segunda-feira, 18 de agosto de 2014

UMA LIÇÃO DE VIDA. Trailer



Filmes que propagam a "pedagogia do herói" não são do tipo que adoro propagar, mas esse parece ser diferente. Explico, filmes da pedagogia do herói, são aqueles filmes em que o professor encontra turma desajustada, geralmente em bairros pobres, todos grandes delinquentes. Depois de um grande conflito inicial, os alunos se rendem ao seu método revolucionário, acabam se ajustando e tomando jeito. Ou seja, o professor é um SUPER herói. Fazem parte desse "gênero", Mentes Perigosas, Mudança de Hábito 2, Ao Mestre Com Carinho... Sim, você já viu o mesmo filme um monte de vez...
Esse Uma Lição de Vida vai por um caminho diferente. Me parece, pelo trailer, que o ponto de vista principal é do aluno e não da professora...
Fica a dica! Vou ver. Espero que não seja igual aos outros...
O filme é baseado em história real, por isso acredito no potencial dele... Um senhor castigado nos tempos de segregação racial resolve voltar aos estudos, incitando a ira de muitas cabeças conservadoras... A produção é do diretor de Mandela - O Caminho Para  Liberdade, com Idris Elba. Veja o trailer.



sábado, 9 de agosto de 2014

Entrevista: Deo Cardoso. Um Guerreiro Cineasta!!!!!! Parte 1

Deo Cardoso é um homem de talento ímpar. Conheci seu trabalho através do You Tube e me emocionei bastante com o primeiro filme dele que vi; “Pode Me Chamar de Nadi” uma história de superação contada de forma singela. Emoção que te faz sorrir, sabe? Resolvi, na cara de pau (quem me conhece sabe que tenho e me orgulho disso!) pedir uma entrevista a ele ao meu humilde blog. E ele não deu uma entrevista... Mas sim uma aula sobre cinema!!! No meio da agenda corrida, por conta da preparação do seu próximo filme, ele arrumou um tempinho e respondeu a todas minhas perguntas. Não cortei nada, impossível cortar. Para que cortar? A gente já é silenciado demais... Então leia abaixo o que este cineasta de 37 anos (nem parece...), nascido em Madison EUA e que vive pertinho da gente em Fortaleza, tem a dizer sobre cinema, negritude, cinema, militância, rap e... cinema, é claro!

...



Existe uma nova leva de cineastas no Brasil, que falam de suas mazelas sociais. Uma parcela desses profissionais tem coragem de falar sobre racismo abertamente. Como você escolheu o discurso contra a discriminação para atuar junto a seu trabalho? Como é a “forma Deo Cardoso” de tratar o racismo no cinema?

Não considero bem uma escolha. Não acho que “escolhi” o que melhor me convém pra se falar da questão racial, e sim algo que é a nossa condição e vivência. Algo em primeira pessoa, entende? Mas entendo porque você usou esse verbo. Essa escolha, por assim dizer, se deu por uma questão existencial e política mesmo. Essa coisa de ter nascido nos Estados Unidos e de ter passado a infância entre o contexto de orgulho negro norte-americano e o “racismo cordial” brasileiro gerou em mim uma série de questionamentos desde que eu era pivete.

Eu perguntava pros meus pais (brasileiros) o porquê que, no Brasil, diziam que eu era moreno e nos Estados Unidos diziam que eu era “black”? Daí comecei a questionar porque que as pessoas mais escuras eram as mais humildes e injustiçadas, e que mais sofriam condições sociais desfavoráveis. Desde cedo percebi que muitas coisas eram mais difíceis pra pessoas da minha cor e mais escuras que eu, tanto lá nos Estados Unidos quanto aqui no Brasil. E assim, essa formação social e racial mais crítica foi se desenvolvendo na minha mente, e foi se refletindo nas minhas primeiras produções artísticas (contos, poemas e desenhos em quadrinhos). E isso foi ficando, ficando, e virou uma missão mesmo. Por isso não foi bem uma escolha, faz parte da minha identidade e formação pessoal. 


Existe uma frase do grande cineasta baiano Glauber Rocha que diz: “a função do artista é violentar”. Frase um tanto pesada, mas acho que o que ele realmente queria dizer é que a função do artista é trazer à tona questões que nos afligem enquanto seres humanos, no intuito de provocar debates e evoluirmos enquanto seres dotados de consciência. Portanto, para a minha arte, esse discurso da discriminação e do preconceito é necessário pelo potencial emancipatório que o tema traz. A intolerância ao “diferente” (etnia, religião, classe, região, gênero, etc.) é um mal da nossa civilização e isso é histórico. Mas acredito que uma arte que trate abertamente dessas intolerâncias, de uma forma sublime e poética, pode ser tão ou mais “violenta” que um filme de confronto aberto e direto, exatamente pelo poder transformador (e libertador) que uma abordagem simples e poética tem.

