domingo, 16 de dezembro de 2007

MEU DEUS!!! EXISTEM NEGROS GAYS...

Há alguns anos atrás a televisão era considerada um programa para toda a família. Uma família careta, sentada em frente à TV, sorridente, divertindo-se com seu programa de auditório favorito, ou desenho favorito, ou acompanhando a novela que mais gostava. Uma diversão para todos. Pois bem, a TV não é mais assim faz um bom tempo. De uns anos pra cá, os programas de tv (especialmente os seriados) vem ficando mais ousados, com historias que estão longe de serem mascaradas pelo conflito clichê do “vilão/mocinho”, são histórias mais reais, com personagens que se aproximam muito de mim, de você. Onde se imaginaria ver, num seriado de TV, o dia a dia de presos, desvendando totalmente sua intimidade, suas fúrias, paixões, seu lado humano e brutal como vimos em OZ? Antigamente isto era impossível. Mas parece que com a injeção de seriados como Arquivo X, Friends e Plantão Médico, a TV – especialmente a norte americana – vem ficando cada dia mais ousada e mais real.

A tv hoje fala sobre sexo, abertamente. Nip/Tuck, OZ, Sex and the City, Roma, A Sete Palmos, Os Assumidos, Família Soprano, Donas de Casa Desesperadas, Noah’s Arc, The L Word, Will & Grace se não expõem a sexualidade como tema central, falam de sexo abertamente explanando com seriedade temas como pedofilia, incesto, estupro, exploração sexual. Os tabus televisivos parecem que foram quebrados. A televisão norte americana fala sobre o tema antes proibido com tanta autoridade que se habilita a mostrar um mundo que antes era totalmente tabu no horário nobre: o mundo gay.

Os gays invadiram a televisão norte americana, para a ira das associações mais tradicionalistas e para o pavor das instituições religiosas, principalmente as cristãs. Os novos seriados expõem personagens homossexuais, longe do estereotipo da “bicha louca que serve como palhaço para provocar gargalhadas heterossexuais”. São personagens que sofrem, riem, brigam, tem defeitos, choram, amam, mas definitivamente não são bufões. Um fator importante deve ser notado nesta transformação televisiva: além dos personagens não serem meros fantoches, eles transam sem rodeios. Em séries como A Sete Palmos, Noah Arc, The L Word eles vivem desilusões amorosas, paixões, transas fortuitas e falam sobre suas vidas sexuais abertamente. Além disso, nas séries é discutida também a visão que a sociedade heterossexual exerce sobre eles, os conflitos, as várias formas de homofobia e um contra discurso construído pelos personagens para se defender da homofobia.

Mas este “bum” de sexualidade gay na tv nossa de cada dia, desconstrói estereotipos e edifica outros. A maioria dos seriados expõem gays com beleza padrão, com corpos perfeitos, bem sucedidos na suas carreiras profissionais, masculinos, na sua maioria são bem de vida e brancos... Destas tantas que citei, algumas vão mais a frente, expondo um modelo diferente de sexualidade homossexual como Noah’s Arc, A Sete Palmos, The L Word e OZ. Todas elas apresentam gays negros entre seus personagens, sendo que uma delas eles representam a maioria dos personagens. Noah’s Arc pode ser encarada como uma espécie de Sex and the City para gays afro-americanos e conta a historia de Noa um aspirante a roteirista de cinema que tenta encontrar sucesso na vida amorosa e na vida profissional. Ele é acompanhado pelos seus amigos Alex, Chance e Ricky. Cada um com uma personalidade, um caricato, um outro galinha, um romântico e outro centrado. Serve para ilustrar que dentro das categorias sexuais os sujeitos não são estáveis e que há diversidade em uma mesma orientação sexual.

Além dos personagens do Noah’s Arc existem outros como em The L Word, seriado corajoso sobre a vida de lésbicas, em que uma das personagens é negra. Em OZ a homossexualidade de alguns presos é exposta totalmente, existindo aqueles que são encubados e fazem suas práticas as escondidas, outros são abertos, outros que expõem sua sexualidade de forma violenta através de estupros... E o caso de A Sete Palmos... série aclamada pela critica, ganhadora de inúmeros prêmios, criada pelo roteirista de Beleza Americana Allan Ball, que no meio de personagens tão excêntricos há um policial negro gay muito bem resolvido chamado Keith Charles. O personagem do ator Mathew St. Patrick, namorado de um dos personagens principais coloca a identidade “no armario” de seu companheiro em xeque a cada vez que os conflitos ficam mais abertos. Na série a “narrativa da revelação” é confrontada com uma outra totalmente resolvida e que enfrenta a homofobia de frente. Em alguns episódios, a trama centra-se completamente na sexualdiade dos personagens, mesmo que o tema central da série, na verdade, seja a morte.

