Ed Shomer (ao lado) é um homem multiuso. Extremamente compromissado com seu trabalho e a arte negra ele é Cantor e Pesquisador da Música Afro-Brasileira e Afro-Americana e Diretor Musical do 1º Coral Afro de Alagoinhas. Aos 30 anos, esse alagoinhense além de se envolver com música, está envolto na política como Diretor de Combate as Opressões e Ação Social – SINPA e também é Editor e Colunista do Jornal Axé Bahia - Agreste de Alagoinhas / Litoral Norte Em entrevista ao PELÍCULA NEGRA ele fala sobre o sucesso do coral, da carreira, do gosto pela musica, arte em geral e outros assuntos urgentes...
Como a música apareceu na sua vida?
Na minha primeira eucaristia aos 10 anos de idade. Eu solei uma parte de uma das músicas da cerimônia, as pessoas levantaram pra me aplaudir e aquilo me marcou, me emocionou muito. De lá pra cá não parei mais.
Suas referencias musicais quais são? Você é fã de Brian Mcknight, não é mesmo?
Meu timbre sempre foi uma mistura do forte e melódico, isso fez com que eu me interessasse em ouvir pessoas que cantassem parecido comigo pra que eu pudesse ir comparando e vendo onde eu podia melhorar. Minha referência até a adolescência era apenas o gospel e com o tempo fui descobrindo que a música feita por pretos, principalmente os norte americanos, me fazia alcançar níveis mais altos de inspiração para interpretação. Passei a ouvir de tudo que se referia a música negra norte - americana (soul, jazz, blues, funk norte americano, R & B, etc). Depois de um tempo estendi ao que era feito em outras partes como reggae e o samba brasileiro e nisso fui tendo noção do que eu era capaz de fazer. Essa mistura fez com que eu me abrisse para outros estilos (de igual modo feito por negros) e hoje ouço desde as primeiras que citei até o samba – reggae e o afro pop (estilo batizado recentemente pela grande Margareth Menezes).
Sim, adoro o Brian. Tenho a discografia completa! (risos).
E o coral afro, a partir de que surgiu a idéia de fazer um coral com esse enfoque?
Eu sou Baba Alagbè (título dado no terreiro em que sou iniciado a quem é o principal responsável em cantar e dirigir os demais Alagbés na entoação das cantigas nas festas, ritos e cerimônias) e em 2008 surgiu a necessidade de se estender o xirê especial ao Orixá Iroko. Minha Yalorixá então pediu que eu reunisse os outros ogãs e ekedjis para que ficasse uma “coisa de peso” (palavras de Mãe Olga - risos). Como já fui diretor musical de alguns projetos não foi difícil encontrar algumas coisas boas vindas de Nigéria, Cuba e principalmente de nossa tradição Yorubá. Me reuní com o pessoal e cara, ficou muito bom! No dia da festa só via a turma elogiar o trabalho.
Chamamos a atenção do poder público e fomos convidados a cantar de novo. Foi aí que tudo começou.
Essa vontade de construir um coral afro foi influenciada na sua entrada no candomblé, já que é uma religião que lida com uma forma de musicalidade diferente e também uma cultura díspar da dita como oficial.
Como eu disse, foi exclusivamente por isso. Apesar de ser conhecido como conservador, o desafio me atrai. É um grande desafio fazer com que as pessoas parem pra ouvir músicas que não estão acostumadas ou está fora da mídia, principalmente quando se é música de preto e preto do candomblé.
A visão sobre cultura afro brasileira e africana fez com que você tenha uma opinião diferente da música como um todo?
Não. Pra mim a música em si tem uma força tão grande que transcende qualquer cultura ou religião. Ela tem vida própria entende? Eu já tinha essa opinião e só se confirmou.
Como está sendo a receptividade do coral?
Nos apresentamos poucas vezes fora das casas de axé. Mas quando nos apresentamos conquistamos e os integrantes foram entrevistados (risos). É tudo muito novo, ainda não temos a estrutura necessária para uma “explosão”, mas estamos trabalhando pra isso.
Reparei que Alagoinhas tem um “mercado musical” próprio. Com bandas e artistas que circulam pelas cidades que fazem divisa com ela e também pela região de Feira de Santana. Para você como anda esse mercado da música no interior?
Temos grandes artistas, isso é fato. Mas a música, assim como as demais vertentes da arte que é feita no interior ainda é muito desvalorizada e excluída. Pra você ter uma idéia, a maioria dos artistas de Alagoinhas e Região que são reconhecidos de alguma forma hoje, primeiro tiveram que mostrar seu trabalho em Salvador e em outros estados. E não é porque a turma não tem qualidade, porque tem. É porque os contatos que podem notar essa qualidade e proporcionar uma ascensão está na capital. Acho que o poder público deveria ajudar nesse processo, proporcionando um alcance maior de seus editais ao interior, tanto na divulgação eficaz quanto na “fatia do bolo”.