Então, não tenho uma forma engessada de trabalhar a questão do racismo em meus filmes. Até aqui, optei por uma abordagem que busque tocar o sentimento humanista das pessoas. São filmes-crônicas. Filmes que abordem nossos dilemas, ora com ternura (como no caso de “Pode Me Chamar de Nadí”), ora com humor e sarcasmo (como no caso de “Cappuccino com Canela”). Mas estou com meu primeiro roteiro de longa-metragem pronto há 2 anos, já orçado, louco pra produzi-lo imediatamente, e esse filme é um filme de confronto político mesmo, de um discurso forte contra o que estão fazendo com a juventude negra brasileira. Tem hora que é preciso desabafar pra ver se alguns absurdos que as pessoas naturalizam sejam devidamente debatidos e transformados. Há dois anos tento fazer esse filme, mas é difícil conseguir apoio. Não tenho muita habilidade política de captar recursos, então, tô vendo aí como faço. Só sei que preciso realizar esse filme urgente. 

Deo no set. do curta Pode Me Chamar de Nadi

Vi dois curtas seus no You Tube, veiculo bastante usado por cineastas independentes para divulgação de seu trabalho. A meu ver, possibilita que um número maior de pessoas veja seus filmes, sem a barreira da exibição em salas de cinema pelo país.  Quando faz seus filmes, já se preocupa com essa nova ferramenta? Fazer enquadramentos, cortes, cenas a partir da perspectiva de alguém que vai ver seu trabalho pela net?

Sim, sim. Já realizo meus filmes com isso na mente. Criar tendo o “youtube” ou o “vimeo” na mente altera um pouco a estética da coisa. Imagino alguém assistindo um filme pelo celular, dentro do ônibus, por exemplo. Então, não posso demorar muito num plano. As sequências precisam ser ritmadas. Diálogos precisos. Tudo muito musicado, caprichado, até porque nosso povo tá sempre em movimento, atrás de um emprego, indo pra aula, zuando com os colegas, etc. Tem que ser malandro no sentido positivo da palavra. Ter jogo de cintura, sambar com a situação. Penso em tudo isso sim. Já outros elementos audiovisuais precisam do mesmo cuidado: uma boa composição, uma boa atuação (mesmo eu adorando trabalhar com atores não profissionais, o que, a meu ver, proporciona uma atuação ainda melhor, mais naturalista e documental).

E como trabalho uma temática “guetificada”, não entro muito em festivais. Parece que existe uma cota pra filmes de determinadas temáticas. Parece que a lógica de alguns desses festivais de maior porte é uma porcentagem pra filmes gays, outra pra filmes negros, outra pra filmes feministas, etc. Portanto, gosto da independência de fazer um filme e divulga-lo via youtube. Quando lancei “Cappuccino com Canela” no início de 2014, por exemplo, fiz uma tímida divulgação pelo facebook e, em uma tarde, o filme conseguiu mais de 400 visualizações. Pra mim tá ótimo, pois é como se em uma tarde, uma sala de cinema lotada assistisse o curta.

Em Pode Me Chamar de Nadi, a discriminação racial sofrida pela personagem principal é algo bastante brasileiro. Cotidiana, mas “invisível”, não é direta, pois é feita para silenciar, como a Nadi muitas vezes emudece. A forma como você introduz o tema para a plateia é extremamente sutil... Como foi o processo de construção do roteiro e a introdução do tema na historia?

Até hoje minhas histórias sempre partem de sentimentos que vivencio quando estou inserido em alguma situação real. Lembro-me de ter escrito, com muita raiva, o primeiro tratamento do roteiro de “Pode me Chamar de Nadí” a 5 anos atrás. A Nadí não é somente uma personagem. Ela existe e interpretou a si mesma no filme. À época do filme, Nadí morava na mesma rua que eu e era muito próxima de mim e da minha família. Por ter uma pele bem escura, o racismo que ela sofria era diário e latente.

Construí o roteiro após ter sido testemunha ocular de uma situação em que a Nadí, ao voltar do colégio com seus colegas e irmãos, sofria piadinhas racistas referentes a seu cabelo. Piadinhas que, infelizmente, são tão comuns no ambiente escolar. E Nadí, com sua personalidade forte, me deu um abraço e disse que não aguentava mais aquilo. Ela tinha 9 anos à época. Foi quando eu disse a ela que os meninos iriam se surpreender quando ela virasse uma linda atriz de cinema. Então, escrevi o roteiro movido por dois sentimentos latentes: uma profunda raiva (em imaginar os traumas psicológicos provocados pelo racismo, que uma menina negra precisa enfrentar desde cedo) e por um sentimento de enorme carinho que aprendi a ter pela Nadí, que tem naturalmente o carisma, a simpatia e a personalidade que a Nadí do filme tem. Ali ela está sendo ela. O lado agressivo e o lado doce.