Evidenciar que existem gays negros não serve somente para quebrar valores da comunidade LGBTT e evidenciar que existem negros homossexuais que vivem afastados do mito do “Deus de fome sexual ininterrupta”, que só é convidado para o mundo gay branco de classe média urbano na hora de satisfazer suas exigências sexuais. Estas séries servem também para trazer a superfície um tipo de masculinidade diferente da negra heteronormativa.

Por que o modelo de masculinidade negra presente em séries do mercado negro (norte-americano, brasileiro, ou seja de que lugar for...) é o modelo heteronormativo। Sempre a família negra correta, politicamente correta, ou de personagens negros fortes, corajosos, que detém a atenção das mulheres pela sua bravura e fazem tudo pela família... Prison Break, Everybody Hates Chris, 24 Horas são alguns exemplos. Aqui o negócio não é muito diferente, Cidade dos Homens e Antonia não figuram diferente da cartilha americana de tipos negros heterossexuais.

Assistir a televisão hoje não é mais um exercício careta. Enxergamos a diferença no ato e estas séries que falei mandam o politicamente correto para as cucuias, pois este tipo de posicionamento nunca nos levou a lugar algum... Sabemos todos que a televisão brasileira (e suas novelas e seus personagens negros, gays, ou negros/gays) chega a ser muito mais hipócrita que a real sociedade em que vivemos. Existe uma salvação, a tv a cabo ou as caixas de dvds que aportam em todas as lojas do país, ou ainda se você tiver paciência para esperar, baixar na NET todas as séries de uma só vez. Não digo que a solução é trocar uma televisão por outra, pois a deles também não é grande coisa... Mas se a nossa está preocupada com a audiência tradicional e não sentiu ainda que o DIFERENTE traz muito mais ibope, fazer o que?...

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Olhos Azuis.

Eu assisti a esse OLHOS AZUIS numa madrugada de Sábado para Domingo. Comecei a assistir esperando um filme chato ou quase que me trouxesse sono mais rapidamente. No final do filme, estava com meus olhos mais que abertos. Parecia que tinha tomado uns doze litros de café... Não dormi logo depois, nem depois de uma hora, nem depois de muito tempo... O filme e a experiência que a professora Jane Eliott nos mostra deixaram-me atordoado! Assistir a OLHOS AZUIS é uma experiência única. Para os brancos, serve para verem (melhor!!!) aquilo que são responsáveis todos os dias e aos negros, para acordarem do sono absoluto da boa convivência!...

Após a morte de Luther King, a senhora Eliott passou o seguinte exercício para seus alunos, todos eles crianças brancas de uma pequena cidade norte-americana: ela os dividiu em dois grupos, os de olhos castanhos e os de olhos azuis. As crianças de olhos castanhos, ela colocou um colar verde de pano, para que ficasse mais evidente a cor dos olhos destes a uma longa distância. Ela diz então, que a partir daquele momento as crianças vão julgar umas a outras pela cor dos olhos. Ela diz também, que como é a professora e tem olhos azuis, as crianças de olhos azuis vão ser bem tratadas, pois são mais inteligentes, mais limpas, mais educadas e as que têm olhos castanhos não... Que quem tem olhos castanhos só pode usar bebedouro num copo descartável e não podem brincar com as de olhos azuis, pois não são tão boas quanto às de olhos azuis. Aparentemente uma brincadeira, a “pedagogia” de Jane Eliott revela-se, logo depois, algo diabólico...

Logo no recreio, as crianças de olhos castanhos ficam tristes, sem amigos, sem a liberdade que toda criança merece para brincar. Começam também a brigar com os meninos de olhos azuis, estes por se acharem superiores batem nos outros meninos, instaurando um clima de conflito na escola. A professora faz uma reflexão em sala de aula: se os garotos e garotas de olhos castanhos gostaram de serem tratados daquele jeito? Eles dizem que não. Que se sentiram burros sendo julgados dessa forma, eles sabem que na verdade não são burros, mas se mantém calados, pois todos estão dizendo e tem um momento em que eles acreditam naquilo que inventaram sobre eles. as crianças começam a evidenciar também que estão vivendo como negros, humilhados, zombados, separados... e viver como um negro, para elas, não é uma coisa boa...

