por que vai te
ofender? Ai também não posso deixar de fora as amizades femininas, pois são pra
mim muito importantes.
Isso tudo possibiliza a troca! A troca saudável de uma
identidade bonita. Eu reparar que minha amiga trançou o cabelo e elogiar a
linha de trançado dela, de ver meu amigo de bata e não chamar ele de macumbeiro
por conta disso, ou minha amiga em um vestido amarelo e não dizer que ela não fica
bem, naquele vestido, por conta da cor, por que não um mais escuro?!... Esse
processo de amizade negra, além de te poupar de comentários horrendos sobre sua
raça, também te fortalece. Sempre fico, mais bonito, com meu espírito renovado,
sorriso forte no rosto, nessas reuniões. Pra mim essas amizades são fundamentais
para renovação do meu espírito. Não vejo nelas nenhum grau exótico da minha
cor, sexualmente, economicamente, religiosamente falando.
E os meus amigos brancos? Estão lá. As vezes me sinto mais
amigos deles que eles meus amigos. Claro que tem aqueles que distorcem. Não fazem
o discurso do “eu não sou racista”, “adoro a cultura negra”, “eu também tenho
sangue negro correndo nas minhas veias”. Grandes hipócritas, mas daqui pra que
eles se deem conta disso, é todo um trabalho didático que tenho que fazer e eu
não estou mais disposto a isso tão facilmente como anos atrás.
Amo todas as pessoas independente da raça. Mas não tem como
ressaltar uma amizade que te respeita, que não te humilha, sem brincadeiras
ofensivas na esportiva, que sorri pra você de forma sincera e despretensiosa. Aos
amigos, independente da cor, que souberem me respeitar, como homem negro que
sou, serão sempre bem vindos em meu coração...
8 comentários:
O autentico FIlipe que se exalta até para mostrar que está calmo. Texto que induz a sérias reflexões. Me chamou a atenção a sugestão de novos quilombos, como doses homeopaticas de reconhecimento e respeito... Percebo que estamos num momento de choque entre velhas e arraigadas idéias preconceituosas, num caminho sem volta para a igualdade. As coisas só não acontecem na velocidade que gostaríamos. Um abração e muita PAZ.
Valeu Ruy. Muito obrigado por comentar.
Gostei muito da sua reflexão!Sei bem como é difícil ser uma mulher negra empoderada nesta nossa sociedade Racista!Ainda bem que existem textos e pessoas como vc que nos ajudam a sermos quem somos e continuar na luta!Um Abraço negro!
Obrigado querida pelo comentário. É menos dolorido - eu acho - ser um negro "sem consciencia", achar que o racismo é uma besteira e que ele nunca pode nos atingir e tudo é perfeito nesse mundo. Assumimos as consequências em sair da Matrix rsrssr, mas mesmo com as dificuldades prefiro estar fora que lá dentro...
Mais uma vez valeu pelo comentário.
Meu black é pequeno, então "cabe" na perspectiva dos meus amigos brancos, mas , não raro, presencio comentários sobre outros blacks, desses enormes. Sempre comentam que "não precisa desse black tão grande", como se dependêssemos da condescendência deles. Difícil me calar... como sou irônica - e nada didática - acabo fazendo um comentário pejorativo a alguma característica deles. Se se indignam eu digo "doeu, né?". Gosto mermo de ver o circo pegar fogo. Depois desse texto, vou exercitar o silêncio, bem no estilo "e livrai-nos de todo mal, amém!".
Heheehe, confesso que tmb gosto de fazer o circo pegar fogo, mas quando tenho a certeza que a amizade não vale mais a pena prefiro o silencio! bj querida obrigado por comentar
Para mim esse termo "aquilombar" é fantástico. Vou incorporá-la em meu vocabulário. kkkk. Tb tenho amigos de todas as etnias, mas só meus amigos negros realmente conseguem me compreender em totalidade, existem os "brancos" que de fato vc percebe que são apaixonados por nós negros e por nossa cultura, alguns mais outros menos preconceituosos, mesmo que de forma inconsciente, adquirida por osmose. Mas tb percebo pessoas(amigos, colegas, conhecidos)que são extremamente esclarecidas e nos supervalorizam com sinceridade(por incrível que pareça, percebi isso acentuado quando morei no sul do Brasil).
Não fosse minha profissão(militar), também deixaria a cabeleira crescer, apesar que o meu problema é inverso ao seu, tenho a pele destacadamente escura(graças a Deus), mas infelizmente meu cabelo não é crespo, te invejo. Acho bacana o negro que assume seu black, mesmo em cidades de maioria negra como em Salvador, é necessário coragem, assumir o cabelo afro, com certeza é assumir de forma explícita a sua negritude. Quanto aos termos "embraquecedores" como: moreno, cabo verde, mulato, pardo e afins, é o pior, mania feia de tentarem "amenizar" nossa negritude ou de economizar em melanina, mais do que preconceito é ignorância e falta de informação e conhecimento, pois mesmo na África há inúmeros grupos étnicos nativos, não mestiçados, que apesar de terem todos os traços de negros, possuem pele clara, e isso não os torna menos negros. Sou feliz como sou, mas se pudesse escureceria e teria o cabelo bem crespo. Abração!!
gilberto macedo.
Valeu Gilberto pelo comentário. Quem sabe um dias os militares irão com cabelo grande pro campo de batalha hehehe Abraços!!!!!!!
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