Assim que eu tive uma versão pronta do roteiro, antes mesmo de ser contemplado no edital da secretaria de cultura do estado do Ceará aquele ano, eu mostrei a história pra ela. Mas eu não tinha a dimensão do que estaria por vir. Ela muito menos. Então tudo era muito vago. Não sabíamos se o filme iria ser feito. Não tínhamos essa garantia. Eu já tava pensando em fazer como eu faço hoje: filmes na raça, sem grana com os amigos e amigas. Mas quando o filme foi contemplado pelo edital, pudemos fazer um filme extremamente profissional e acho que conseguimos passar aquele sentimento de ternura e magia de uma pessoa que, pelo menos naquele recorte dramático, superou o racismo graças ao apoio de outra pessoa negra, mostrando que Steve Biko estava certo: Estamos por nossa própria conta. Somos nossa própria força e superação.


Momento de descontração em meio aos trabalhos


Em sua opinião, qual a cara que o cinema brasileiro atual, quer passar sobre o Brasil para o seu público?

O cinema brasileiro atual é muito diversificado, criativo e extremamente bem elaborado. Certamente não estamos em uma fase ingênua. Tanto o cineasta que está ali à margem do mercado, quanto o que está produzindo dentro do mercado nacional sabem que o cinema não é mais engessado em si, e que dialoga com as novas mídias e novos formatos.

Apesar da tradição clássica e ficcional do cinema ainda dominar o mercado, o mainstream, como falam (a corrente principal e predominante que flerta com as massas), temos também um cinema que busca refletir a questão da imagem, de transitar entre gêneros e formatos. Um cinema que se pensa inserido no contexto de um país emergente que somos. Então, num recorte de cinema ficcional, eu só posso falar de que cara o cinema brasileiro atual procura passar se eu analisar as intenções estéticas e mercadológicas de cada segmento. Só posso falar das impressões que eu tenho, que podem estar equivocadas, claro. Mas a impressão que tenho é a de que, pelo menos no aspecto mercadológico, o cinema brasileiro atual, em seu obvio objetivo de ganhar terreno dentre as produções hegemônicas americanas, acaba realizando um cinema de extrema qualidade técnica, mas buscando reproduzir o que o cinema hegemônico hollywoodiano já faz, principalmente no campo da comédia. Então, o público de cinema brasileiro acaba condenado a consumir filmes com o padrão de qualidade da maior e mais poderosa emissora de TV do Brasil, que entra com seu poder publicitário massivo, reproduzindo pro cinema um padrão televisivo, sem maiores riscos comerciais.

Acho que, salvo algumas exceções, o cinema mainstream brasileiro está numa fase de autoafirmação, ou seja, busca mostrar a cara de sua qualidade técnica, ostentando roteiros bem amarrados, porém esvaziado de temas que busquem dar um sacode nas pessoas. É claro que falo isso num sentido geral, pois vez por outra esse cinema mais “comercial”, por assim dizer, surge dando um sopapo no senso comum, em filmes como Tropa de Elite (I e II), Cidade de Deus, Uma Onda no Ar, etc. No outro polo, temos uma pulsante produção independente país afora. Coletivos de cineastas/colaboradores que pululam em festivais nacionais e internacionais, representando muito bem seus pensamentos críticos/estéticos, sem ter sua estrutura dramática subordinada e engessada a uma fórmula de mercado. Aí destaco a produção do realizador da Ceilândia Adirley Queiroz e seu maravilhoso longa Branco Sai, Preto Fica, que quebra essa linearidade narrativa trazendo um cinema enérgico e que transita entre ficção e documentário, que também dialoga com o hip-hop de seu bairro, Ceilândia, Distrito Federal.

Mas vou te confessar que o cinema que mais me agrada no momento é a recente safra pernambucana. Um cinema que eu coloco no meio termo entre o cinema estritamente comercial, e o cinema estritamente de experimentação de linguagem. O cinema pernambucano me fascina por estar sempre em busca de uma independência narrativa. Essa coisa fervente (ou FREVENTE, relativo ao frevo) que a tradição artístico-cultural pernambucana traz ao longo da história está explicitamente impresso nos filmes daquele estado. Gosto demais dos filmes de Claudio Assis, (em especial Febre do Rato), Lírio Ferreira (Baile Perfumado), Paulo Caldas (Deserto Feliz), Hilton Lacerda (tatuagem), etc.

