quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ORI.

Qual a sua perspectiva quando o assunto é negritude no Brasil?... É... a pergunta é essa mesmo, sem embromações, nem muitos desvios. Quando você pensa no futuro do país em relação à negritude o que vem a sua cabeça? Mas antes que você comece com a avalanche de teorias e probabilidades sobre o assunto, sobre o futuro que tal começar olhando para dentro de si para depois enxergar o jardim do vizinho?...

A pergunta veio em mim, logo depois de assistir ao filme ORI semana passada. Dirigido por Raquel Gerber o documentário traça um perfil dos movimentos negros a partir do final da década de setenta. O filme traz depoimentos de ícones do movimento negro no Brasil e imagens reveladoras. Infelizmente como se trata de um documentário ORI não vai ter uma carreira extensa como um filme de ficção qualquer e olha que a copia disponível aqui em Salvador é digital, qualidade boa, presente em um excelente cinema Espaço Unibanco Glauber Rocha, conforto e o cine ainda é barato. Um evento raro.

Ao mesmo tempo em que constrói um panorama sobre alguns movimentos negros brasileiros ORI traz algo extremamente diferente de outros documentários: o não didatismo! Diferente de outros documentários que vemos por ai o filme com narração de Beatriz Nascimento (ativista do movimento negro e historiadora) não tem um tom explicativo durante sua projeção. Não é um documentário qualquer... Trata-se de um registro, na voz de Beatriz Nascimento, sobre negritude, diáspora, sobre a força do negro africano que foi escravizado e teve sua cultura efetivada em território brasileiro através da resistência... Apesar de ORI pecar em vários momentos, edição fraca, trilha sonora mal construída, projeção longa demais, o que sustenta o filme realmente é a voz incansável de Beatriz Nascimento. Não é sobre ela o filme, mas quando surge na tela você tem a certeza que a película é toda ela!...

E com a narração de Beatriz o filme cresce, ao mesmo tempo que surge na tela movimentos negros, debates, conflitos, negritudes das mais distintas, surge também a negritude da própria Beatriz Nascimento que revela-se ao longo do filme mostrando o processo de construção e reconstrução da sua negritude conforme o tempo. Ao final da projeção pude entender que ORI pode ir além e nos convidar para um processo de autoconhecimento. A narradora do filme foi assassinada anos depois, mas deixou sua marca na cinematografia brasileira, além de muitos outros trabalhos para o desenvolvimento da comunidade negra no Brasil. ela fez algo! E algo que valeu a pena. E eu? E você? O que fazemos?

É certo para todos nós que a comunidade negra brasileira precisa de várias coisas e apesar de varias políticas afirmativas funcionando no país a população negra no Brasil ainda precisa de mais. E quando assisti ao filme me veio à cabeça que nos congressos, nos simpósios, seminários etc as pessoas que estão lá querem o que na verdade?... Ascender individualmente? Coletivamente? Fazer a tese de doutorado em universidade de renome e publicá-la? Dizer que o sistema está errado, que ele é racista, que segrega e ficar de braços cruzados esperando que a solução caia do céu? Ou transformar o mundo começando por si mesmo?

Confesso que a coragem de Beatriz Nascimento de oferecer ao publico o seu processo de descoberta, de formulação de uma identidade negra forte, me surpreendeu. Existem momentos em que a película revela a pessoa Beatriz com sues entraves, suas descobertas, suas duvidas e não a heroína/ícone que ouvia tanto falar em congressos, seminários, palestras... Ela mostrou-se gente como eu e não um exemplo como mostram os outros...

Depois de ORI e tudo o que vi durante o filme tenho capacidade de crer não em uma negritude universalista. Mas em identidades negras que não são fixas, que se transformam a todo momento, pois a cultura negra é uma cultura de resistência e as estratégias são sempre diferentes com o tempo que muda a cada minuto. Creio em uma identidade negra formulada de diferentes formas, sem modelos pré estabelecidos do que é ser ou não ser negro, que dê valor a tradição, mas também ao novo. Que saia do gueto e da sua proteção e se expanda por outros territórios. Nem tudo esta acabado. Beatriz afirma uma identidade negra sempre em construção, África, America e novamente Europa e África, Angola, Jagas... Como diz sobre si mesma, trata-se de uma mulher atlântica. E nós também somos!

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