A partir desse exercício, a professora Eliott começou a fazer vários workshops por todo o EUA com esta mesma temática. Sempre usando aprendizes brancos. Variando, entre jovens e adultos. O documentário propriamente dito, centra-se em um desses workshops em que adultos brancos são separados pela cor dos olhos e tratados como pessoas de QI dispares.

Revelam-se as várias naturezas existentes no racismo. Os pequenos detalhes, as relações de poder que não são vistas abertamente no dia a dia, a forma como o racismo coloca o homem branco num lugar superior na sociedade e dizimam aos poucos todos os outros que vão diferente de sua fisionomia. Evidencia de onde vem o racismo, para que ele serve e quem precisa da existência dele. E de como o racismo é algo tão bem formulado que chega um momento que não precisa mais de seus inventores para se propagar, pois ele se instaura como uma praga no outro e faz com que os subalternos briguem entre si em favor dos considerados superiores.

O filme OLHOS AZUIS surpreende pela sua protagonista, uma mulher branca, professora que aplica um teste violento em outros brancos e cria uma validade por falar que são os brancos os grandes propagador-responsáveis e usufruem de todos os mecanismos alcançados pelo racismo e são eles que não querem que o racismo deixe de existir. Muitos falam que não são responsáveis por tudo que acontece com negros, gays, latinos... Mas ela chama os liberais à responsabilidade com mãos de ferro! Em vários momentos vemos adultos (homens e mulheres) chorando, abatidos, por serem separados, humilhados. A seguir o argumento da professora: vocês não agüentam por uma hora o que toda pessoa negra vem agüentando desde quando nasce?... Isto é no mínimo, arrebatador.

Algo extremamente interessante é o complexo que os subalternos estão sujeitos. O racismo convence o sujeito que ele é incapaz e que está numa situação subordinada, pois é diferente. E aqueles que pensam de forma diferente, que também são inteligentes, que também são capazes, devem ser silenciados.


Estamos hoje num momento impar no nosso país. Ao mesmo tempo em que o racismo é combatido de frente pelos vários Movimentos Negros, vários liberais entram na luta para (dizem eles!) lutarem também contra o preconceito, seja ele de que forma for. Eles dizem que vem para ajudar e não são racistas, não são responsáveis pelos preconceitos formulados no planeta, são diferentes. No filme, a professora Eliott chama estes brancos liberais à responsabilidade: Sim vocês são responsáveis! “Mas eu não faço nada com ninguém!” diz um deles revoltado. Mas não fazer nada, segundo ela, já é uma grande coisa para que o racismo se propague... O reconhecimento na verdade, é o primeiro passo para uma luta mais concisa.

O filme OLHOS AZUIS evidencia o obvio: que o racismo atinge ao branco e ao negro de formas diferentes. Que o negro sempre é levado a pensar sua negritude, seja como subalternidade ou como resistência e alegria entre os seus. Ao contrário, o branco nunca é levado a pensar sua branquitude, já que ela nunca foi testada, nem humilhada, nem posta em xeque... A branquitude para o branco não existe. Não é uma identidade. É nada... E é neste caminho que a professora traça sua pedagogia... Colocando a identidade branca em xeque, da maneira mais violenta e desumana possível... Para quem sabe ser reformulada e mudar num futuro, verdadeiramente...

domingo, 16 de setembro de 2007

ÁFRICA de merda?????????????

Os liberais adoram a experiência! Sentar numa poltrona confortável, com saco de pipoca nas mãos, cruzar as pernas e ver diante dos olhos, numa tela de cinema, a África. O continente assolado pela pobreza, infectado pela aids e condenado a morte. Oh! É tudo realidade. O continente dos nossos antepassados, que alguns confessam ser o berço da humanidade, está sendo destruído. Sua gente está doente, a água está contaminada, os países envoltos em conflitos internos violentos. A África não tem solução! A menos que alguém ajude... E quem poderia ajudar este continente esquecido por Deus?... Os africanos? Não, eles só pensam em se auto-destruir! Gente ignorante que não dá valor a sua própria terra! Quem poderia salva-los de si mesmos?... A Europa! Sim, essa é a solução! Imagine um herói branco, não com uniformes, nem poderes paranormais, mas real, um homem civilizado, de olhos azuis, loiro de preferência, que venha ajudar essa gente frustrada. O que seria da África se não fossem os outros?...