É a “escola” de cinema nacional contemporânea que eu mais me identifico no momento. Embora exista muita coisa que eu precise conhecer mais. Confesso que nos últimos dois anos, foquei mais em produzir e ensinar do que em acompanhar as novidades e lançamentos do nosso cinema independente. 


Entrevista: Deo Cardoso: Um Guerreiro Cineasta!!!!!! Parte 2...

Poster/Convite do curta Pode Me Chamar de Nadi
















Você estudou e começou a fazer seus curtas nos EUA. The Letter, um de seus primeiros trabalhos, já tratava da questão racial. Qual a diferença em tratar de racismo nos EUA e aqui no Brasil?

The Letter foi o primeiro filme que escrevi, produzi e dirigi na vida. Fiz esse filme nos Estados Unidos. Um filme em preto e branco, em película 16mm, realizado no clima da invasão americana ao Iraque. Um curta de 7 minutos, numa época que eu estava sendo apresentado à prática do cinema. Então, assim como na vida, quem tá começando acaba meio que imitando o estilo de alguém que você admira. É assim em todos os aspectos da vida. Você não é maduro o suficiente pra ‘caminhar com as próprias pernas’ e busca referências. A minha, à época, estando nos Estados Unidos, era buscar uma brasilidade na maneira de fazer cinema. 


E bebi na fonte do cinema-novo, principalmente de Glauber Rocha. Me senti na obrigação de apresentar o Brasil aos americanos através do cinema novo. Então fiz um filme de câmera na mão, no meio da rua, passando a centímetros do rosto do protagonista, um soldado negro americano que se despedia da esposa (também negra) pra ser aquartelado, rumo ao Iraque. Era um filme sem diálogo, que buscava refletir tanto aquele absurdo da guerra, quanto do dilema dos negros em terem que ir à uma guerra de interesses brancos. Um jazz audiovisual, com colagens em áudio da voz de George Bush gritando repetidamente “nós vamos vencer o terror, a America vai prevalecer”, como um remix de Rap, enquanto a câmera avançava no rosto do protagonista enquanto este caminhava na rua.

O professor demorou muito a entender minha proposta. Era tudo muito novo pra ele e ele sabia muito pouco de cinema novo. O dialogo com os Afro-americanos foi imediato. O filme gerou muito debate entre negros e brancos. Muitos deles acalorados, e assim fiquei conhecido ali no mestrado como um cara que gostava de tocar o dedo na ferida. Fui convidado a fazer parte do Hip-Hop Congress, uma organização afro-americana, de negros para negros, que realizava projetos socioculturais em comunidades negras através do hip-hop e da cultura urbana. Ali aprendi muito e foi a época que eu mais militei na causa negra mesmo. Tínhamos palestras com pessoas que fizeram parte dos Panteras Negras, e de outros movimentos de militância negra, enfim. Comecei a fazer dessa causa a minha missão, sempre procurando também ampliar o debate para a opressão não só contra negros, mas contra outros povos historicamente oprimidos também, legado deixado pela política dos Panteras Negras. 

Voltando ao Brasil, busquei militar no hip-hop também. Minhas experiências no movimento negro brasileiro não foi tão militante porque aqui eu precisava correr atrás de estudos e meios de sobrevivência. Percebi também que eu não levo jeito pra militância intensa e politizada nas ruas, e procurei compensar essa minha falta de habilidade fazendo uma militância mais artística, através do meu cinema.

Então, quando faço um filme militante nos Estados Unidos, a reação é um pouco de surpresa e encantamento, por eu ser um Afro-Brasileiro-Americano. Ao ver uma obra, eles procuram compreender a legitimidade daquilo, de quem fez a obra. Se o realizador fez por estar inserido no contexto, ou se o realizador é um outsider, como eles dizem, ou seja, se caiu de paraquedas e tá tentando se aproveitar de um tema que não é de seu domínio. Ao verem meus filmes, a discussão do tema nas mostras era de igual pra igual. Analisado num contexto geral. E sempre resvalava pra questão de como era o contexto racial brasileiro.

Aqui no Brasil, no circulo de festivais, das poucas vezes que participei, percebi muito tapinha nas costas de um público geral, e pouco debate. Já quando nosso povo está na plateia, percebo mais o interesse pelo debate e é justamente isso que me alegra. O debate é parte essencial da evolução intelectual e percebo que nós, brasileiros, temos muita dificuldade em debater sem levar pro lado pessoal. Atribuo isso à ditadura militar, e às opressões de nossa história, que nos tirou a prática do debate e da divergência de ideias.




