segunda-feira, 2 de abril de 2012

Por Uma Leve Negritude...


Me bateu a vontade de ler um livro dias atrás, estava sem dinheiro para comprar o que realmente queria ler... Resolvi pegar um livro da minha estante e ler novamente. Sempre temos leituras diferentes do mesmo livro. Estão ali, parados em um mesmo lugar, mas sempre em uma releitura eles nos entregam algo diferente. As percepções da obra são distintas à medida que envelhecemos. Estou eu consultando os livros e acho um sobre cotas para negros nas universidades, outro uma biografia de militante negra, outro sobre negros nas novelas brasileiras... Procurava sem achar o que realmente precisava naquele momento... Um livro sobre nosso povo, que não falasse necessariamente sobre o que não somos, os que não alcançamos, onde nós não estamos... Precisava de algo leve naquele momento, semana cheia, cansado, queria descansar com um sorriso no rosto. Na minha estante NADA! Comecei a pensar em outros pontos de cultura, filmes, revistas, peças teatrais... Quando são misturadas a negritude geralmente tem um aspecto extremamente pesado, dramático, triste... Imediatamente veio a pergunta: Por que a negritude é um tema tão pesado, ela não poderia ser simplesmente leve?...
Às vezes penso que não! Fomos marcados – todos nós que nos consideramos negros e os que não se consideram também – pelo racismo, gerações e mais gerações. E este fator, não é nem de longe algo leve a ser encarado. Somente nós sabemos o quão pesado são as agruras racistas, sendo elas pequenas ou violentas abertamente. Seja lá como for, somente nós sentimos a ferida doer... E essa dor repercute em nossa cultura. Música, teatro, filmes, livros muitos deles explicitam nossas dores, ou quando não um heroísmo contra toda a dor que nos abala. Sofremos um martírio imbatível ou somos heróis indestrutíveis. Sempre as manchas, as feridas são a pauta do dia em nossa cultura?
Nossos livros ressaltam muitas vezes o que não somos, onde não chegamos ainda, patamares que não conseguimos alcançar, mas será que no meio disso não há vitórias? Vitoria de sujeito normal, não de um guerreiro negro. Aliás, essa máxima que alia na figura da mulher negra ao patamar de guerreira sempre me dá nos nervos. Esse adjetivo dá a impressão que são mulheres batalhadoras que não caem nunca, não erram jamais... Elas nunca se atrasam para buscar o filho no colégio? Não choram? Ela não sentem desejo por outro homem, por outra mulher, por mais de um homem? Ela é feminista sempre? Não há contradições nesta mulher? A guerreira pra mim não existe.
E esse sofrimento, ou a exigência de ser perfeito me angustia. Precisamos sorrir. Estava reparando que os espetáculos teatrais em Salvador com temática negra tem muito grito, muito sofrimento, muita referencia a época da escravidão, muito perfeccionismo travestido de guerrilha... Precisou um espetáculo do Rio de Janeiro chegar em território baiano para voltar para casa com um sorriso no rosto, refletindo, mas satisfeito e leve. Sete Ventos de Débora Almeida, tinha humor, leve. Conseguia até rir de minhas próprias agruras. Levando-as ao ridículo, consegui supera-las.
Nessa busca incansável por um sorriso negro dentro dos universos compostos na minha estante, acabei encontrando um livro... Parem de Falar Mal da Rotina de Elisa Lucinda. Ótimo livro. Estou lendo novamente. Mistura de teatro, auto ajuda, poesia e muito mais. Recomendo. E sorri dentro de poucas páginas. Estou em um momento onde já sei que mesmo com as cotas as instituições de ensino ainda continuam eurocêntricas, que os brancos sabem que são brancos, mas se dizem não racistas, não brancos, o escambal. Que eu por não ter a tez muito escura para alguns não sou considerado negro e sim moreno, moreninho bla bla bla... Já sei disso e muito mais. Mas agradeço a Deus pelas vitórias alcançadas, junto as minhas contradições e busco algo leve de vez em quando, pois a vida é dura, mas ela não precisa ser SEMPRE dura. E as vezes sozinho no meu quarto, quero ler algo do meu povo, me fazendo lembrar de um orgulho simples e feliz.
Pois felicidade não rima com negritude, mas combina! Acreditem nisso. Quando minha família se reúne, todos de alguma forma são/foram marcados com os signos do racismo, mas a leveza domina o ambiente. A gente ri, conta casos, se sensibiliza, ri novamente, brinca, chora de rir... Eu realmente queria enxergar essa leveza de ser negro presente na minha cultura. Observar um quadro, pintura de menina com cabelos trançados sorrindo radiante, ouvir música ressaltando minha pele feliz... Sei que existem, mas eu quero mais. Há informação sobre o racismo que nos atinge, mas e argumentos para nos tornarmos mais felizes não existem aos montes. Trabalhar para esse tipo de objetivo – a felicidade – também é um compromisso do artista negro, na minha opinião. Pois sorrir é bom demais.

Um comentário:

M.Black disse...

Querido Felipe!

Agora estou conectado a você por meio do Facebook, mas ainda venho aqui com certa regularidade para acompanhar seus textos.
Muito bom este que escreveu. De fato, só os que possuem a tez escura, e se identificam com ela,conseguem captar esse sofrimento histórico que permeia a vida dos negros brasileiros.
Mas, como você mesmo destacou, não somos só "sofrimento", também sabemos sorrir, cantar, dançar e enfrentar com garra e energia a vida de cada dia, disposição e energia que também herdamos de nossos ancestrais, pois se assim não fosse, não estaríamos aqui enfrentando preconceitos ocultos (e nem tanto...), discriminações de todo tipo e falsas e demagógicas declarações de aceitação.
Um ótimo feriado, um ótimo final de semana!
Axé, baianinho porreta!