Para um liberal, a experiência de assistir a um filme como Diamante de Sangue, Amor Sem Fronteiras, Hotel Ruanda ou O Jardineiro Fiel deve ser algo compensador. São filmes políticos, que mechem com... Como é que eles dizem mesmo? Ah! Lembrei. A “questão africana”!... Essa tal questão africana que passa na tela é nada mais que o continente dos sonhos para qualquer liberal branco... Um território que urgentemente precisa de ajuda. Mais precisamente de SUA ajuda. A denúncia será feita e no final o continente terá solução, os brancos estrangeiros serão lembrados, os negros nativos serão educados. Para o alívio do espectador os créditos sobem e toda a miséria, os corpos magros de fome, as doenças, a água contaminada desaparecem. A mensagem final é passada: a África está morrendo! O espectador pensa... Isso é grave!... Mas e daí? Ele vai sair da sala de exibição a caminho da pizzaria mais próxima, esquecendo de tudo o que viu! O continente foi salvo e a indústria cinematografia que todos abominam, enfim cumpre um diferente papel: de denúncia e politizar o espectador quanto à “questão africana”.

O cinema ocidental, de uns tempos pra cá, vem se dedicando a denunciar o lado podre do continente africano. Não que este lado não exista. A aids e a fome assolam o continente e os conflitos internos matam muitos civis em vários países. Mas o problema é o fato dessa indústria usar todo seu armamento num só foco e garantir que a solução para o continente esteja fora dele. Os brancos estrangeiros nesses filmes são evidenciados como gente de boa fé, com alma benevolente, dispostos a trabalhar pelos necessitados. Distanciam-se da fortuna, da intelectualidade, da “civilização” para ajudar os africanos, pobres coitados. São personagens brancos, liberais, estrangeiros na pele de astros do cinema ocidental liberais, brancos e estrangeiros – ou seja, o que eles fazem na verdade, apesar dos personagens assumirem alguns pontos diferentes, é auto interpretação.

E quanto ao lado africano? O povo africano? O governo africano? Ah são uns bárbaros! Nos filmes citados acima os povos africanos são contaminados pela ignorância. São brutos, estúpidos e não tem nenhum sentimento de irmandade. Os conflitos internos são vistos de forma rala, sem aprofundamento das reais questões que norteiam o continente. Parece na verdade que o povo africano se odeia, sem nenhuma razão aparente. E que os brancos estão ali para ensiná-los a verdadeira essência do amor... Um bom exemplo é Hotel Ruanda. Ao assistir a história de Paul Rusesabagina, gerente do Hotel des Mille Collines que se vê completamente obrigado a proteger centenas de pessoas durante o genocídio de Ruanda em 1994, tive a impressão de que o povo africano está entregue a própria sorte. A tensão entre os Tutsis e Hutus é discutida na tela rapidamente. O verdadeiro motivo desses dois povos estarem se gladiando é posto durante cinco minutos, num filme de duas horas de duração. Na verdade, o conflito foi patrocinado pelo Banco Mundial e Fundo Monetario Internacional. Logo depois, quando a ratoeira estava armada os estrangeiros sairam de cena e deixaram a guerra matar todos os africanos.

A África é um continente perdido no pensamento do cinema ocidental. Não que continentes como a Ásia sejam lembrados e ovocionados com filmes exuberantes, de conteudo conciso. O sentimento de alteridade que toma o cinema ocidental – que se auto proclama universal – acaba por reconhecer somente os defeitos do outro. A boa África está no limbo. Steven Spillberg a esqueceu quando adaptou A Cor Purpura para o cinema (leiam o livro pelo amor de Deus e vão compreender o que digo!!!), Meninas Malvadas é mais um que se destina a proclamar o continente com território de jirafas loucas, elefantes, safaris e afins...e o velho e bom mito do Tarzan, que ano após ano tem sempre uma reformulação, seja na forma de desenho animado ou live action. Fora que o continente é visto sempre como um todo. Temos a impressão que Africa é um país e não um territorio de várias nações, com governos independentes.

Esse desejo do cinema ocidental de esteriotipar ou consertar a Africa é óbvio! Os africanos, nos filmes, não tem força o suficiete para reconstruir seus paises. Na verdade, são um povo doente, na maioria das vezes preguiçoso e miserável. E o que seriam deles se não fossem pelos velhos heróis brancos estrangeiros que sempre estiveram dispostos a ajudar a todos os necessitados? Os liberais são presunçosos o suficiente de acharem que podem lutar pelos negros, lutar pela África. Mas fazem isso por dor na consiciência e notoriedade, já que ser politicamente correto está na moda! A África precisa de solução para seus problemas e de ter seu outro lado evidenciado. E ouvir os africanos seria um bom começo. Algo que liberais estrangeiros não estão dispostos a fazer...