O que você acha do cinema no Brasil hoje feito como se fosse televisão? Onde o filme de hoje é o novo Especial de Fim de Ano, ou da série de sucesso transformada em filme com “simples” toque de edição?

Como eu disse anteriormente, esse cinema contaminado pela estética televisiva é aquele cinema que prefere não se arriscar pra não perder público. Há quem discorde profundamente dessa teoria. Daniel Filho, um dos poderosos autores da Globo, afirmou uma vez que não existe uma estética televisiva e outra cinematográfica. Tudo se contamina. Concordo em partes com ele, por que de fato, se você for ver um filme como “De Pernas pro Ar”, aquilo parece uma extensão do que é feito na TV, uma produção tecnicamente conservadora: uma luz padronizada, uma abordagem cênica que começa do Plano Geral ao Closeup, enfim, uma produção que não se arrisca e que proporciona essa impressão de que aquilo que é cinema de verdade. Deixa o público mal-acostumado, viciado a esse tipo de produção. E dá-lhe filmes que viram seriados, festivais nacionais de madrugada que quase sempre mostram filmes da Globofilmes, etc. Ainda bem que a internet chegou pra dar uma sacudida nisso.




Recentemente, Ângela Davis, esteve no Brasil no Festival Latinidades Afro Latinas 2014 e fez um alerta criticando a presença de negros no poder: "Não significa somente trazer pessoas negras para a esfera do poder, mas garantir que essas pessoas vão romper com os espaços de poder e não simplesmente se encaixar nesses espaços" afirmou. Quem comanda MESMO um filme é a tríade: roteirista – produtor (a) – diretor (a). Falar sobre racismo em meios de produção hoje é tranquilo ou ainda significa tema tabu entre aqueles que comandam uma produção?

Angela Davis é uma diva. E mais uma vez nossa diva-guerreira está certíssima. Trata-se de um tema extremamente tabu, também dentro do ambiente cinematográfico e de produção audiovisual brasileira. Por exemplo, em 2011 fiz assistência de direção do longa-metragem “As Mães de Chico Xavier”, estrelado por Caio Blat, Vanessa Gerbeli e Herson Capri, e dirigido pelos grandes amigos Glauber Filho e Halder Gomes.  No filme, em determinada cena improvisada, precisavam de um engraxate pra limpar o sapato do protagonista, já que o filme se passava nos anos 1980. Aí pessoas da produção escolheram um colega da equipe que era motorista. Tanta gente pra escolher, e escolheram justamente ele, que tinha a pele mais escura da equipe. E eu rapidamente levei minha insatisfação à assistente que tinha escolhido ele. Perguntei: “sei que toda e qualquer profissão honesta é digna, mas porquê, necessariamente, o engraxate tem que ser negro?” E houve o inicio de um pequeno celeuma.

Então, se você chegar num set de filmagens de uma equipe profissional de cinema no Brasil, você vai ver que as funções mais importantes, as de maior poder hierárquico, reflete a realidade socioeconômica, ou seja, quanto mais braçal o cargo, mais escuro é o profissional desse cargo. Agora vai falar sobre isso pra você ver o desconforto que você causa! Dão logo a entender que o racismo está nos olhos de quem vê. É uma questão muito preocupante. O fato é que temos muito pouco autores(as)-cineastas negros e negras. E quando falo de autores(as)-cineastas, me refiro a roteiristas, produtores, realizadores e diretores de fotografia – posições de maior destaque.




Cappuccino Com Canela, outro curta de Deo Cardoso, também disponível no You Tube


Por que o cinema feito no Brasil não se arrisca tanto em gêneros como ficção cientifica, terror, fantasia... O que nos falta para avançar nesse quesito? Dinheiro? Material? Público?...


Acontece que, como temos uma tradição polarizada entre a reflexão social (influenciada pelo neo-realismo italiano e consagrado pelo pessoal do cinema novo) e uma tradição cômica dentro de um padrão industrial (que vem desde os tempos da chanchada passando pela pornochanchada). Nunca tivemos uma estrutura econômica e industrial que nos permitisse, enquanto cinematografia, investir em certos estilos, como ação e aventura, por exemplo.

É como se a gente fosse fazer filmes de gênero pra competir contra quem já é mestre nessa técnica, certo cinema pirotécnico americano que ostenta efeitos especiais por um lado e que, por outro, apresenta uma narrativa extremamente limitada e engessada em sua estrutura. 

