Toda religião tem seus
mitos. Sem eles, ela não sobreviveriam. Como mitos, são carregados no
fantástico e por estarem no patamar do extraordinário sobrevivem a tantas
mudanças de tempo, civilizações, revoluções... Estão lá para explicar o
distante, o inacreditável. No Candomblé, religião de raiz africana, os mitos
como todas as outras religiões são múltiplos. Mas cada Orixá possui versões
diferentes a depender da nação, do lugar onde esteja sendo cultuado, do tempo,
da missão dele no momento... Mitos/ lendas servem para arrumar esses serem enérgicos
dentro da nossa cabeça, ainda pequena para tanto poder.
E o design Nisso Souza
escolhe mais uma história contada para propagar os Orixás como tema de sua HQ
virtual Os Senhores do Orum. Nisso colocou as mãos na massa e assina roteiro,
desenhos, arte final e cor, ou seja carrega nas costas a responsabilidade de
contar uma das muitas histórias dos deuses africanos. Nesse primeiro volume
(em projeto com total de 3), Nanã é escolhida para ser a personagem chave da trama.
No primeiro capítulo,
Ogum chega a terra da senhora das águas plácidas para invadi-la, como fez com
tantas outras o Orixá guerreiro. Nessa primeira parte a revista se desenvolve
através do confronto entre Ogum e Nanã protegendo sua terra. Logo no primeiro
capítulo, um artifício inteligente do artista e muito simples também é
evidenciado, a arte da HQ é toda em preto e branco, mas nos momentos chave de personagens ou histórias, a página fica colorida (sim,
isso já foi usado, até em filme... O Mágico de Oz...), mas a forma como o
artista faz, escolhendo os momentos chave da trama, torna a experiência bastante
agradável. Nem sempre o momento de balanço na história é escolhido como momento
para destaque, vemos a sensibilidade do artista que escolhe partes diferentes
do esperado como “pontos chave”
No segundo capítulo, Ewa,
a filha de Nanã, descobre que os homens de seu reino matam para desposa-la e
como Xangô aparece em seu caminho para acabar com seu sofrimento. Iansã, a
quem Xangô não consegue escapar, entra no terceiro e último capítulo, sendo o
grande “empecilho” entre o amor de Ewa e o deus da justiça. O ultimo capítulo mostra
o sacrifício de Ewa para o bem de todos no seu reino. É bom você mesmo
descobrir as reviravoltas da história, caro leitor. Afinal de contas, contar tudo estraga a experiência.
Os Senhores de Orum tem
um traço simples. Quadrinho algum aqui tem rebuscamento exagerado. O traço é direto
e preciso. Mas muito caprichado quando a história requer erotismo. Aliás, o erotismo
é um ponto forte quando o Candomblé é retratado por artistas de diversas áreas...
Aqui não é diferente. E é um fator clichê na história. Somos cercados por uma
cultura cristã e vemos no Candomblé outro sentido para todo o moralismo da
Igreja Católica e Evangélica... Alguns artistas tomam cuidados, outros exageram
na mão. Nisso fica no meio termo. Se exagera no começo – a cena do estupro de
Nanã – acerta o tom precisamente no momento em que Ewa conhece Xangô. O texto,
no começo é grandiloquente, faltou humanidade para retratar Nanã e Ogum, mas
com o passar das páginas o roteiro fica mais fluido e o texto mais solto, não
deixando de ser simples e direto como o traço da revista.
Para perpetuação de uma
crença, da fé, do divino de um povo é preciso sim a assimilação das lendas
dessa fé em outros meios além dos tradicionais. O cristianismo, não é de hoje,
usou o cinema, o teatro, livros e também os HQ para reverberar suas ideias e
seus ensinamentos. Apesar de essa ser mais uma lenda em meio a tantas no
Candomblé, a história é bem contada por Nisso, é gostosa de ler e surpreende em
alguns pontos. Que venha a segunda e a terceira parte das historias africanas
escolhidas, pois o resultado da primeira anima.
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