quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

HISTÓRIAS CRUZADAS


Historias Cruzadas é um filme sobre racismo feito para brancos! Sem mais delongas, não é mesmo? Para que começar frisando pontos técnicos, blá blá blá?... Vou realmente ao que interessa. É um filme feito para quem o fez! Poderia começar de outra forma, mas não dá. A cada cena, a cada fala, a cada discurso o filme mostra para que veio. E justamente por isso, está na lista dos dez mais do ano passado segundo a Academia de Cinema norte americana. É o patinho liberal de 2012. Ano passado Minhas Mães e Meu Pai fez este papel. Filme bom, mas não tão bom quanto inúmeros por ai, que é colocado na lista por conta do politicamente correto e só. Ano passado foram os gays, dessa vez... os negros são o alvo.
Baseado no livro A Resposta! de Kathryn Stockett o roteiro de Tate Taylor, que também assina a direção do filme, foca na jovem Eugenia, mulher branca a frente do seu tempo. Ao contrário das mulheres da cidade onde vive, ela quer trabalhar, não pensa em um casamento como extensão da vida, sonha em ser escritora e é inteligente. Enxergou a heroína ai?... Nossa heroína metida a vanguardista tem uma idéia: fazer um livro onde o alvo principal são os depoimentos de mulheres negras empregadas domesticas sobre seu trabalho. Ela quer ouvir suas histórias, seus dramas, saber do dia a dia destas mulheres.
Um grande mote certo? Sim! O livro – ao que me parece, pois não o li – foca justamente nestas mulheres negras empregadas domésticas que vão revelando junto ao trabalho, as historias dos seus patrões brancos, como cuidam ou não dos filhos, como lidam com os negros, as fofocas e como a branquidade vê na negritude uma subalternidade eterna. Apesar de ser obvia, a historia do ponto de visto histórico é interessante, pois dá voz a quem nunca teve... Em Historias Cruzadas esta voz que tanto se almeja nunca chega!
Apesar das interessantes historias levantadas inicialmente pelas empregas interpretadas por Viola Davis (BRILHANTE!!!) e Octavia Spencer o filme centra sua atenção nos brancos! Ele parece abrir a porta da cozinha para ouvir o povo que ali está, mas na verdade gosta mesmo de ouvir os “sub traumas” de garotas brancas fora dos padrões do seu mundinho racista, sofrem por isso e vê nos negros um suporte para os seus dramas. Ou seja, sou rejeitado e voce também é, então estamos todos nós no mesmo lugar!... È?...
Duas mulheres ganham destaque: A protagonista que não deveria estar neste lugar, Eugenia que se acha feia, mas é bonita de coração, não se arruma como as outras, anda descabelada, está no lugar errado, defende aqueles que não se vêem neste mundo. A vanguarda clichê ajudando os oprimidos. Quer algo mais liberal do que isso?... E Celia – mulher branca que não sabe cozinhar, nem dar ordens a empregas, se arruma com trajes curtos, sofre de abortos naturais, é tida como vagabunda pela sociedade e mora em uma casa gigante que precisa urgentemente de limpeza. Duas mulheres brancas que são o oposto do resto dos brancos da historia.
Aliás, filmes liberais sempre são dicotômicos: ou os brancos são racistas, matam, humilham, xigam os negros. Ou são bonzinhos, convidam até o negro a sentar-se à mesa da sala de jantar com toda pompa. Sim, essa cena está no filme... Brancos reais não existem na tela. Sabe aquele sujeito que é seu amigo, mas que na complexidade do dia a dia ele, mesmo legal, tem signos racistas que não consegue dar conta, nem assumir, nem trabalhar?! Este tipo de personagem, o cinema norte americano não tem capacidade de construir.
Do ponto de vista político, Historias Cruzadas é duvidoso, cínico, fajuto, liberal frustrado. Mas maquia tudo de uma forma impressionante. Figurinos perfeitos, cenários incríveis – reparem no espaço gigantesco e frio das casas dos brancos contrastando com o apuro familiar em meio aos casebres das empregadas negras. A fotografia é deslumbrante, o ar parece carregado nos cenários construídos para os personagens negros; enquanto as salas do núcleo branco são claras e arejadas as cozinhas da mesma casa parecem ferver. O trabalho do elenco é fenomenal: Viola Davis, então, arrasa! Um gesto no corpo desta atriz significa muita coisa.
As historias que realmente interessam, das empregadas negras, a complexidade de criar uma criança amável, que no final das contas se transformará em cópia racista do pai, as humilhações, as fofocas, são deixadas de lado. Uma ou outra coisa é deixada sobre a mesa. “Não bata nos filhos dos brancos! Eles mesmos gostam de bater nas suas crias. E como batem!”, o carinho ficava com as negras, mas na hora de apanhar nenhum branco queria ver sua cria apanhando de uma negra. Tem mais historias, contadas superficialmente pelo roteiro.
Historias Cruzadas não vai ganhar o premio de melhor filme. E duvido os outros também. Mas marca o seu posto de filme liberal do ano. Exemplo politicamente correto para os racistas se sentirem melhor com um filme que os representa, mas não os aprofunda.

2 comentários:

Patricia Lira disse...

Acabei de descobrir o seu blog. Amei a maneira como escreve, sincero, rasgado, sem análises pseudo intelectualizadas. Parabéns!

Filipe Harpo disse...

Obrigado Patrícia. COntinue acompanhado. Abração