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Akeelah simbolo de S-U-P-E-R-A-Ç-Ã-O

Antes de tudo, uma coisa:
Prova de Fogo é um filme clichê! Tudo no filme é previsível... As atuações são previsíveis, o texto às vezes parece filme de auto-ajuda, os personagens têm seus tipinhos muito bem definidos, a música aumenta na hora certa – entre o abraço da filha aos prantos e a mãe que arrependida tenta se recompor – e frases de efeito saltam na tela para fazer o espectador se sentir melhor. Além do final, feito para você pular da cadeira de alegria, depois de ver tanto sofrimento e choro! Sim, e porque diabos então escrever sobre um filme previsível, já que ele não vai mudar em nada a vida de ninguém? Tenho a resposta na ponta da língua: por que Prova de Fogo é o filme clichê!
A história, com certeza, você já viu mil vezes... Professor (Laurence) leva Akeelah, menina pobre de onze anos, a superar seus limites e medos quando passa a treiná-la para vencer um grande concurso – neste caso, os campeonatos de soletração que são febre no território norte americano – que além de mudar sua vida vai colocar sua comunidade de cabeça para baixo. Trata-se do clichê do professor herói, que transforma seu pupilo num sujeito reformulado, culto, educado, visto em filmes como Mentes Perigosas e Vem Dançar, sendo bem diferente do aluno marginal do inicio da história. Prova de Fogo vai entregar mais do mesmo de forma diferente. Está tudo na tela; a aluna rebelde que no fundo quer aprender, as barreiras que a impedem de alcançar seu objetivo, a família que não acredita no potencial da menina, a escola que mais parece um inferno e o professor lindo, alto, moderno e de quebra (para não dizer que ele não tem falhas) traz de brinde uma tragédia para animar um pouco mais a história.
Mas existe um fator ímpar entre a história de Akeelah e seus “irmãos”. Diferente de Mente Perigosas, Vem Dançar e outros do gênero, Prova de Fogo não coloca um professor de fora do contexto que entra em escola desajustada, com alunos desequilibrados para educá-los, transformá-los em sujeitos cultos, desenvolvidos ao seu modo. Os alunos de Michelle Pfeiffer e Antonio Bandeiras nos filmes citados acima são negros, latinos, orientais, que moram em bairros pobres de cidades americanas, beiram a marginalidade e são salvos pelo método revolucionário de um professor destinado a fazer um verdadeiro milagre naquele território inóspito. O sentido da educação, nestes filmes vem de fora, alguém que não pertence aquele contexto que reformula todo o quadro e mostra o verdadeiro valor da educação aos seus alunos.
Já o professor, vivido pelo magnífico Laurence Fishburne, é um homem que sabe as limitações de Akeelah, pois também pertenceu um dia ao contexto da garota. Ele não a desfigura, colocando na sua frente conhecimentos de um mundo diferente do seu e sim ensina Akeelah o poder das palavras através de ícones como Luther King. Akeelah torna-se um símbolo para sua comunidade desacreditada se espelhar e encontra nessa comunidade força para superar seus limites.
Os personagens, apesar de cada um pertencer a um padrão de “filmes de professor”, são independentes. Negros, latinos, orientais são vistos lutando por si mesmos, sem necessariamente precisar da educação branca estereotipada para serem aceitos na sociedade. É curioso o fato de não existir personagens brancos de grande profundidade na trama, concentrando todas as relações na comunidade de Akeelah. Ela torce pelo sucesso da garota, vibra a cada palavra soletrada corretamente e nisso você vai se reconhecendo no filme e torce junto com a comunidade, vibra por Akeelah. No final está completamente entregue ao clichê e segurando as lágrimas...
Somente por curiosidade, o filme foi vencedor do Black Awards 2006, premiando as performances da pequena e brilhante Keke Palmer, Ângela Basset e o próprio Fishburne que também é produtor do filme. Trata-se de um filme simples, de fácil digestão e que traz de presente o sempre bom Laurence Fishburne. Se entregue ao clichê sem culpas e assista Prova de Fogo. Ou melhor... A-S-S-I-S-T-A!...

Prova de Fogo. (Akeelah and the Bee, 2006) Direção: Doug Atchison Roteiro: Doug Atchison. Drama. Estados Unidos Duração: 112 minutos.

domingo, 26 de agosto de 2007

O SONHO SEM LIMITES DAS GAROTAS DO CADILAC CAR...


