1865. O EUA – dividido
por 13 colônias, separadas em Norte e Sul com modos de vida totalmente
diferentes – está destruído pela Guerra Civil, milhões de mortos se amontoam
pelo país. No meio de tudo está o 16° presidente Abraham Lincoln, adorado em
todo país pelo povo, que se amontoa onde for para ouvir seus discursos e confia
nele perdidamente. O presidente agora foi reeleito e como está quase vencendo a
guerra, tem o poder da politica do país em suas mãos. O Sul dos EUA está quase
que vencido e ele pode muito bem usar a vitória ao seu favor para começar bem
seu segundo mandato. Mas Lincoln quer mais! Como todo político é natural o
desejo de mais e mais poder... E é justamente esse o assunto principal do mais
novo filme de Steven Spielberg. Lincoln é um filme sobre o conchavo. Na minha
opinião, é um filme honesto. O mais honesto de Spielberg até hoje desde a Lista
de Schindler.
Aliás, Lincoln é muito
mais que um filme honesto sobre política. É de interesse do reeleito presidente,
manter a guerra sob seu comando até onde ele quiser para que a 13° emenda seja
aprovada. Lincoln tenta convencer que somente a nova emenda dará a paz para os
Estados Unidos, estabelecendo equilíbrio entre Norte e Sul. A tal 13° emenda,
garante aos negros escravizados liberdade. E é justamente pelo sistema que ela
dará fim, que Lincoln será bastante cauteloso, para sua vontade ser realizada e
os homens racistas de sua época não entenderem que, na cerne, estão aprovando
uma lei que vai contra a costumes trabalhistas seculares.
O presidente quer o fim
da escravidão e o Sul integrado aos costumes do Norte. Simples assim. E é disso
que trata o filme Lincoln (2012). Politica do inicio – com uma rápida explicação
sobre os motivos da Guerra Civil Norte Americana junto a também rápida passagem
do confronto na tela – ao fim, com a morte do presidente querido já revestido
como herói da nação.
Sim, Lincoln é pintado
como herói neste quadro de Spielberg. Mas ele é honesto, pois em momento algum o
diretor trata da pessoa Lincoln e sim do personagem. A figura do presidente,
homem alto, feição estranha, corcunda e amoroso é explorada pelo filme em todos
os momentos. Seria impossível colocar uma figura histórica como essa a partir
de um prisma real. Steven assume que está filmando a ação de um mito e faz isso
as vezes descaradamente em cenas em que a luz não ilumina ninguém a não ser o próprio
personagem principal ou de forma subliminar colocando Lincoln no centro de uma
conversa comum em meio a políticos degenerados e ele sempre se sai bem de todos
os embates.
E haja embate neste
filme. A ação básica da produção são os (ótimos!) diálogos. O filme trata do “toma
lá da cá” politico. Eu te entrego tal coisa e você me garante um belo “Yes!” no
dia da votação da emenda. Não concordo com a crítica de Pablo Vilaça do site
Cinema em Cena e sua opinião sobre o filme não evidenciar os negros na luta
contra a escravidão, pois este é um filme assumidamente sobre os brancos e seus
ajustes políticos para favorecer a si mesmos.
Gostei muito da forma
como o cineasta trabalha o elenco negro do filme. Coloca a ama da esposa do
presidente como mera espectadora, longe no segundo andar, em meio a tantos
homens brancos nos dias de votação. Os negros dentro de uma politica branca são
meros espectadores. O que vier de favorecimento é nada mais que acaso, sorte
apenas. Outro fator é que o filme noa trabalha a figura do homem que convive
com todos. Lincoln era um homem simples, mas branco e viva nos EUA no século
XIX... Então ele não podia viver a torto e a direita apertando mão de negro pra
lá, colocando menino negro no colo... Isso é visto de forma brilhante em uma
cena em que sua empregada ex escrava conversa com ele. Ela pergunta se ele
conhece o povo dela. Ele diz que não. Que estaria disposto a conhecer, mas que
não os conhece.
É neste ponto que o
filme prossegue com subtextos. Qual o real interesse do presidente em aprovar a
13° emenda, se ele não conhecia (em inúmeros sentidos) o povo favorecido por
ela? A resposta é uma só: Lincoln como bom burguês não queria um costume católico
aristocrata (a escravidão) atrapalhando os seus planos de desenvolvimento
estadunidense. É depois do fim da escravidão que o ideal de américa começa a se
arredondar direitinho...
E o filme deixa no ar
milhares de trechos. Muitas vezes é colocado em xeque se os abolicionistas
acreditam ou não na igualdade PLENA de direitos... Um silencio enorme paira na
tela grande. Essa pausa é própria de um liberal frustrado, que é racista, sabe
que o sistema racista apoia seus interesses, mas nunca terá coragem o
suficiente para assumir seu ponto no sistema que tanto lhe dá vantagens. Impossível
não notar os olhares constrangidos dos personagens abolicionistas contradizendo
as opressoras expressões dos personagens conservadores. Por isso os brancos no novo filme de Spielberg
não são pintados como heróis completos e sim como iguais. Abolicionistas e
escravocratas são iguais, lutam para manter ou acabar um sistema econômico e não
contra ou a favor do racismo.
Com certeza, caro
leitor, está achando que estou me contradizendo. Digo que Lincoln é pintado
como herói e depois digo que os brancos não são heróis... Desenvolvo: o
personagem do presidente é sim o herói da historia. O partido escravocrata é
sim o vilão do filme, mas o roteiro em medida alguma discute racismo, discute
política e um sistema de trabalho considerado ultrapassado pelos liberais do Norte
contra os escravocratas do Sul. O interesse dos brancos políticos é um (com o
fim da escravidão ou não) e dos negros é outro completamente diferente. Tanto que
a ex escrava e agora empregada da esposa do presidente, na mesma conversa, não sabe
o significado do que seja realmente a liberdade...
O silencio neste filme
é muito mais profundo que aparenta ser. Quer dizer (ou não dizer) muita coisa. São
interesses de brancos contra brancos. Os sapos que um tem que aguentar. Os posicionamentos
feitos por traz das cortinas. As chantagens. Os outros seres humanos? Bolas de
gude, jogadas para lá e para cá conforme anda a politica.
É até estranho um filme
de Steven Spielberg ser baseado no subtexto... Logo ele que é tão grandioso em
tudo que faz. Mas estão lá suas características. Os planos abertos evidenciando
a grandiosidade do fato e da produção, os closes arrebatadores em momentos crucias
da trama, a música (contida, mas ela está lá) de John Wlliams subindo na hora
certa. A produção é impecável. As atuações de todos os atores são muito boas.
Lincoln também é um filme de homens, personagens masculinos bem desenvolvidos,
os atores tem um texto para brilhar. Não. Você não vai chorar como em A Cor
Púrpura ou Amistad, este filme está mais para Munique ou a Lista de Schindler.
Emociona, acho que mais pela leitura que os liberais fazem de Lincoln e seu
legado atualmente pelo que realmente diz ou silencia dizendo...
Lincoln é um ótimo
filme. Texto bem feito e subtexto melhor ainda, cortesia do roteirista Tony
Kushner (da série de TV Angels in America), parceiro de
Steven Spielberg em Munique (2005). Concordo com vários
críticos que dizem sobre a grandiosidade dos diálogos, mas ressalto
principalmente o silencio ideológico presente no filme. Onde a retorica política
não alcança, o silencio se faz presente em meio à covardia dos seres humanos
poderosos.