Essa semana fui dar uma palestra sobre Música e Cultura Negra e lá também estava minha irmã de fé e grande amiga Fernanda Júlia (Diretora Teatral de um talento espetacular) que também é de Alagoinhas. Depois de palestrarmos tivemos tempo de colocarmos o papo em dias e um dos assuntos em pauta foi justamente esse. É uma opinião geral: temos grandes artistas e pouca valorização no interior.
Nos EUA há uma tradição de musicalidade negra que tomou conta do mundo desde o século passado. Aqui no Brasil também existe uma tradição de música negra, desde Jorge Ben, Margareth Menezes, a Paula Lima, mas vemos que esses artistas não fazem tanto sucesso quantos outros... Por exemplo, Daniela Mercury, Ivete Sangalo... A cor da pele é um fator importante para o sucesso ou não de determinado artista?
Eu estou tentando lembrar de um único artista negro brasileiro que seja uma celebridade com a mesma popularidade das artistas brancas que você citou agora e não estou conseguindo. Tem o Carlinhos Brown que arrasta multidões na Bahia, o Djavan que lota casas de espetáculo famosas e outros artistas que podem ser considerados monstros sagrados da arte brasileira, mas pra lotar um estádio de futebol como o Maracanã, deixa eu ver... não, não estou conseguindo lembrar. Mas, talvez seja só coincidência.
O racismo aqui no Brasil é conhecido por se manter de forma velada. Como é isso para você negro, musico, sacerdote...
Vedada e cínica! Outro dia me disseram mais uma vez que o racismo está na cabeça de nós negros, que racismo não existe. O racismo é real, o pré-conceito pela cor da pele existe e está no meio da arte também. Meu povo sofre na pele a intolerância por integrar uma religião de negros, que desde a chegada dos nossos antepassados aqui no Brasil sofre uma tentativa de sufocamento quando “demonizam” tudo que nos pertence. Li um comentário sobre uma famosa cantora brasileira outro dia quando diziam pejorativamente: “aquela macumbeira até que canta bem”.
Na hora da televisão parece que tudo é perfeito, mas aqui em baixo, na vida real e cotidiana vejo sim a diferença no tratamento a artistas negros. Aqui na Bahia somos maioria e veja quantos de nós estamos na mídia. Somos centenas de negros e negras fazendo arte de qualidade, mas são poucos os que conseguem um destaque tal como outros não negros. Agradeço ao universo pela vida do Lázaro Ramos, Margareth Menezes, Sandra de Sá e tantos outros que conseguiram, mas a verdade tem que ser dita.
Você se envolveu no moimento negro, participou do CEN, fundou junto com outros amigos o JUNA também trabalha na Prefeitura de Alagoinhas. A política e a arte negra sempre andaram juntas ou são coisas que precisam andar separadas para se desenvolverem?
Eu ainda sou filiado ao Coletivo de Entidades Negras, mas não me chamam pra fazer muitas coisas por lá (risos). Adoro o pessoal e acho que é um dos movimentos com maior representatividade no que concerne a militância negra. A JUNA foi uma tentativa de fazer com que jovens das comunidades periféricas de Alagoinhas e Região tivessem melhores oportunidades. Eu saí da liderança 2008 e não ouço mais falar neles enquanto grupo, mas individualmente tenho uma boa relação com todos e sim, sou um servidor municipal e músico (nunca deixo de mencionar).
E justamente por ser músico eu vejo que a arte e a política precisam ser parceiras, mas independentes uma da outra. Se eu vivo da música, não posso chegar ao cara que está no poder e dizer a ele que não vou cantar (e fazer o meu melhor) em um evento organizado por sua equipe. Eu não pensava assim, hoje eu penso. E não é porque eu não tenho um lado ou não deseje o melhor pra meu povo, é porque com a idade a gente vê que temos que escolher nossas prioridades e definir quais valores em nossas vidas deverão falar mais alto, com o desafio de nunca, jamais se vender. Como negro sinto prazer em militar pelas causas que corroboram com a equiparação humana. Como músico ganho vida quando dou alívio às almas dos seres humanos com minha voz.
Como ultima pergunta: Qual a sua visão de musicalidade negra atual e como enxerga essa vertente musical daqui a alguns anos?
Nossa música é forte, emociona, encanta e alegra. Nossas vozes são marcantes e nossos ritmos tomam conta do corpo. Essas coisas como digo, falam mais do que as dificuldades que encontramos pra vivermos da arte. Tanto no Brasil como em todo o continente americano temos crescido e isso não vai parar. O mercado está se saturando de “mauricinhos” e “patricinhas” nas telas, e o diferente faz-se necessário. Espero que os governos se abram mais e mais para a equiparação social e cultural contribuindo com isso para um fortalecimento da arte negra e regional como um todo.