Eu sempre fui fã de musicais, mas nunca vi nada como Dreamgirls! A sensação de ver na tela um filme como este é inexplicável. Tudo bem, o gênero não é novidade para ninguém neste mundo. Depois de um limbo de mais de 10 anos os musicais voltaram a Hollywood de forma arrebatadora com Moulin Rouge (2001) de Baz Luhrmann fazendo sucesso no mundo inteiro e incentivando outros estúdios a apostarem no novo filão, perfeito para as mentes americanas traumatizadas – pós 11 de setembro – por ser um gênero leve, alegre, aparentemente “apolítico” e passageiro para os espectadores.
Dreamgirls vai um pouco à contra mão do que rege a “cartilha” dos musicais. É um filme alegre, coloridíssimo, com visual extravagante, números de dança perfeitos, músicas de primeira qualidade, interpretações seguras. Está tudo no lugar como um bom musical deve ser. Mas vai além. Dreamgirls é o primeiro musical da “nova era” do cinema americano legitimamente popular, é sofisticado, mas não elitizado como Chicago, por exemplo. Também é o primeiro musical negro hollywoodano a fazer realmente sucesso – ficou restrito a pouquíssimas salas, mas fez mais de 90 milhões em bilheteria só nos EUA. Um outro ponto é o cunho histórico muito bem conduzido pelos roteiristas, evidenciando o período de ascensão do movimento liderado por Luther King nos EUA e da fúria da população negra lutando nas ruas pelos direitos negados há tanto tempo.
Baseado no musical de sucesso homônimo da Broadway de 1981, o filme passeia por duas décadas da black music – 60 e 70 – e é através dela vai conduzir o espectador ao universo da musica negra norte americana, do começo em pequenos bares localizados nos bairros negros, passando pelos primeiros festivais ao sucesso e estouro em todo mundo, incluindo na bagagem apropriação indevida de artistas brancos transformando a musica negra em um “novo” produto dissolvido a ser degustado pela população branca.
O enredo adapta a história de um famoso trio nas décadas de 60/70, as Supremes. Não oficialmente é claro, mas trocam-se os nomes, as músicas, floreia-se um pouco a historia e alguns números para evitar problemas futuros com caros processos judiciais – algo que esta na moda em Hollywood, vide o também elogiado O Diabo Veste Prada. O trio é descoberto com seu doo-wop leve e despretensioso em um festival, é integrado ao time do cantor James Thunder (uma mistura óbvia de James Brown e Marvin Gaye) e com o sucesso, logo desfaz a parceria e passa a ser um trio independente despontando nas paradas musicais com seu incrível sucesso. Depois vêm os conflitos internos do grupo, inveja das integrantes, cobiça dos empresários e a decadência do grupo com a mudança do cenário musical negro, chegando a Disco Music.
O filme tem outros pontos fortes, como o elenco de primeira linha. Jamie Foxx, a cantora Beyonce (em sua primeira grande experiência nos cinemas), Eddie Murphy, Danny Glover, Anika Noni Rose, Keith Robinson e Bobby Slayton dão vida ao filme de uma forma única e surpreendente. Mas é Jennifer Hudson quem coloca fúria no filme e faz a tela balançar de verdade. Sua personagem é a destemida Effie e quando canta transmite toda a fúria e indignação que sente em meio aos acontecimentos que norteiam o grupo. Tanta entrega acabou em reconhecimento no Oscar e no Globo de Ouro, além de outros prêmios.
Até chegar no time final, astros da música como Usher (previamente escalado para viver o coreógrafo C.C. White) foram cotados a participar do filme e muitos testes foram feitos para a escolha de Effie White, além da longa negociação com Eddie Murphy para viver o papel de James Thunder Early.
Dreamgirls não é o tipo de filme para ser visto uma só vez. É impossível enxergar todas as referências musicais e históricas de uma só vez, de reparar nos números musicais e todos os seus detalhes. Assistir a Dreamgirls é mais que uma experiência maravilhosa. É absolutamente fantástico! O que está fazendo na frente do computador, que ainda não foi pegar o dvd na locadora? Dreamgirls é um filme com um gosto especial...

Dreamgirls) EUA, 2006. Direção: Bill Condon. Elenco: Jamie Foxx, Beyonce Knowles, Eddie Murphy, Danny Glover, Anika Noni Rose, Jennifer Hudson, Keith Robinson, Bobby Slayton. Duração: 131 min.