Então, nossa tradição cinematográfica meio que não nos permite competir com Hollywood. Nosso cinema tem uma tradição mais voltada pra Europa e, por conseguinte, à nossa própria formação cinematográfica latino-americana. Aquela coisa combativa, de gritar ao mundo que somos inovadores em nossa própria maneira de se contar uma história, visando formação de plateia ou mesmo a um publico cativo. Nossa tradição comercial é o melodrama, desde os tempos dos estúdios da Cinédia (de Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro, nos anos 1930), que flertava com os melodramas das radionovelas, e também as comédias populares e carnavalescas, frutos de nossa rica tradição cômica, que remonta a antes mesmo da chanchada (gênero cinematográfico genuinamente brasileiro, desenvolvido nos estúdios da Vera Cruz e da Atlantida na década de 1940/50). Nosso cinema reflete, ri ou avacalha a nossa própria condição social e política.

Somente nas experiências tresloucadas do cinema marginal brasileiro, arriscávamos a fazer filmes de gênero assumidamente toscos, muito mais pra tirar uma onda do que propriamente um filme de gênero (o terror de Zé do Caixão, uma ficção  científica de Carlos Manga, etc). Ao longo da historia do cinema brasileiro, já se fez inúmeros filmes de ficção cientifica, por exemplo, mas sempre nesse viés cômico.


No curta Sonhos Interrompidos você dá um depoimento em que cita “outras formas de solucionar problemas” contra a violência. O cinema, ou a arte em geral, poderia ser uma das fontes de solução?

Sem dúvida. O cinema, a arte em geral, faz parte de um capital-cultural importantíssimo pro nosso povo. Temos que aprender a gerir isso. A criar nossos espaços, nossos festivais, nossos circuitos de dança, de teatro, de cinema, espetáculos em geral. Temos que nos consumir mais nesse sentido. Tanto como criadores quanto como gerentes disso tudo. Pensar, criar, consumir.

Em “Sonhos Interrompidos”, temos o retorno de Nadí, num tom mais documental. Foi um filme encomendado pelos membros de um atuante grupo negro militante, aqui de Fortaleza, chamado “Consciência Negra em Movimento”. Um grupo de pretos e pretas atuantes e inteligentes, que estão firmes e fortes na luta contra o racismo. Me procuraram e pensamos esse trabalho juntos, numa mesa de restaurante. Chamamos algumas pessoas e eu escrevi e dirigi aquilo que o grupo todo idealizou. Só que a coisa tava pesada demais na edição, e optei por uma edição mais positiva da coisa, ao invés do tom derrotista que estava.

Nem fiz muita publicação desse trabalho porque o vídeo infelizmente gerou uma polêmica dentro do grupo. Até hoje não sei se ficaram insatisfeitos com a edição do vídeo em si ou pelo fato de que eu, desavisado, publiquei o vídeo no youtube, sem saber que eu precisava pedir permissão ao grupo. Pode ter sido um misto dos dois. Gerou certo mal-estar, mas foi coisa de momento.  Tô de boa. Tratam-se de pessoas articuladas e bacanas.  A vida é assim mesmo. Nem sempre agradamos a todo mundo. Divergências são comuns em qualquer grupo ou família. Por mais que hajam divergências, o que importa é o respeito. O mais importante é que a mensagem chegue até as pessoas. Nossa produção já é tão tímida ainda, né?! A produção de cinema negro (documentários, curtas, longas, etc) já é tão escassa, tão complicada, que eu acho que quanto mais for publicado e exibido, melhor. Precisamos de mais produção de nossos filmes, romances, livros acadêmicos, espetáculos, poemas... mais debates, mais opiniões, mais pontos de vista.  Precisamos criar mais espaço pra nós mesmos(as), né não?!

Curioso o movimento que alguns cineastas tem com a música e a influencia dela em seus trabalhos. Wood Allen, Kubrick, Scorsese, Sofia Copolla, Scheffer, Spike Lee são alguns que trabalham a partir da musica. Em minhas pesquisas, vi que você tem uma relação muito próxima ao rap. Qual a influencia que ele exerce em seu cinema?



Eu e o rap somos “amigos” de longa data. Tenho 37 anos, mais ou menos a faixa etária do hip-hop. Nasci nos Estados Unidos em 1976, porém, filho de pais nordestinos. Nos anos 1980, quando eu vivia em Raleigh, Carolina do Norte, a música que eu ouvia em casa era Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, Chico Buarque, etc. Na rua e nos ônibus escolares, o que eu ouvia era Public-Enemy, Fat Boys, Run DMC, 2 Live Crew, De La Soul, Michael Jackson, etc. Então isso tudo fez muito a minha cabeça.

A gente respirava rap, em sua fase mais contestadora. Os caras passavam a ideia certa. Noções de luta, de arte engajada. Aprendi a desenhar por causa dos grafites que eu admirava. Escrevia letras de rap em forma de poemas, e até hoje sonho em gravar um rap. Nem que seja por desencargo de consciência, porque talento eu não tenho NENHUM! hahaha.

Então, procuro estruturar meus filmes de forma ritmada como um rap audiovisual, seja cadenciado, seja acelerado, mas sem necessariamente usar rap como trilha sonora. Posso estar enganado, mas que eu me lembre, dos mais de 4 filmes/curtas que realizei, nunca usei trilha de rap em nenhum, a não ser nos créditos finais de Pode Me Chamar de Nadí, que usei aquela musica linda do Rappin Hood “Us Guerreiro”, que fala muito da nossa condição enquanto afro-brasileiros. 

Então, o dialogo entre a forma como faço filmes e o rap está lá, “vivão e vivendo”, como se diz. E foi através do rap que cheguei a gostar de jazz, e de soul. Mas não só o rap faz parte dessa minha salada de influências, o samba e o afoxé são ritmos que me encantam demais também.




Brincando nos Campos do Senhor, Pixote e Cidade de Deus ficaram famosos no mundo inteiro por usarem atores amadores ou não atores. Vi que você gosta também de usar esse tipo de ferramenta. Quais são os prós e os contras de usar essa técnica tão adotada por cineastas?

No esquema de produção de filmes que eu adoto, vejo muito mais prós do que contras. Explico: meu esquema de produção é urgente. Filmes-crônicas. O realismo é latente. O naturalismo é essencial.  A influencia do cinema documentário é viva demais nos filmes que faço. E o cinema, ao contrario do teatro, tem esse poder de absorver e dar significado ao mínimo movimento de uma pessoa. Um franzido de testa gera um significado. Um olhar torto, outro significado. Se o ator ta nervoso, por mais que ele dissimule, a câmera vai captar.


Não gosto de caras e bocas e nem de caricaturas.  Gosto da tensão que um ator ou atriz amador(a) traz consigo diante de determinada situação. Por isso que eu geralmente ensaio, faço exercícios cênicos, sempre baseado em improvisos, pra não mecanizar o ator ou atriz. Esse ator ou atriz me ajuda a construir a personagem. Cria junto comigo. A relação é ótima. Uso exercícios do grande dramaturgo Augusto Boal e da teatróloga americana Viola Spolin. Pessoas que extraiam a maior naturalidade dos atores e atrizes sem técnica. 

Claro que existem contras. Gente que trava na hora, essas coisas. Mas tudo é uma questão que precisa ser bem trabalhada nos ensaios. Até hoje não tive problemas maiores. Nunca trabalhei com atores profissionais famosos. Espero também trabalhar com atores e atrizes que admiro muito, como Lázaro Ramos, Neuza Borges (com quem tive o prazer de conviver em um trabalho), Antonio Pompeu, Cosme dos Santos, Sheron Menezes, Jonathan Haagensen... e um sonho especial de um dia trabalhar com Zezé Mota.




Pergunta final: Você se declara um cineasta ou um cineasta negro? E por quê...


Sou tímido, mas quando me perguntam como quero ser apresentado, sempre me declaro um cineasta negro. Pensa bem, já somos tão poucos né?! E nossas maninhas negras realizando filmes são tão poucas também, que acho extremamente importante essa declaração como afirmação mesmo, sabe. É como a resposta no censo do IBGE. É importantíssimo se declarar negro ou negra. É como se eu dissesse: nós existimos nesse meio. Nós existimos enquanto autores(as), criadores(as), doutores(as), engenheiros(as), etc. É importante pra dar visibilidade. Mais importante e fundamental ainda pra causar impacto e consciência politica e racial pra molecada.

Porque na verdade quando você se declara negro, ou negra, dependendo da ocasião, causa certo estranhamento, certo mal-estar. E isso acaba abrindo espaço para debate. E aí, quando você justifica e chama pra si a negritude, você está fomentando uma consciência de nossa própria condição, de orgulho de nossa herança africana, de um povo fundamental pra nossa identidade. Ao fazer isso, estamos invocando Lélia Gonzales, Stuart Hall, Carolina de Jesus, Bob Marley, James Baldwin, Frantz Fanon, Amilcar Cabral, etc.


O preconceito ainda é muito grande em nosso país. O racismo é muito grande. Apesar dos avanços, os negros ainda estão muito associados a empregos baixos, à favela, à subserviência, ao crime, ao esporte, ao exotismo, enfim, a atividades que não impliquem a produção intelectual. Se boa parte do nosso povo ainda se encontra em situação desfavorável, isso se dá por séculos de opressão pré e pós abolição. Somos um povo guerreiro, de lutas e conquistas. De dor e de dança. E essa afirmação de nossa negritude é nosso grito de libertação diário. Afinal, o sorriso no rosto de quem já chorou, consegue ser mais belo que um sorriso comum. 

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Dez (OUTROS) Zouks/Kizombas que Você Não Pode Deixar de Ouvir!!!!!!

Nova lista. Desde já, não se trata de algo do tipo "os dez melhores" ou coisa parecida. O que listo aqui está longe de ser unanimidade, são musicas que ouço na minha play list toda semana. Confesso, algumas todo o dia! rsrsr Descobri o zouk e o kizomba anos atrás e a paixão foi imediata. Esta é a segunda lista publicada aqui no blog, a outra continha os primeiros sucessos descobertos por mim. De lá pra cá renovei minha play list e compartilho agora 10 músicas que não saem dos meus ouvidos por nada neste mundo. Se interessou, veja a primeira lista clicando AQUI.

Para ouvir a música proposta, basta clicar no link com nome da música e artista.
Bom som para todos!!!!!
Se curtiu, compartilha ae com os amigos... as músicas e o blog.


Já era fã da música, mas o clip, simples e muito bem feito, me conquistou. Uma prova de amor linda! E é sempre bom ver um casal negro se declarando. Impossível não sorrir vendo o clip. Do mais, a musica tem um balanço muito gostoso.




Anos atrás os divos do kizomba Ary e Pedro cansaram-se. Não demorou para as colaborações rolarem soltas. Mas o ápice dos dois, na minha opinião, é quando Ary regrava e remixa um sucesso do marido, Dá Só. Na versão dela a música ganha um up geral! Mas mesmo não curtindo a versão do ex (sim, já se separaram), ponho também o link dele pra você ouvir e comparar.




Êeeeeeeee mulher bonita da zorra!!!!! rsrsrs Acho a voz de Yola super sensual, contida, do jeito que eu gosto. Combina com o swing gostoso de Sjam Paixona. Além de tudo, a cantora é bonita pra caramba! Coisa linda de ver e ouvir.




Titica, é na verdade a rainha do Kuduro, em Angola. Sua fama ultrapassou inúmeras barreiras. A primeira da homofobia, em seu país e por onde tem passado. Ela começou como dançarinO de Kuduro, mas seu desejo em ser uma mulher falou mais forte. Transformou-se, mas continuou no mundo na música, agora como cantora. Seu primeiro cd "Chão" (que eu já falei sobre AQUI) fez grande sucesso. Chegou até o Brasil, sendo convidada por Ana Maria Braga e outros programas. O forte dela nunca foi o zouk. Ela mesmo já disse isso algumas vezes. Mas resolveu se arriscar e deu certo! A musica e o clip são bons. Novo ponto para essa artista: fazer um clip onde sua sexualidade nunca é colocada em ponto exótico. Gostei.




Está na moda música (seja lá de que ritmo for) com som de videogame, não é? Ok, aqui na Bahia a moda atingiu os pagodes e se tornou um vício insuportável que não funciona muitas vezes. Nos EUA os cantores de hip hop também aderiram a artimanha, mas a dance music fazia isso já a um tempinho... Mas aí vem Stony e lança uma música com esse tipo de som (mas não só com ele) e acerta. Ou melhor, ACERTA! Ouço Dança Kizomba quase todos os dias... Tem um único problema, me conter onde estou para não sair dançando rsrsrs




A diva do Zouk junta-se ao cantor Nichols num feat gostoso de ouvir. Citei-os individualmente na lista anterior. Mas esse trabalho dos dois, presente no cd de Marysa, é maravilhoso! Nichols no clip, fica vestido, não tira a camisa e fica muito mais bonito e elegante sem tirar onda de gostosão bombado! E as cenas do povo preto dançando no salão são de uma sensualidade única!




Balanço bom!!!!!! Vozes dos cantores, super gostosas de ouvir. E tudo no velho e bom francês que eleva a sensualidade!!!! O clip é simples, mas muito legal.





A versão do cantor Kaysha para sucesso de Rihanna ficou melhor que a original. Pronto falei! A voz do cara é boa demais e que som! Que som!!! Que som!!!!!! Outra que ouço toda semana. Esse daí nasceu com a beleza virada pra si. Larguei a diva norte americana e fiquei com ele. Sem culpa rs. Muito melhor! Ô se é...




O clip é uma bela porcaria. A cantora é linda, mas só Jesus na causa pra não rir com ela cantando no meio da loja de roupas fazendo a linha sensual... Já a música, aí sim, um acerto dos bons. Em francês novamente, tão gostoso de ouvir. Delícia de música.




Essa última eu ouço TODOS OS DIAS!!!!!! Mistura de inglês (simples) com português (ah sotaque bom da moléstia rsrsr) a letra é uma declaração de amor de um cara que se acha, mas vale a pena. Como as outras, a voz sussurrada do cantor faz toda a diferença...